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Irvine Welsh pensa se violência é resposta ao abuso sexual em livro

Romance policial do autor de 'Trainspotting' acompanha vítimas mutilando homens predadores

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Shisleni de Oliveira-Macedo

Educadora e tradutora

Longas Lâminas

  • Preço R$ 89,90 (384 págs.)
  • Autoria Irvine Welsh
  • Editora Rocco
  • Tradução Rogério Galindo

Para começar, talvez seja importante saber que este é um livro que traz cenas de violência e abuso sexual que podem ser desconfortáveis. Além da violência, o debate sobre identidades trans, desigualdades sociais e drogas são pontos centrais neste romance policial, bem como em nosso tempo —talvez por isso sua versão televisiva seja um sucesso no Reino Unido.

O autor Irvine Welsh na Flip 2016 - Keiny Andrade/Folhapress

Mas já nas primeiras páginas percebemos que a experiência com o livro pode ser prejudicada por algo que não tem muito a ver com a trama: faz falta uma revisão e edição mais bem cuidada.

É sabido que todos os processos de produção pelos quais os livros têm que passar são igualmente fundamentais. Não dá para deixar que um livro se garanta só pela trama e renome do autor. Pena que a precarização do trabalho na indústria livreira faça com que cuidados essenciais sejam deixados de lado.

"Longas Lâminas" é o mais recente livro do escocês Irvine Welsh, autor de "Trainspotting". Durante sete dias, seguimos os passos de Ray Lennox dentro de seu turbilhão de pensamentos regados a cocaína, álcool e café.

Detetive do departamento de crimes graves, Ray se depara com o assassinato de um parlamentar corrupto e preconceituoso, que construiu sua carreira propagando ódio. Em paralelo a esse caso, ele investiga o desaparecimento de meninas. Essa violência e suas experiências pessoas nos levam com ele também à terapia. "Há maldade no mundo e as notícias não deixam esquecer isso", diz o narrador.

No livro, pessoas que sofreram abusos se juntam para sequestrar e torturar seus abusadores, deixando-os sangrar para então expor seus corpos, ou apenas sua genitália, em lugares públicos, como um aviso.

Em algum momento no decorrer do texto, talvez sintamos junto com Ray um misto de repulsa e prazer pela violência da vingança. É assim que Welsh impõe uma reflexão sobre a resposta violenta à violência —e não é à toa que escolhe crimes sexuais para nos colocar diante do dilema moral da vingança.

A trama mostra a banalização do abuso sexual ao mesmo tempo em que se baseia no fato de que ela é inaceitável. Essa dupla moral adoece e enoja a alguns, mas não a todos.

Os estupros, em particular, têm uma força simbólica amplificada. por representar a submissão e violação de famílias ou populações inteiras. São armas de dominação e de guerra muito baratas e eficazes —e é bem este o disparador da história.

Como desta vez as vítimas são homens poderosos da política britânica, Ray sente o peso das engrenagens do Estado se moverem para abafar e limitar o avanço do seu trabalho. Ninguém quer que os tabloides descubram por quem ou por qual motivo aqueles defensores da moral foram castrados.

No meio da destruição física e mental que se impõe, tudo nos encaminha a uma conclusão: estar do lado dos assassinos. "Os poderosos nunca vão ser responsabilizados. O terror é a única coisa que eles entendem", diz uma personagem numa fala que parece ser a voz da história.

Com pitadas de humor e sarcasmo sobre o sexismo presente por todos os lados, Welsh teve o cuidado de contar também com uma consultoria de ativistas trans.

"Longas Lâminas" é o segundo livro de uma trilogia que começou com "Crime", de 2008. O terceiro deve sair em breve. A história se conecta ainda com um livro anterior, "Filth", obra ainda sem tradução de 1998.

Mesmo que você não seja muito fã de romances policiais, vale o convite a dar uma chance a este.

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