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'Napoleão' se perde entre psicanálise e batalhas belas, mas repetitivas

Grande trunfo do filme de Ridley Scott é o Bonaparte de Joaquin Phoenix e sua hesitação em frente às mulheres

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São Paulo

Napoleão

  • Quando Estreia nesta quinta (23) nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim
  • Produção Reino Unido, EUA, 2023
  • Direção Ridley Scott

Se dá trabalho contar a história de personagens obscuros, sobre quem faltam informações básicas, talvez seja ainda mais difícil realizar um bom filme sobre uma figura como Napoleão Bonaparte, abundantemente tratada. Esse é o desafio de "Napoleão", que chega agora às telas pelas mãos de Ridley Scott.

A respeito do emblemático líder francês foram publicadas inúmeras biografias e lançadas algumas centenas de filmes para a TV e o cinema. Grandes cineastas se dedicaram a narrar sua história, a começar pelo francês Abel Gance, autor de um "Napoleão" monumental, de 1927, com imagens filmadas por três câmeras projetadas em três telas, num formato muito mais largo que o normal.

Joaquin Phoenix em cena do filme 'Napoleão', de Ridley Scott - Divulgação

Quando Scott se interessou pela trajetória fascinante do capitão nascido na Córsega em 1769 que chega a comandar boa parte da Europa, cogitou se debruçar sobre o final de sua vida, no exílio na ilha de Santa Helena, em 1815. Seu filme, porém, escolhe um período bem mais amplo —vai do cerco a Toulon, em 1793, até sua morte.

Com esse recorte, o diretor de "O Último Duelo", "Gladiador" e "Alien" pode fazer o que sabe: dirigir cenas de batalhas, povoadas por uma multidão de figurantes (aqui, há os reais e os multiplicados digitalmente).

Scott filma duas sequências de embate realmente memoráveis: Toulon e Austerlitz. Na primeira, através da luta pela liberação do porto francês no Mediterrâneo, então ocupado por tropas britânicas, o público é apresentado ao raciocínio militar de Bonaparte, que aposta num ataque de surpresa ao forte.

Aparece aí, também, a excentricidade do personagem. Ele se abaixa para recuperar a bala de canhão que abatera seu cavalo e pede que o irmão a guarde "para a mamãe" —é um indício da aposta do filme nas características mais edipianas da personalidade do imperador.

A batalha de Austerlitz, por sua vez, rende momentos sublimes: considerada a maior conquista de Bonaparte, é também ponto alto do filme. Todo o longa é informado pela iconografia em torno do personagem e suas campanhas, com destaque para as pinturas neoclássicas de François Gérard.

As cenas de Austerlitz flertam também com paisagens invernais pintadas nos séculos 18 e 19 e, com drones, conseguem oferecer um desenho muito nítido da disposição das tropas, como numa lição de estratégia.

Na aproximação, as imagens do enfrentamento se desaceleram e ganham uma qualidade quase abstrata quando os oponentes austríacos e russos do exército francês são surpreendidos em um lago congelado que se quebra. Os feridos caem e tingem a água de vermelho num balé preciso.

O que se segue, porém, é um encadeamento de batalhas sem o mesmo brilho e algo repetitivas. Em tempos belicosos como os nossos, é difícil não pensar na constância mórbida do gosto do homem pela guerra —e na diferença de escala entre as guerras do passado e do presente.

Entre um combate e outro, o Napoleão de Joaquin Phoenix fraqueja e se atrapalha em mais de uma ocasião. Ora são os aliados que observam sua falta de modos. Ora ele abandona as tropas no Egito ao ser informado da traição de sua esposa, Joséphine, interpretada por Vanessa Kirby.

A dupla de protagonistas está muito bem, mas Joaquin Phoenix se sobressai ao conferir um ar cômico ao imperador, que aparecia como baixinho nas caricaturas da época e tardou em conseguir ter um herdeiro.

Falta um foco mais determinado ao longa de Ridley Scott. Ainda assim, o filme emite hipóteses sobre o imperador, algumas delas de fundo psicanalítico. Ele se emociona ao falar da mãe e parece desajeitado no amor.

Pintado com tintas ambivalentes, o relacionamento com Joséphine disputa a atenção do espectador com o movimento das tropas napoleônicas, da expansão à derrocada. Ela parece capaz de manipulá-lo e dominá-lo, mas também sofre humilhações e violências. Já o imperador deixa seu raciocínio militar ser perturbado por preocupações sentimentais, que faz pausas no front para escrever cartas – e ansiar por respostas.

Há, finalmente, a aposta de Ridley Scott num Napoleão que hesita e fraqueja, sobretudo diante das mulheres. E esse é um grande trunfo do filme.

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