Artista Patricio Bisso, do programa da Hebe, tem história narrada em peça

Peça traz humor ferino e acidez do intérprete da sexóloga russa Olga Del Volga em estreia de Tony Goes como autor teatral

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São Paulo

Nos anos 1980, a noite de São Paulo era uma loucura. A cena alternativa fervia em bares, boates e inferninhos. Nos teatros, o argentino Patricio Bisso provocava gargalhadas na plateia com shows em que se vestia de mulher, interpretando divas do cinema e da música. Era um homem feio e tímido, mas com talento artístico. Era conhecido pelas ilustrações que fazia, além das personagens que criava.

Cenas da peça 'Quem tem medo de Olga del Volga?', com texto de Tony Goes - Divulgação

A mais famosa delas seria a sexóloga e consultora sentimental russa Olga del Volga, que a catapultou a palcos maiores, como o do Sesc Pompeia, onde se tornou o assunto da cidade, entre 1985 e 1986. Mas o tempo passou, e o artista caiu no esquecimento.

Não por outro motivo, Tony Goes, colunista da Folha, estreia como autor teatral, com a peça "Quem Tem Medo de Olga del Voga?", em cartaz na boate gay Turma O.k., na Lapa, região central do Rio de Janeiro, a partir desta quinta-feira, dia 18. "Foi um desafio enorme, porque a reação no teatro é diferente, as pessoas podem jogar tomates em nós", diz Goes, acostumado a escrever para televisão e para o cinema.

Dirigido por Gilberto Gawronski, o monólogo se inicia com o ator Gustavo Klein recebendo um telefonema de um produtor de elenco, que o convida para interpretar Del Volga. Entrelaçando realidade e ficção, o ator passa a estudar a vida de Bisso.

E assim o público descobre que Del Volga fizera tanto sucesso, que, no auge de sua popularidade, foi contratada na TV, para se sentar no sofá de Hebe Camargo e ser comentarista do programa. Ali, ele destilava seu veneno, em quadros de humor, às vezes politicamente incorretos. Inclusive, no filme "Hebe - A Estrela do Brasil"

Na peça, Klein precisa ser ele mesmo, interpretar o personagem de Bisso e o personagem do personagem, Del Volga. Por isso, as trocas de roupas e de personalidades são frequentes. Em dado momento, o ator, sozinho em cena, recebe uma bronca de Bisso —ou dele mesmo—, insatisfeito com seu trabalho na peça.

O texto lembra os amores de Bisso e seu trabalho, em 1986, como figurinista em "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco. O texto indica um cenário que dispõe de um telão, onde vídeos e fotos do artista, interpretando suas diferentes personagens, são projetados.

Bisso nasceu em 1957 em Buenos Aires. Sua primeira vinda ao Brasil ocorreu 16 anos depois, quando foi a Florianópolis trabalhar na ambientação de uma casa noturna. Depois de passar uma temporada em Londres, na Inglaterra, o artista volta ao Brasil, agora para viver em São Paulo, e se divide entre o ofício de ilustrador e as performances.

Com experiência no Jornal da Tarde e em agências de publicidade, ele ilustra, de 1986 a 1999, a coluna de Joyce Pascowitch nesta Ilustrada. Por aqui, teve ainda uma coluna, com a qual deu vazão à sua verve polemista. Certa vez, ele cobriu um concurso de Miss em Bebedouro, no interior de São Paulo. Chegando lá, o colunista não se entusiasmou com o que viu e escreveu, em sua coluna, que uma das candidatas mais parecia uma geladeira com pés.

A peça deixa claro que o humor ferino e os barracos não se restringiam à coluna. Bisso bateu boca com Marília Pêra durante uma de suas apresentações e trocou tapas com Maitê Proença. Bisso, no entanto, foi do céu ao inferno. Em 1996, ele foi pego pela polícia transando a três atrás da igreja da Consolação, ali na Praça Roosevelt, no centro da capital paulista. O artista foi espancado pelos policiais e levado para a delegacia.

"Foi uma tragédia, na época todos os jornais fizeram um escarcéu, estampando a foto dele torturado", lembra Goes, que conheceu Bisso e frequentava suas peças. Desde então, Bisso se recolheu, voltando a viver em Buenos Aires.

Seu maior sonho era levar Del Volga para os cinemas, o que não ocorreu. Nos últimos anos de sua vida, passava a noite no Facebook papeando com amigos. Foi encontrado morto com o rosto no teclado do computador. "Ele era uma figura libertária", afirma o autor. "Se estivesse vivo e o cancelassem, ele cancelaria primeiro. Não daria a menor bola para esse comportamento ‘woke’."

'Quem Tem Medo de Olga Del Volga?'

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