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José Hamilton Ribeiro

Duplas sertanejas não eram malucos cantando gritado, como se pensava

Gênero antes desprezado por ser originário do campo ganhou credibilidade a partir do sucesso da dupla Chitãozinho e Xororó

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José Hamilton Ribeiro

Jornalista, é autor dos livros “O Gosto da Guerra”, sobre sua experiência no Vietnã, “Pantanal, Amor Baguá”, sobre o Pantanal, e “Música Caipira - as 270 Maiores Modas”

A música caipira, que nem tudo na vida, tem gente boa e gente boba. Por ser uma manifestação artística nascida e consumida, originalmente, por gente pobre, simples e da roça, quase não circulava, ficando restrita a círculos fechados. Era vista com muito preconceito por gente da cidade e pelo resto da classe artística.

Chitãozinho e Xororó - Bob Paulino/Globo

A grande mudança nesse gênero musical não vem exatamente do produto, e sim do veículo. Não começou com essas três duplas que se despedem do público neste final de ano. Foram os irmãos Tonico e Tinoco, que atuaram dos anos 1930 aos 1990, os verdadeiros pioneiros da moda de viola.

Foram eles, dois irmãos nascidos e criados no interior de São Paulo, filhos de lavradores, que começaram a se apresentar nas horas de folga do serviço para os colegas de roça, os primeiros a mostrar que aquela música desprezada tinha grandeza artística, que havia talento por trás daquela humildade.

Tonico e Tinoco formaram a dupla antes mesmo dos programas de rádio existirem, e a possibilidade de viver de música era algo impensável para ambos. Até 1940, os irmãos trabalhavam na lavoura durante a semana e aos domingos se apresentavam no centro da cidade, em Sorocaba, no interior paulista, sem ganhar nada por isso.

Mas eis que a família decidiu tentar a vida em São Paulo no ano seguinte. As meninas foram trabalhar em casas de família, um irmão virou metalúrgico, o outro arrumou um emprego num ferro velho, um terceiro virou caseiro de uma chácara no bairro de Santo Amaro.

A dupla era chamada naquela época de irmãos Pérez, sobrenome espanhol que herdaram do pai imigrante, e começaram a participar de programas de calouros nas rádios da capital. Foi um apresentador de rádio que batizou a dupla de Tonico e Tinoco, inconformado com o seu sobrenome estrangeiro.

O primeiro sucesso de Tonico e Tinoco a ultrapassar a barreira invisível do preconceito e chegar a um público maior foi "Chico Mineiro", de 1946. Na época, o número de emissoras de rádio deu um salto enorme, o que fez a música da dupla alcançar mais gente. As apresentações ao vivo aconteciam em circos que viajavam pelo interior.

Em 1979 a dupla fez o que nenhum caipira tinha ousado sonhar até então —uma apresentação de três horas no Theatro Municipal de São Paulo, com casa lotada. Na década seguinte, uma batalha entre as rádios AM e FM se travou, estas últimas com mais recursos e som de melhor qualidade e que adotaram uma programação voltada ao público jovem, com mais pop e rock na programação.

As rádios AM, que tinham maior abrangência de sinal e qualidade de som inferior, tocavam gêneros mais populares, como samba, forró, músicas românticas e sertanejo.

Nos anos 1980, os irmãos paranaenses Chitãozinho e Xororó, que já se apresentavam desde 1969 como artistas requintados, autênticos, além de serem pessoas educadas, sem arrogância, mas com uma pinta de pop star natural, chegaram a esse mundo dos artistas de primeira linha que alcançam multidões.

Com a trilha aberta por Tonico e Tinoco, Chitãozinho e Xororó foram os primeiros a fazer arranjos modernos e instrumentações mais sofisticadas em suas canções, que iam ao encontro da sensibilidade do público mais jovem. Não só chegaram à FM como à TV aberta. Em 1986, já participavam na TV Globo do especial de Natal do Roberto Carlos.

Em seguida foram contratados pelo SBT para apresentar um programa dominical em que cantavam e recebiam convidados. As duplas que começaram depois deles tinham um veículo com alcance inimaginável pelos artistas de antigamente.

Foi no programa de Chitãozinho e Xororó que se apresentaram pela primeira vez na TV esses músicos que agora se despedem do público junto desses artistas incríveis, que captaram a musicalidade do campo e a elevaram a um nível artístico superior.

No caminho, derrubaram o velho preconceito de que dupla caipira são dois malucos cantando gritado. Viva os amigos! Viva Tonico e Tinoco! Viva Chitãozinho e Xororó!

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