Primavera Sound muda de casa e envelhece, mas segue com o foco firme na música

Realocado para o Autódromo de Interlagos, evento apostou em figurões veteranos e clássicos em vez de mostrar novos talentos

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A banda britânica The Cure se apresenta no Primavera Sound Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

O Primavera Sound, festival nascido em Barcelona, chegou à sua segunda edição no Brasil neste fim de semana, em São Paulo. Mas parecia a primeira.

Depois de estrear no país no ano passado, no Sambódromo do Anhembi, o evento foi para o Autódromo de Interlagos para crescer em tamanho, mas encolheu o número de atrações e seu poder de servir como uma vitrine do que há de mais incensado na música atual —uma das principais características da marca internacional.

Show do The Cure no Primavera Sound - Adriano Vizoni/Folhapress

Se o Primavera do ano passado ofereceu uma boa amostra da produção contemporânea da música, com gente como Travis Scott, Charli XCX, Lorde, Caroline Polachek e Phoebe Bridgers, entre muitos outros, desta vez se voltou mais a clássicos e velhos conhecidos.

Foi assim com The Killers e The Cure, os shows principais de sábado e domingo, nesta ordem. Eles foram muito celebrados e conseguiram segurar a multidão com seu repertório de apelo nostálgico, mas enquanto a primeira banda viveu o auge há cerca de 15 anos, o grupo britânico marcou época na década de 1980.

Eles não foram os únicos exemplos. Artistas que decolaram em décadas anteriores, como Bad Religion, Pet Shop Boys, The Hives, Slowdive e Beck inevitavelmente se tornaram os principais chamarizes desta edição.

Essas escolhas se refletiram no público. Se no ano passado o festival recebeu jovens descolados e pessoas LGBTQIA+ que acompanhavam a música que tocou no Anhembi, desta vez as plateias pareciam mais velhas e masculinas.

Isso não significa, no entanto, que não houve novidades. A cantora pop Carly Rae Jepsen reuniu uma multidão de jovens no domingo, num dos shows mais animados do evento, e o R&B de Kelela fez um grupo menor de fãs fiéis vibrar enquanto Marisa Monte tocava no palco vizinho.

Soccer Mommy, um dos principais rostos femininos do indie rock dos últimos anos, e os roqueiros britânicos do Black Midi também fizeram bons show no começo das tardes. Mas artistas como esses, que capturam tendências do mundo de agora, foram minoria, e escalados para horários menos nobres.

O que o Primavera conseguiu manter de sua primeira edição, e que de certa forma é parte do conceito do próprio evento, é o enfoque na música. Com cerca de 50 mil presentes em cada dia, o festival acabou tendo mais ou menos a metade das proporções de The Town e Lollapalooza, que acontecem no mesmo Autódromo.

Isso se traduz em um alívio para os olhos se a comparação for o festival irmão do Rock in Rio que estreou em São Paulo neste ano. Ao contrário do The Town, o Primavera tem apenas ações pontuais de marcas e os trajetos e horizonte são bem menos obstruídos por luzes e estruturas publicitárias enormes.

O público, então, se ocupa dos shows na maior parte do tempo. É um comportamento, aliás, cada vez menos óbvio nos megafestivais de música que acontecem no Brasil.

Mas um evento menos afetado comercialmente pode significar, também, menos ingressos vendidos. Enquanto o Primavera estava rolando, ainda era possível comprar entradas nas bilheterias e nenhum de seus dias esgotou.

De qualquer forma, menos gente gera menos aglomeração, menos dificuldade de circular, usar o banheiro e os bares. No fim das contas, a experiência de estar no Primavera é substancialmente mais confortável que a dos concorrentes.

O evento espanhol também usou o autódromo de maneira eficiente. Os três palcos principais ficaram posicionados como vértices de um triângulo, num dos cantos do espaço –mais ou menos onde ficaram concentrados os maiores palcos do The Town, que geraram aglomerações e filas, apertados entre os estandes publicitários, e com muito mais gente.

A proximidade entre os palcos evitou grandes deslocamentos por parte do público, mas também cobrou seu preço. Quem estava mais longe das caixas de som, em diversos momentos, ouviu as músicas que estavam tocando em outro palco no meio dos shows, um vazamento quase impossível de se controlar em distâncias tão curtas.

Uma mudança que parece ter funcionado foi a criação de pontos de distribuição de água pelo autódromo —iniciativa que veio só após a morte da fã Ana Benevides em um show de Taylor Swift há duas semanas, num dia em que a sensação térmica no Rio de Janeiro batia os 60°C e fez vários fãs passarem mal de calor. O Primavera é realizado pela Time for Fun, ou T4F, a mesma empresa que trouxe a turnê da cantora ao país.

Além de dar água na entrada e liberar a entrada de copos e garrafas lacrados, o Primavera também distribuiu sacos da bebida pelo Autódromo e também nas grades que separavam o público do palco. Se for mantida, é uma mudança significativa em grandes eventos, que até pouco tempo barravam a entrada da bebida e cobravam valores abusivos por ela.

O calor forte, aliás, foi marca do fim de semana. Os shows marcados para o começo da tarde, entre o meio-dia e as 14h, quando o sol estava mais quente, receberam públicos diminutos —situação que pode fazer eventos dessa dimensão repensarem seus horários com o tempo.

Entre uma experiência confortável e um lineup que, em sua maioria, continuaria fazendo sentido se fosse escalado há 20 anos, o Primavera ainda busca uma identidade própria no Brasil.

O foco na música continua um diferencial, mas o apelo exagerado a ícones do passado pode pôr o festival na mesma caixinha dos concorrentes –o que seria uma perda para o público mais engajado na música contemporânea, carente de shows de seus ídolos, e para a própria marca, já estabelecida na Europa.

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