Exposição de Amelia Toledo no MuBE mostra como a artista juntou arte e ecologia

Museu refaz em mais de cem obras, incluindo diversas nunca antes vistas, carreira de nome central da arte brasileira

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'Gambiarra', obra de Amelia Toledo feita com conhas Divulgação/MuBE

São Paulo

Se olhado com atenção, um amontoado de pedras de quartzo rosa em formato de um grande triângulo, colocado junto às árvores do jardim do MuBE, o Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, resume com precisão pontos centrais do trabalho de Amelia Toledo. Estão na obra seu fascínio com os elementos naturais, a preocupação com as cores e o título poético —"Cachoeira de Amor"—, características que marcaram a sua produção de seis décadas.

Morta em 2017, aos 90 anos, a paulistana é um nome incontornável para se pensar a relação entre o homem e a ecologia no panorama da arte brasileira, como fica claro na exposição "Amelia Toledo: Paisagem Cromática". A mostra leva ao museu paulistano mais de cem obras de todos os períodos da carreira da artista, incluindo diversas nunca antes vistas pelo público, como a própria "Cachoeira de Amor", desenvolvida para a residência de um casal de colecionadores.

'Discos Táteis', de Amelia Toledo, são aparatos de plástico com líquidos dentro que podem ser manuseados - Divulgação/MuBE

A artista "tem uma visão poética mas também uma visão muito clara de como a natureza pode ensinar o ser humano", afirma a geóloga Daniela Gomes Pinto, uma das organizadoras da exposição, acrescentando que o trabalho de Toledo é uma "investigação do mundo natural", por utilizar elementos como pedras e água.

Se com o aquecimento global dos últimos anos o meio ambiente virou um tema central, seja nas notícias ou nas catástrofes naturais que alagam cidades inteiras, a obra da artista sempre se debruçou sobre assuntos do tipo, porém de maneira não panfletária, de acordo com o artista Fernando Limberger, o outro organizador da exposição.

"Parece que para você ser ativista você precisa ser panfletário. Mas nem todo artista é assim. Ela tinha sutileza e elegância na abordagem dos temas", afirma Limberger.

O fino trato de Toledo aparece, por exemplo, na clássica "Glu Glu", de 1968, uma escultura de vidro que lembra uma ampulheta com um líquido dentro —quando agitada, ela dá origem a bolhas de sabão. Ou então nas obras com chapas de metal reflexivo instaladas junto à areia e pedras, de modo que os elementos naturais são espelhados pelo metal, criando um diálogo entre o natural e o industrial.

A brincadeira entre o que natureza dá e o que o homem produz é uma constante na produção da artista. "Caixinha Sem Fim", da década de 1970, é composta por uma caixa de acrílico que vai se desdobrando em oito caixinhas menores e assim por diante. Esta obra é a um só tempo uma discussão sobre volume e um experimento sobre a formação de um mineral, afirma Pinto, a geóloga.

Pinto explica que os cubinhos de acrílico lembram as piritas, pedrinhas encontradas no ambiente que têm o formato de um cubo perfeito e que, quando agrupadas, dão origem a rochas maiores. Ou seja, é possível entender "Caixinha Sem Fim" como um aceno da artista para os arranjos da natureza.

A mostra ocupa todo o MuBE e procura aproveitar ao máximo a arquitetura do espaço —uma joia do brutalismo de Paulo Mendes da Rocha—, não competir com ela. No subsolo, sob a claraboia, por exemplo, está "Caminhos da Cor", uma instalação formada por chapas de juta tingidas de várias cores que ficam mais ou menos realçadas dependendo da quantidade da luz do dia a entrar no espaço.

Do lado de fora, junto ao lago artificial perto da entrada, foram colocadas várias rochas, que para um desavisado podem parecer parte da paisagem e não da exposição, de tão perfeito o encaixe das pedras no ambiente do museu.

Na área externa superior, junto à avenida Europa, ficam instalações em pedra e metal feitas pela artista sob encomenda de colecionadores e agora exibidas pela primeira vez ao público. Há um conjunto de grandes pedras retiradas da natureza e colocadas sob pedestais de concreto, como se fossem esculturas, mesmo que não tenham tido a mão do homem.

Um dos desenhos da série 'Esfregaço', de Amelia Toledo, expostos no MuBE - Divulgação/MuBE

O percurso do visitante no museu é feito sobre a areia, que cobre o piso do principal espaço expositivo de uma ponta a outra. Isto força o espectador a andar devagar e olhar com calma para as obras. Há quem tire os calçados para caminhar.

"Amelia Toledo: Paisagem Cromática" é também um testemunho da versatilidade da artista, por mostrar o seu apetite por diversas formas de expressão. "Sinto-me no direito de fazer o que bem entendo. Em termos estéticos não tenho limitações. Trabalhei com vidro, pedras, metais, conchas, tantos materiais", disse ela.

Assim como outros pilares de sua geração, a exemplo de Lygia Clark e Helio Oiticica, Toledo entendia que a participação do espectador era parte da obra de arte. Para a exposição, o museu reeditou alguns trabalhos que podem ser manuseados, seguindo as anotações deixadas pela artista à sua família antes de morrer.

Um deles é um conjunto de cilindros de plástico preenchidos com água e óleo tingido, que, seguindo as leis da química, nunca se misturam. Ao serem balançados, os líquidos vibram para lá e para cá de maneira lúdica. Outro trabalho é uma série de discos moles, também cheios de líquidos coloridos e que têm mais ou menos o mesmo efeito dos cilindros.

Afora isso, há diversas pinturas, como a série "Esfregaços", com grandes manchas coloridas feitas com pastel seco sobre papel natural, emprestando às telas um aspecto meio rústico, e um punhado de aquarelas do final da década de 1950 feitos pela artista em Londres e que também são agora mostrados ao público pela primeira vez.

Amelia Toledo: Paisagem Cromática

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