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'Bottoms' é sátira bizarra de 'Clube da Luta' com adolescentes lésbicas

Filme da diretora de 'Shiva Baby' acompanha amigas que usam o empoderamento para transar com as líderes de torcida

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São Paulo

Bottoms

  • Onde Prime Video
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Rachel Sennott, Ayo Edebiri, Ruby Cruz
  • Produção Estados Unidos, 2023
  • Direção Emma Seligman

"Bottoms" é uma comédia como nenhuma outra. Tem um monte de cenas forçadas, piadas que não funcionam, personagens que simplesmente não colam e atuações de dar até raiva de tão desleixadas. Mas, por trás dessa espuma de ruindade, o filme traz um tema sério e ultratocante por trás, além de uma sátira de quase tudo, até de si mesmo.

E, conforme você se acostuma com as falhas de roteiro e direção, além do amadorismo de algumas performances —o que acontece rápido, ninguém vai ter de suportar 40 minutos de chatice para ser recompensado no final nem nada—, a história se desenrola e envolve o espectador como uma sucuri de novela. Você sabe que aquele negócio pode não acabar nada bem, mas não tem forças para vencer a batalha contra a curiosidade.

Cena do filme 'Bottoms', de Emma Seligman
Cena do filme 'Bottoms', de Emma Seligman - Divulgação

Ou seja: "Bottoms" é ruim, mas é bom. Ou melhor, é ótimo, mas isso não parece possível enquanto a trama está se construindo, meio aos trancos e barrancos.

A ela: as melhores amigas PJ, papel da atriz Rachel Sennott (a mesma de "Shiva Baby", espécie de alter ego da cineasta Emma Seligman e que também assina o roteiro aqui), e Josie, interpretada por Ayo Edebiri, que muita gente vai reconhecer da série "O Urso", voltam das férias de verão para começar o último ano do ensino médio com a mesma missão de todos os adolescentes virgens: transar pela primeira vez antes da formatura.

"Lésbicas, feias e sem talento", como elas mesmas se descrevem, e, pior, encantadas pelas líderes de torcida mais populares da escola, as duas vivem em um constante estado de leve depressão e usam o cinismo e o humor como suas armas de defesa mais constantes.

Elas desprezam a tudo e a todos: desde os jogadores de futebol americano da escola, considerados os príncipes da turma, passando pelos professores, que parecem saber bem menos do que quase todo mundo sobre o que deviam ensinar, até as outras meninas esquisitas e menosprezadas da classe.

Elas só têm interesse nas duas líderes de torcida magras, lindas, vaidosas e populares. E não é nem amor verdadeiro, só uma cisma, quase um desafio moral.

Isabel, interpretada pela modelo Havana Rose Liu, é a preferida de Josie, mas namora com o principal jogador do time da escola, Jeff (Nicholas Galitzine). Brittany, melhor amiga de Isabel, papel da modelo Kaia Gerber (filha da top model Cindy Crawford), é o alvo de PJ.

Um dia, durante o intervalo, por conta de uma conversa ouvida pela metade por uma das outras meninas esquisitas da escola, nasce o rumor de que PJ e Josie foram para o reformatório durante as férias de verão. E elas decidem capitalizar a fama de más criando um clube da luta para as meninas da escola.

Usando a autodefesa como marketing, PJ e Josie se jogam nesse plano só como desculpa para ter contato físico com as meninas por quem se sentem atraídas. Sem nenhum treino, nenhuma supervisão, nenhum discurso preparado, juntam o resto das diferentonas da escola e se encontram no pátio quando acabam as aulas do dia.

E dá-lhe porrada, soco, chute, tapa, empurrão, sangue, nariz quebrado. Nada de puxar o cabelo com esse pessoal. Pouco a pouco, as cicatrizes no rosto das meninas vão sendo exibidas pela escola como medalhas, e uma hora eis que Isabel e Brittany aparecem no clube da luta, instigadas pelo brio que começam a notar nas outras garotas.

Mas os meninos do time de futebol não acham graça na concorrência, e um deles passa a desconfiar das histórias improváveis sobre o tempo na prisão de Josie e PJ, que contam que eram obrigadas a lutar com outras meninas presas até a morte para conseguir sobreviver.

E chega de spoilers. "Bottoms" não tem como ser comparado com outros filmes de adolescentes, em que os protagonistas são ou heróis incompreendidos ou perdedores em busca de algo que os redima, apesar de ser essas duas coisas também.

Escrito, dirigido, protagonizado por e sobre meninas oprimidas, o longa faz piada sobre os temas mais impróprios, de estupro a suicídio, de distúrbios alimentares a explosões. Pais e mães não são poupados, professores, muito menos, diretores da escola, boas meninas, más meninas, meninas normais, além de todos os meninos.

O primeiro filme de Emma Seligman, "Shiva Baby", de 2021 (e disponível para streaming na Mubi), elogiadíssimo pela crítica, tinha, em comum com "Bottoms", algumas cenas quase impossíveis de assistir sem sentir um constrangimento mortal. Mas era um filme realista. Talvez até demais.

Agora, Emma Seligman parece ter atirado o realismo pela janela e apostado todas as fichas no surrealismo para contar uma história maluca e desengonçada, mas com coração.

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