Mostra de Rubem Valentim em Inhotim desafia a arte concreta com signos afro

Exposição agora no museu mineiro reúne obras geométricas que buscam a representação das imagens dos terreiros

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Exposição 'Fazer o Moderno, Construir o Contemporâneo: Rubem Valentim', em Inhotim

Obra da série 'Emblemas', de Rubem Valentim Instituto Inhotim/Divulgação

Brumadinho (MG)

Apesar de esta ser a semana mais quente do país no ano, o sol não estava de rachar em Inhotim. A extensão do jardim botânico e dos lagos artificiais por 140 hectares garantiu frescor ao cenário idílico no coração de Minas Gerais, interrompido apenas pelos carrinhos elétricos que não paravam de chegar à galeria Lago, pavilhão dedicado a exposições temporárias.

Exposição 'Fazer o Moderno, Construir o Contemporâneo: Rubem Valentim', em Inhotim
Rubem Valentim em seu ateliê em Brasília, em 1978 - Instituto Inhotim/Divulgação

Os convidados, muitos vestidos de branco em homenagem a Oxalá, orixá da criação celebrado às sextas-feiras no candomblé, foram os primeiros a vislumbrar a exposição "Fazer o Moderno, Construir o Contemporâneo: Rubem Valentim", que foi aberta no maior museu a céu aberto da América Latina no último sábado.

Entre o público entusiasmado, estavam alguns dos artistas de maior destaque no cenário nacional, como Rosana Paulino e Ayrson Heráclito, ambos com trabalhos expostos na atual Bienal de São Paulo, junto a rostos de uma nova geração de artistas.

Com dois metros de altura, "Objeto Emblemático nº 11" era o primeiro a chamar a atenção do público que entrava no pavilhão. A escultura feita de madeira e pintada de verde e vermelho tem símbolos geométricos em relevo que remetem a signos das religiões afro-brasileiras.

Na parte de trás da obra, escrito a mão sobre a madeira, está a marcação "10ª Bienal de São Paulo, 1969", seguida da assinatura de Rubem Valentim. Com passagens por bienais internacionais e exposições pelo país ao longo de sua carreira, hoje, 32 anos depois de sua morte, o artista ainda marca presença na Bienal de São Paulo com a obra "O Templo de Oxalá", escultura inteira na cor branca, de 1977.

As obras escaladas para ocupar a galeria Lago incluem esculturas, relevos, emblemas serigráficos, telas pintadas pelo artista e até registros fotográficos da construção do "Marco Sincrético da Cultura Afro-Brasileira", monumento em concreto de mais de oito metros de altura erguido na praça da Sé, em São Paulo, há 45 anos.

Nascido em Salvador, o artista se mudou para o Rio de Janeiro em 1957. Foi quando Valentim abandonou a figuração para se dedicar à geometrização das formas —mais especificamente, de elementos das religiões de matriz africana.

Em Inhotim, um gramado de alguns metros separa "Objeto Emblemático nº 11" do "Penetrável Magic Square #5, De Luxe", de Hélio Oiticica, que, com blocos monumentais coloridos, usava a geometria para pensar a interação do público com a arte.

Exposição 'Fazer o Moderno, Construir o Contemporâneo: Rubem Valentim', em Inhotim
'Objeto Emblemático nº 11', de Rubem Valentim - Instituto Inhotim/Divulgação

Apesar de suas obras se aproximarem da estética concretista, que ganhava terreno nas décadas de 1950 e 1960 com nomes como Oiticica e Lygia Clark, Rubem Valentim rejeitou sua aproximação às correntes europeias e chegou a afirmar, categoricamente, que nunca foi concretista.

"Ele tinha noções muito grandes das distorções feitas pela crítica branca brasileira", diz Igor Simões, organizador da exposição e também responsável pela mostra "Direito à Forma", inaugurada em paralelo em Inhotim e que reúne obras de artistas negros que se distanciam da figuração.

Segundo Lucas Menezes, outro organizador da exposição, a obra de Valentim não deve ser entendida como uma pesquisa da redução da forma, mas como uma "busca pela síntese de saberes, experiências e da fé".

Como o próprio artista escreveu em "Manifesto Ainda que Tardio", em 1976, sua linguagem estava ligada aos "valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira", fruto da soma do "peso da Bahia", do "sangue do negro nas veias" e dos "olhos abertos para o que se faz no mundo —a contemporaneidade".

Seus símbolos, então, nasciam como uma tentativa de transferir para o campo da visão aquilo que existe num "mundo mágico e místico". Segundo o crítico de arte Mário Pedrosa, havia um pouco de antropofagia oswaldiana na arte de Valentim, por deglutir, sem se preocupar com movimentos estéticos vigentes, os signos culturais do terreiro.

A preocupação em produzir uma arte que estivesse ligada a elementos da cultura nacional, que Valentim chamou de "poética visual brasileira", não impediu o artista de estudar traços de artistas modernos. Em seus cadernos de rascunho presentes na mostra, Valentim reproduziu desenhos de Lasar Segall e Pablo Picasso.

Segundo Simões, o curador, o artista baiano é uma figura de proa para analisar a arte gráfica no Brasil e desafiar as noções geométricas estabelecidas pelo movimento concretista.

Não por acaso, a mostra conta com algumas obras de artistas vivos que, de alguma forma, se relacionam com o trabalho de Valentim, estrategicamente expostas em espaços delimitados para não desviarem o foco da exposição.

É o caso da série "Geometria à Brasileira", de Rosana Paulino. A obra é formada pela junção de formas geométricas coloridas, que remetem ao clima tropical, mescladas a fotos antigas de pessoas negras e iconografias da fauna e da flora brasileiras, para discutir a vocação geométrica defendida pelos construtivistas brasileiros do século 20.

"Boi de Piranha", do artista Froiid, também está exposta ao lado dos trabalhos de Rubem Valentim. Vários quadrados de madeira formam um mosaico e, em cada um deles, está escrito o nome de um animal, em referência ao jogo do bicho.

As formas geométricas de cores fortes e os temas que envolvem cultura e iconografias populares estabelecem um diálogo visual fluido com as obras de Rubem Valentim presentes na galeria e que, em sua maioria, são do acervo de Inhotim.

Na visão de Igor Simões, este é o momento ideal para que elas sejam expostas ao público, já que os temas propostos pelo artista há décadas, como a discussão da produção negra na arte, hoje são incontornáveis.

A jornalista viajou a convite do Inhotim e do Instituto Cultural Vale

Rubem Valentim

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