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Filmes mostra de cinema

Filme lembra amor de Antonio Candido por Gilda de Mello e Souza

Documentário de Eduardo Escorel, que está no É Tudo Verdade, trata de memórias literárias, velhice, amizades e tensão política

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São Paulo

Antonio Candido - Anotações Finais

  • Quando em São Paulo - sáb. (dia 6), às 16h, no Espaço Itaú de Cinema Augusta, e qua. (dia 10), às 17h, na Cinemateca; no Rio - dom. (dia 7), às 18h, na Estação Net de Cinema Botafogo, e seg. (dia 8), às 15h, na Estação Net de Cinema Rio - sala 5
  • Classificação livre
  • Produção Brasil, 2024, 87 min.
  • Direção Eduardo Escorel

Embora tenha dirigido filmes como "Lição de Amor", lançado em 1975, Eduardo Escorel teve uma carreira, sobretudo, de montador dos anos 1960 à década de 1980, com participação em produções hoje tidas como clássicas, como "Terra em Transe", de 1967, e "Cabra Marcado para Morrer", de 40 anos atrás.

A partir de 1990, ele se dedicou principalmente à direção de documentários, voltados à história política do país, casos de "32 - A Guerra Civil", de 1993, e "1937-1945: Imagens do Estado Novo", de 2018, e às figuras renomadas da cultura brasileira, como "Deixa que Eu Falo", de 2007, sobre o cineasta Leon Hirszman.

Escorel encontra a literatura no novo "Antonio Candido - Anotações Finais", exibido no É Tudo Verdade em São Paulo e no Rio de Janeiro. Um encontro em família, afinal, um dos maiores críticos literários do Brasil no século 20 era seu sogro –Escorel é casado com Ana Luisa, a mais velha das três filhas de Candido e Gilda de Mello e Souza.

Antonio Candido em Bofete, no interior paulista, em 1948 durante pesquisa para o livro 'Os Parceiros do Rio Bonito', escrito originalmente como tese de doutorado - Divulgação

A partir dos 15 anos, Candido começou a deixar anotações em cadernos, com observações sobre o cotidiano e reflexões a respeito dos mais variados assuntos. Os dois últimos volumes foram escritos de 2015 a 2017, quando o crítico morreu, aos 98 anos. O documentário se baseia em trechos desses cadernos derradeiros e inéditos.

Nesses escritos, não surgem formulações teóricas, como as feitas por Candido em "Formação da Literatura Brasileira", sua obra mais influente. Livros e autores aparecem sob a chave afetiva, em geral relacionados à juventude do crítico.

"Apesar do meu constante apego à poesia desde menino, nenhum poema me causou a emoção que passa do cérebro ao corpo, mesmo quando abala e faz vibrar. Isso, salvo esquecimento, aconteceu sempre com a ficção narrativa, e em número restrito. Talvez o primeiro desses choques tenha sido causado em 1933, quando tinha 15 anos, pela leitura de ‘Os Miseráveis’", anotou.

Também vêm à tona questões políticas, como o impeachment de Dilma Rousseff —Candido foi um dos fundadores do PT. E ainda as tragédias sociais do país. "O alvo da luta social é, antes de mais nada, o negro, o grande excluído ainda hoje. A solução obnubilada foi, depois da abolição, descartá-lo em vez de incorporá-lo", escreveu. "A verdade é que fracassamos, não soubemos ver o que olhávamos."

A leitura dos trechos por Matheus Nachtergaele se dá na medida certa. É precisa, mas não fria; eloquente sem jamais soar histriônica.

O ator não está em cena, apenas sua voz. O filme é composto por imagens do apartamento em São Paulo onde Candido e Mello e Souza viviam e das ruas do entorno, onde ele fazia suas caminhadas cada vez mais curtas àquela altura. Há ainda fotos de diferentes fases da vida, especialmente da infância e da juventude. No "apagar da vida", como diz, as reminiscências vão longe, em busca do rapaz que ele havia sido.

À primeira vista, as imagens, enganosamente discretas, estão a serviço do texto narrado por Nachtergaele. Não é bem assim. Na verdade, os sentidos se acumulam em camadas, criando novas leituras.

É o que acontece, por exemplo, nas referências a Mello e Souza, que morreu em 2005, 12 anos antes do marido. A professora da Universidade de São Paulo e ensaísta está presente nas passagens mais ternas. "Ter vivido mais de 60 anos com ela me parece a justificação de minha vida e, provavelmente, um imerecido prêmio que me coube."

Em momentos como esse, vemos retratos de Mello e Souza ou imagens do casal sem gestos expressivos de afeto. Por quê? Aos olhos deles, dois intelectuais de prestígio, a câmera pedia comedimento? Ou era timidez? Não sabemos, mas a justaposição de som e imagem nesse caso estabelece mais contraste do que reiteração.

A ensaísta Gilda de Mello e Souza em foto feita pelo cantor João Gilberto em 1968, nos EUA - Divulgação

"Antonio Candido - Anotações Finais" trata das memórias literárias, da velhice, das amizades da juventude, das tensões sociais e políticas. Mais do que tudo isso, talvez seja um filme sobre o amor de Antonio Candido por Mello e Souza, um sentimento que, neste caso, as palavras se atrevem a traduzir, mas as imagens não.

Escrevendo às filhas, ele disse "nos últimos dias, tenho pensado nela [Mello e Souza] com intensidade, como num surto de felicidade perdida que desvenda uma espécie de privação insuportável, de injusta mutilação". "Sinto então a mãe de vocês tão próxima que dá vontade de chamá-la e perguntar, crispado: por que se foi?"

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