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Filme sobre Nelson Pereira dos Santos se perde em tanta correria

'Vida de Cinema' lembra uma Wikipédia em imagens, mas deixa escapar algumas reflexões sobre a carreira do biografado

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Nelson Pereira dos Santos: Vida de Cinema

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação Livre
  • Produção Brasil, 2023
  • Direção Aída Marques, Ivelise Ferreira

Fazer uma cinebiografia documental não é difícil. Ainda mais no modelo que domina o cinema contemporâneo: entrevistas com imagens de arquivo. Tem que errar muito para ficar ruim. O difícil é fazer com que seja especial.

"Nelson Pereira dos Santos: Vida de Cinema", de Aida Marques e Ivelise Ferreira, tem uma série de imagens dos filmes desse diretor, e elas se defendem sozinhas. Mas não tem algo que o torne diferente de tantas outras cinebiografias —boas de se ver por causa dos biografados, mas pouco memoráveis enquanto cinema.

Cena do documentário 'Nelson Pereira dos Santos: Vida de Cinema' - Divulgação

Temos uma cronologia da carreira desse grande cineasta, sem dúvida um dos maiores do país. Passamos, inicialmente, pelos filmes que procuraram uma experiência similar à do neorrealismo italiano em solo brasileiro, mais precisamente no Rio de Janeiro, no belíssimo "Rio 40 Graus", de 1955, e na obra-prima "Rio Zona Norte", de 1957.

Vamos, de forma didática, para a fase de confirmação do cinema novo, culminando com o essencial "Vidas Secas", de 1963, baseado em livro de Graciliano Ramos. Nelson torna-se conhecido como um diretor de adaptações, tendo rodado anteriormente "Boca de Ouro", de 1962, a partir da obra de seu xará Nelson Rodrigues.

Após "El Justicero", de 1967, embarca nos filmes do exílio voluntário em Paraty, entre 1968 e 1972, fase experimental de quatro longas controversos, mas sempre valiosos, com destaque para o primeiro deles, "Fome de Amor", de 1968, com Leila Diniz.

Nesse momento, o filme de Marques e Ferreira embaralha os quatro longas de modo a colocá-los dentro da redoma da transgressão, o que não é errado, mas perde um pouco as particularidades de cada um, resumidas ao máximo em recortes de jornais e cenas escolhidas aparentemente sem muito critério.

Em 1974 surge o "O Amuleto de Ogum". Entra então na fase, digamos, oficial, de um cinema brasileiro bancado diretamente pelo estado, ou seja, pela ditadura militar. A Embrafilme, antes apenas uma distribuidora, começa a desempenhar outras funções, incluindo a de produção dos filmes. O cinema brasileiro vive um grande momento.

A fase, por sinal, é muito boa, com filmes que buscam uma veia mais popular sem abandonar uma ambição estética: "Tenda dos Milagres", nova adaptação, desta vez de Jorge Amado, longa de 1977, "A Estrada da Vida", de 1980, com a dupla de sucesso Milionário e José Rico, e a nova adaptação de Graciliano Ramos, o fenomenal "Memórias do Cárcere", de 1984.

O documentário começa a perder o fôlego conforme os filmes avançam, um problema já observado em outras produções do tipo, como o "De Palma" de Noah Baumbach e Jake Paltrow. Mas até o bem-sucedido "Memórias do Cárcere" ainda havia espaço para alguma reflexão, normalmente surgida indiretamente pelas imagens e declarações recuperadas.

O que vem depois é quase deixado de lado. Uma montagem abrevia tudo que o cineasta fez a partir do injustiçado "Jubiabá", de 1987, filmado durante a decadência da Embrafilme, que logo seria fechada, decretando um período terrível do cinema brasileiro.

Não há quase nada de novo para quem conhece a obra de Nelson Pereira dos Santos e as histórias em torno delas. Não há muita análise estética, tampouco um pensamento mais elaborado sobre a importância dos filmes para o cinema brasileiro em suas etapas históricas.

Nos momentos em que isso acontece, notadamente em "Vidas Secas" e em Tenda dos Milagres", o filme cresce, torna-se algo maior do que estamos acostumados a ver nesse formato. Já o também essencial "O Amuleto de Ogum" ficou claramente prejudicado pelo corre-corre documental.

Em parte, o documentário acaba sendo uma espécie de Wikipédia em imagens, um festival de informações visuais sem reflexões para acompanhá-las. Um trabalho mais jornalístico, ainda que estendido, do que cinematográfico.

Pelos momentos que escapam desse formato, o filme merece ser visto. Fica nítida, contudo, a impressão de que é possível arriscar um pouco mais quando se trata de um biografado como Nelson, habituado a saltos sem rede de proteção.

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