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'Chuva e Vento sobre Telumée Milagre' elabora as violências com beleza

Romance da autora Simone Schwarz-Bart aproxima o que é humano ao que é da terra em genealogia de mulheres negras

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Bianca Gonçalves

Poeta, performer, tradutora e doutoranda em teoria e história literária na Unicamp

Chuva e Vento sobre Télumée Milagre

  • Preço R$ 119,90 (398 págs.); R$ 79,90 (ebook)
  • Autoria Simone Schwarz-Bart
  • Editora Carambaia

Há uma generosa constelação de autores caribenhos que vêm surgindo em edições e relançamentos no Brasil.

Nomes como Dany Laferrière, Maryse Condé, Françoise Ega e os consagrados Édouard Glissant e Aimé Césaire —bastante lidos nas universidades— têm se tornado constantes em nossas prateleiras, apresentando um arquipélago plural que, seja pelas vicissitudes da experiência colonial ou por outras razões culturais, dialogam bastante com o leitorado brasileiro.

Uma das autoras que faz parte dessa deriva atlântica é Simone Schwarz-Bart, que acaba de ter seu romance mais conhecido, "Chuva e Vento sobre Télumée Milagre", publicado no país com tradução de Monica Stahel.

A história se passa em Guadalupe, ilha que faz parte do domínio francês até hoje. É um lugar com uma composição étnica e cultural que permite ricas elucubrações acerca da "crioulização", conceito caro aos pensadores caribenhos.

A escritora Simone Schwarz-Bart
A escritora Simone Schwarz-Bart - Hermance Triay/Divulgação

A obra, originalmente publicada em 1972, faz jus à questão antilhana ao trançar uma teia de imagens bastante elaborada, com metáforas que congregam as forças da natureza aos movimentos de uma sociedade permeada pela violência, não apenas do colonialismo, mas também do machismo.

Num espaço erigido pelas intempéries, as personagens fazem de seus próprios corpos parte constitutiva do cenário, confundindo, com propósito político e estético, o que é da terra e o que é do homem.

As mulheres aqui estão, como também demanda a tradição mítica, ligadas à terra. A protagonista é Télumée, responsável por fiar o tecido narrativo que recupera sua ancestralidade.

Acompanhada pelos cuidados e olhares de Rainha sem Nome, sua avó, voz da sabedoria e sobrevivência, Télumée compartilha sua genealogia de mulheres negras que se desenvolve num espiral de avanço e recuo em relação ao passado. Conselhos, profecias e cantilenas dão destaque à palavra falada, ao valor da oralidade, reforçando a importância dos costumes tradicionais que antecederam a colonização.

A trajetória da protagonista é permeada pela violência tanto no ambiente de trabalho, em que é assediada e violentada numa casa de brancos, quanto em seu próprio lar.

Élie, seu companheiro, a personagem masculina mais presente na obra, se conecta com o universo do serviço braçal, que o confina ao lugar da virilidade e, consequentemente, da carência de um círculo de partilha e cuidado, ainda que a mulher cumpra seu papel nos afazeres domésticos.

Reproduzindo um certo padrão narrativo acerca do homem negro, Élie se torna o típico viciado em álcool que agride a mulher, também alguém desconectado da natureza e de qualquer propósito existencial.

ilustração geométrica em amarelo, vermelho e marrom
Ilustração de capa de 'Chuva e Vento sobre Telumée Milagre', da editora Carambaia - Divulgação

Em meio a uma trama de dificuldades, Télumée recorre à Rainha sem Nome que, além de cuidar de suas feridas físicas com plantas medicinais, aconselha a neta sobre como sair de sua situação. A avó tem algo de etéreo e sublime, mantém alguma distância dos conflitos humanos que promovem caos e dor.

A divinização da anciã ao longo do romance pode ser vista de duas formas, a incontestável respeitabilidade que a personagem conquistou na comunidade, mesmo que tenha sido atravessada pela violência do patriarcado colonial; ou a idealização e, por extensão, desumanização da figura feminina negra mais velha.

Embora a narrativa acabe incorrendo em representações complicadas, muitas vezes dualistas, "Chuva e Vento" vale pela beleza com que Schwarz-Bart desenha Guadalupe e as ações de suas personagens, unindo as interações humanas às leis naturais, o que rende belos aforismos como a própria abertura da obra.

"Muitas vezes a terra depende do coração do homem: é minúscula quando o coração é pequeno e imensa quando o coração é grande."

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