José Simão, que faz 80, diz achar difícil satirizar o governo Lula e as minorias

Colunista conta que raiva de Bolsonaro foi o grande motor de seu humor ácido ao longo dos últimos anos de escrita no jornal

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Na coluna de 27 de fevereiro de 2021, José Simão misturava assuntos aparentemente distantes, como se tornou uma marca dos seus textos. O precursor do humor no jornalismo brasileiro falava da pandemia do coronavírus, do Vasco no Campeonato Brasileiro, da eliminação da rapper Karol Conká do Big Brother Brasil e da Folha, que tinha acabado de completar cem anos.

A esculhambação começava com a frase do dia: "Já saiu a Karol Conká, só falta o Jair Conjota!". Dois parágrafos depois: "Um ano de pandemia com Bolsonaro. Credo! Até no Egito foi uma praga por vez!".

O jornalista José Simão - Bob Wolfenson

No desfecho, antes do indispensável "nóis sofre, mas nóis goza", falou sobre o centenário do jornal, citando uma recomendação de Octavio Frias de Oliveira, então publisher da Folha. "Eu me lembro do seu Octavio me dizendo: ‘Não mude nunca. Fique sempre assim’. E eu obedeço até hoje!"

Neste 31 de dezembro, Simão completa 80 anos, idade que muitos encaram como o momento para abrandar ou interromper as atividades profissionais. Não ele, que descarta alterações de rota. "Conquistei um certo patrimônio, se quiser, me aposento amanhã. Mas vejo uma coisa na TV ou numa rede social e quero falar. Será muito difícil que eu me aposente."

Ou seja, planeja seguir na Folha, onde mantém coluna há 35 anos, e na BandNews FM, em que é comentarista de humor faz pouco mais de 15 anos.

Simão diz que, ao longo desse período, jamais teve uma crise na linha "será que estou fazendo a coisa certa, não é hora de mudar?". Para começo de conversa, ele diz, "gosto muito de escrever e de ler. Depois, adoro me comunicar. As pessoas falam que sou colunista, que sou humorista. Na realidade, sou um comunicador".

Essa trajetória não significa que seus temas e estilo tenham permanecido inalterados ao longo de quase quatro décadas de humor e jornalismo. No início na Folha, escrevia principalmente sobre TV. Com o passar do tempo, o repertório foi se ampliando até chegar a essa salada anárquica dos dias de hoje. Além disso, como Simão diz, foi se tornando cada vez mais escrachado.

No jeito de escrever, suas frases foram encolhendo, como piadas que se resolvem cada vez mais rapidamente, e o ponto de exclamação ganhou ares de marca registrada —"Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente!".

No entanto, há pontos em comum em todas as colunas, desde a primeira, de fevereiro de 1988 —o humor baseado na tradição oral, as frases com duplo sentido, os comentários ligados às curiosidades do noticiário.

Simão passou a fazer um humor de rádio nas páginas do jornal, uma combinação que parecia destinada ao fracasso, mas é bem-sucedida até hoje. Nenhuma surpresa, portanto, que tenha se sentido tão à vontade quando passou a apresentar um quadro de humor na BandNews ao lado do jornalista Ricardo Boechat (1952-2019).

Nesse sentido, Simão seguiu à risca o conselho do seu Frias —ou seu Octavio, como prefere. Nunca mudou. E deu certo.

Uma criação dele em 2002 demonstra sua popularidade e influência. Começou a chamar Geraldo Alckmin de Picolé de Chuchu em referência a seu estilo insosso, e o apelido ganhou projeção nacional. Duas décadas depois, lançada a até então inusitada chapa Lula-Alckmin, o petista postou: "Risoto de Lula com Chuchu, dica pro almoço de domingo! Quem anima testar?".

Mas nem todos se divertem com o Macaco Simão. Alguns, ofendidos com chacotas, acionaram a Justiça, como Alzira Cetra Bassani, candidata a vereadora em Indaiatuba em 2012. Ela fez campanha com o nome Alzira Kibe Sfiha e virou alvo do colunista.

"Olhando a foto: o quibe e a esfirra dá pra comer numa boa, já a Alzira… Rarará!", escreveu Simão. Uma juíza da cidade do interior paulista determinou que fosse retirado do ar o texto, que posteriormente voltou a ser disponibilizado. O processo ainda corre na Justiça.

"Eu esperava ser processado pelo Bolsonaro, pelo José Serra [ex-senador e ex-governador], entendeu? Acabei levando processo da Kibe Sfiha e falei: ‘Gente, tô mal, hein?’", diz.

Os anos Bolsonaro, aliás, exigiram atenção máxima do colunista. "Bolsonaro! A desgraça! O genocida! O coisa-ruim! O cão! O insepulto! O miliciano psicopata! O Brasil passou a ser o pior país para se viver. Essa façanha ele conseguiu!", anotou em "Definitivamente Simão", livro de memórias lançado no ano passado.

Conta que sentiu raiva todos os dias em que o ex-presidente esteve no Palácio do Planalto. Tanta ira não prejudica o humor? "Não acho. Uma psiquiatra falou uma coisa importante sobre meu trabalho, que o humor nasce da indignação. Quando você está indignado, seu humor melhora, você é mais sarcástico", diz. "Um dia, o maestro João Carlos Martins me disse: ‘Todos falam mal do Bolsonaro, mas você atinge o coração’."

Para Simão, é mais difícil satirizar o atual governo. "Lula é muito ligado às minorias e não se pode fazer humor com minorias." O petista, porém, não escapa da sua mordacidade.

No início deste mês, Simão escreveu sobre a participação do presidente na COP-28. "E atenção! Cópula do Clima. Dubai! Que só tem cimento! Sabe o que o Lula disse vendo aqueles prédios de cem metros de altura? ‘Depois implicam com o meu triplex’."

A fisioterapeuta havia deixado a casa de Simão, em São Paulo, minutos antes desta entrevista. É ela que o orienta nas atividades físicas, feitas quatro vezes por semana. "O sedentarismo é a morte", diz ele, que vai celebrar o aniversário na casa de um amigo.

Aos 80 anos, José Simão cultiva a saúde e o humor, um alimenta o outro. "Como diz uma amiga minha baiana, não atravessei a caatinga para ficar de mau humor."

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