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Eleição de Ailton Krenak devolve à ABL relevância que ela já não tinha mais

Academia Brasileira de Letras, criada no século 19, vinha perdendo influência como espaço de legitimação intelectual

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São Paulo

A Academia Brasileira de Letras decidiu mais uma vez responder às demandas por diversidade na instituição e elegeu Ailton Krenak para ser o primeiro indígena da casa fundada por Machado de Assis.

Ailton Krenak em cena do documentário 'Pisar Suavemente na Terra', de Marcos Colón
Ailton Krenak em cena do documentário 'Pisar Suavemente na Terra', de Marcos Colón - Divulgação

Em outros tempos, as declarações que Krenak deu recentemente a este jornal poderiam ter enterrado a sua candidatura. Acusado de traição por Daniel Munduruku, um dos derrotados na disputa, o autor pareceu esnobar a ABL quando comentou o caso.

Disse que não sabia que o jornalista Merval Pereira era o presidente da instituição e que não acredita que o sagrado chá semanal dos imortais aconteça de verdade. Sugeriu que, se eleito, não poderia comparecer. Pareceu não se importar tanto com a candidatura, o que deve ter soado deselegante para imortais sempre tão ciosos da etiqueta.

Mas a busca pela diversidade e por figuras famosas parece se sobrepor a eventuais atritos. Ao abraçar essa pauta, a ABL tenta reconstruir no imaginário público uma presença que tinha perdido.

A ABL foi fundada no fim do século 19, sob inspiração da Academia Francesa, que surgiu no século 17. As instituições são resquícios do passado. Não à toa, ao longo do século 20, movimentos culturais como o modernismo e o tropicalismo se apresentaram de forma crítica à ABL, vista como conservadora.

É inegável que a ABL reúne alguns dos maiores intelectuais do país. Mas, com o passar dos anos, instituições do tipo deixaram de figurar entre os principais espaços de legitimação intelectual. No fim, não é a Academia quem decide a obra de quem será imortal.

Com a internet, a situação se aprofundou. A ABL restava como uma instituição sobretudo no imaginário da alta sociedade carioca, que vez ou outra conseguia projetar eleições na casa de Machado como algo de grande relevância cultural para o país.

Mas isso está mudando. Ao cobrar representatividade, movimentos como o negro e o feminista ajudam a projetar a Academia Brasileira de Letras.

Anos atrás, tive uma conversa com um dos imortais sobre a campanha pela eleição de Conceição Evaristo, que tinha começado sem seguir os rituais. Mas o que surpreendia aquele acadêmico era outro ponto, um paradoxo da campanha —com as críticas, dizia ele, o movimento devolvia à ABL uma relevância que ela não tinha mais.

Era um pedido por representatividade em uma instituição que não era mais representativa. Os imortais aproveitaram a oportunidade.

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