Elizabeth Berry, vivida por Natalie Portman, chega a Savannah, na Virginia, para fazer pesquisas sobre a sua nova personagem, Gracie Atherton —papel de Julianne Moore—, que muitos anos atrás envolveu-se com um adolescente de 13 anos e, tendo o caso sido descoberto, foi até presa.
Hoje, Gracie vive com seu marido, Joe —vivido por Charles Melton—, que vem a ser o mesmo garoto que ela seduziu —ou foi seduzido por ela, pouco importa. O casamento já dura 24 anos e produziu filhos que estão prontos para ir à faculdade.
Desde a chegada se estabelece um perceptível mal-estar com a chegada da estrela. Ela diz que busca a verdade para além do escândalo produzido na imprensa da época, nos anos 1990 —ou seja, a verdadeira natureza da paixão entre Joe e Gracie— para assim compor sua personagem.
Gracie e Joe continuam a formar um par perfeito, o que justificaria moralmente a relação ilegal entre uma mulher adulta e um adolescente. Mas desde então um problema surge para Elizabeth: não seria esse casamento ideal senão uma representação? Ou, para ficar na linguagem do melodrama: uma imitação da vida?
O que faz Elizabeth não é, está claro, mais do que imitação da vida. No filme, deve imitar Gracie. Sim, mimetizá-la. Ora, como se trata de uma profissional de respeito, ela passa a cada vez mais se assemelhar, gestos e expressões, a Gracie. Não obstante, o constrangimento é quase permanente.
Quanto à fugidia Gracie, sua vida parece, em grande medida, uma farsa. Os bolos que ela faz, por exemplo, são comprados por amigos que desejam apenas ajudá-la, nada mais que isso. E será Joe tão feliz quanto podemos acreditar de saída? Tão feliz quanto acredita que é?
Em suma, a vida de Gracie consiste em antes de tudo representar a vida de Gracie, ignorando o caso policial de anos atrás, a prisão e tudo mais. Ou a vida bem-sucedida que teria se o caso com o adolescente não tivesse acontecido.
Elizabeth vive para representar essa vida dupla, a exposta e a oculta, e ainda o seu próprio papel, o de atriz escrupulosa. Escrupulosa a ponto de, quando perguntada por um estudante como faz para transar durante uma cena, dar uma explicação detalhada, não só sobre o trabalho, mas também sobre a atração sexual que pode acontecer em determinadas circunstâncias.
Não será de graça: ao longo de seu trabalho de pesquisa, a atração sexual também se manifestará. Servirá para que compreenda um pouco mais de Gracie, ou antes, a natureza da relação entre Gracie e Joe, que é parte importante, mas não tudo na vida de sua personagem.
Na verdade —atenção para o spoiler—, Elizabeth transará com Joe, só que agora isso não significa prisão —uma prisão simbólica para ele—, mas um gesto libertador.
Um gesto que leva, por fim, à ficção: ao ato não de simplesmente imitar algo vivo, mas de sobrepor vida à vida. Essa visada moral sobre a própria atividade talvez seja o ponto central de um filme construído sobre zonas cinzentas e meios-tons.
À parte alguns aspectos que se anunciam, mas não se desenvolvem, existe também a metáfora das borboletas que, francamente, é mais velha que o cinema: um dispensável monumento kitsch inserido no meio de um conjunto afinal digno.
Ao mesmo tempo, impossível não notar —além da boa direção de atores, das atrizes em especial—, o gosto por imagens que jogam o espectador em uma atmosfera dos anos 1950, isto é, plenamente confortável, pois o espectador sabe com precisão onde pisa —seja para o final feliz ou infeliz, para o riso ou para o choro, tanto faz—, para em seguida nos conduzir a questões de um mundo mais contemporâneo, em que o moral e o moralizante não coincidem.
Por fim, Todd Haynes continua fiel ao tipo de melodrama que pode até manifestar simpatia pelas personagens, mas nunca nos leva a partilhar inteiramente de seu mundo e de seus sentimentos. Em suma, será difícil alguém chorar.
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