A Academia Brasileira de Letras decidiu mais uma vez responder às demandas por diversidade na instituição e elegeu Ailton Krenak para ser o primeiro indígena da casa fundada por Machado de Assis.
Em outros tempos, as declarações que Krenak deu recentemente a este jornal poderiam ter enterrado a sua candidatura. Acusado de traição por Daniel Munduruku, um dos derrotados na disputa, o autor pareceu esnobar a ABL quando comentou o caso.
Disse que não sabia que o jornalista Merval Pereira era o presidente da instituição e que não acredita que o sagrado chá semanal dos imortais aconteça de verdade. Sugeriu que, se eleito, não poderia comparecer. Pareceu não se importar tanto com a candidatura, o que deve ter soado deselegante para imortais sempre tão ciosos da etiqueta.
Mas a busca pela diversidade e por figuras famosas parece se sobrepor a eventuais atritos. Ao abraçar essa pauta, a ABL tenta reconstruir no imaginário público uma presença que tinha perdido.
A ABL foi fundada no fim do século 19, sob inspiração da Academia Francesa, que surgiu no século 17. As instituições são resquícios do passado. Não à toa, ao longo do século 20, movimentos culturais como o modernismo e o tropicalismo se apresentaram de forma crítica à ABL, vista como conservadora.
É inegável que a ABL reúne alguns dos maiores intelectuais do país. Mas, com o passar dos anos, instituições do tipo deixaram de figurar entre os principais espaços de legitimação intelectual. No fim, não é a Academia quem decide a obra de quem será imortal.
Com a internet, a situação se aprofundou. A ABL restava como uma instituição sobretudo no imaginário da alta sociedade carioca, que vez ou outra conseguia projetar eleições na casa de Machado como algo de grande relevância cultural para o país.
Mas isso está mudando. Ao cobrar representatividade, movimentos como o negro e o feminista ajudam a projetar a Academia Brasileira de Letras.
Anos atrás, tive uma conversa com um dos imortais sobre a campanha pela eleição de Conceição Evaristo, que tinha começado sem seguir os rituais. Mas o que surpreendia aquele acadêmico era outro ponto, um paradoxo da campanha —com as críticas, dizia ele, o movimento devolvia à ABL uma relevância que ela não tinha mais.
Era um pedido por representatividade em uma instituição que não era mais representativa. Os imortais aproveitaram a oportunidade.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.