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Pessoas trans ainda estão na fase do grito, diz Assucena ao lançar o seu primeiro disco

Cantora, que fazia parte da banda As Baías, lança 'Lusco-Fusco', seu primeiro álbum solo, e se apresenta no Sesc Pompeia

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A cantora e compositora Assucena

A cantora e compositora Assucena Natalia Mitie/Divulgação

São Paulo

Assucena cansou de gritar. Com uma voz expressiva e dramática que lhe rendeu fama à frente da banda As Baías, a cantora optou pela sutileza em "Lusco-Fusco", seu primeiro álbum solo. "Já tentei falar alto com as pessoas, mas me fiz mal. Estou gostando muito da ironia", diz ela.

Em seu novo trabalho, a artista de 36 anos reivindica seu espaço na MPB por meio de composições inspiradas no crepúsculo. Ela apresenta o repertório do disco, com direção artística da cantora Céu, em dois shows no Sesc Pompeia, na zona oeste da capital paulista, nesta quinta (5) e sexta-feira (6).

Natalia Mitie/Divulgação
A cantora e compositora baiana Assucena - Natalia Mitie/Divulgação

Assucena, que é nordestina, trans e judia, entende os obstáculos que grupos marginalizados precisam enfrentar para se fazer ouvir na sociedade. "Ninguém deu voz para gente. A gente construiu esse megafone com o apoio de aliados que têm dividido seus privilégios conosco. Ninguém ganha guerra sem aliados", ela afirma.

Junto a nomes como Liniker, Majur e Bixarte, Assucena integra uma geração de artistas trans que vem conquistando um espaço inédito na música. Em 2019, ela se tornou a primeira mulher trans a receber uma indicação para o Grammy Latino ao lado de Raquel Virgínia, sua antiga parceira de vocais em As Baías, anteriormente conhecida como As Bahias e a Cozinha Mineira.

A banda foi formada em 2011, quando Assucena e Raquel, ambas então no início de sua transição de gênero, conheceram Rafael Acerbi no curso de história da Universidade de São Paulo. Em 2014, Assucena deixou a faculdade para se dedicar integralmente à arte e, em 2021, com a dissolução da banda, iniciou a carreira solo.

No ano passado, a artista estreou no teatro interpretando Medeia no espetáculo "Mata Teu Pai, Ópera-balada", trabalho pelo qual foi indicada ao Prêmio Shell como melhor atriz.

Ela conta que foi ouvindo as canções de Gal Costa que passou a se entender como uma pessoa trans. Também é fã de Whitney Houston, Amy Winehouse e Maria Bethânia. "A música é minha fonte de renda e também o meu lugar de libertação. Foi por meio dela que eu me tornei uma mulher trans. Foi ela que me deu coragem para ser quem eu sou", diz.

Assucena reconhece a importância da arte como plataforma de reivindicação de demandas da comunidade trans. Para ela, "ainda estamos na fase do grito, que é uma fase muito difícil".

Por outro lado, suas composições em "Lusco-Fusco" não abordam de maneira explícita as vivências de pessoas trans. "Minha militância é de outro jeito. Tem quem trabalhe com manifesto político, e tem quem goste mais de metáfora. Não dá para dizer quem é mais importante", afirma.

O álbum começa com um samba romântico, "Menino Pele Cor de Jambo", e emenda uma sequência de canções repletas de sensualidade e erotismo. Para Assucena, o afeto é uma questão inerentemente política para travestis e mulheres trans. "A gente é quase o oposto da família tradicional. A gente é a solidão plena, a rua, enquanto a família é a casa, a coletividade", diz.

Em seguida, o disco segue por um caminho mais melancólico, mas ainda assim belo. Nos versos da vinheta "Meeira", a compositora sintetiza a ideia de transição que norteia o trabalho —"da luz pro breu, do breu pra luz/ é uma brasa arisca, meio que enfeitiça, que espanta, que seduz".

O disco então retoma o espírito alegre e termina com o baião "Enluarada". "É uma redenção meio judaico-messiânica. Quando canto ‘vou acender duas velas para ver enluarada a festa de quem nunca viu’, isso representa o shabbat para mim, mas para as pessoas pode ser o candomblé, a umbanda, o seu ateísmo e a forma que você se relaciona com o seu signo de luz", diz ela.

Assucena cresceu em um lar judaico em Vitória da Conquista, na Bahia. Seus antepassados eram judeus sefarditas do Marrocos que migraram para o Brasil ao longo do século 19 e se estabeleceram nas regiões Norte e Nordeste. O judaísmo que ela pratica, em suas palavras, "está muito mais próximo da mandinga e da macumba do que do estilo cristão".

Na juventude, aprendeu hebraico e participou de coletivos judaicos para estudar questões de gênero e sexualidade na Torá e no Talmude, os principais textos da religião. "Acho o judaísmo muito bonito porque a gente se questiona. O cristão lê o texto sagrado sem questionar. Aquilo é sagrado, vai ficar assim. Já o judeu vai perguntar se aquilo é verdadeiro, se foi traduzido corretamente", diz.

Ela lamenta que a sua fé seja vista como se fosse exclusivamente branca e conservadora, imagem mais associada aos judeus ashkenazis, que fugiram do leste europeu para o Brasil no século 20. "A paleta cromática judaica é bem intensa. Ela é tão grande quanto a sua diáspora", ela afirma.

Lusco-fusco

Lançamento de 'Lusco-fusco'

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