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Livros Itália

Sandro Veronesi, de 'O Colibri', se alinha aos grandes autores italianos

Escritor narra saga familiar com um admirável afresco de imagens fortes e dribla clichês com elegância

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Stefania Chiarelli

Professora e pesquisadora de literatura brasileira na Universidade Federal Fluminense, é autora de 'Partilhar a Língua - Leituras do Contemporâneo'

O colibri

  • Preço R$ 74,90 (336 págs.) / R$ 52,90 (ebook)
  • Autoria Sandro Veronesi
  • Editora Autêntica
  • Tradução Karina Jannini

Marco Carrera é um colibri, apelido forjado pela mãe Letizia na infância, quando não crescia de acordo com o esperado para sua idade. Apesar de pequeno, o filho se assemelharia ao pássaro cuja força o faz pairar no espaço —as famosas 70 batidas de asas por segundo, parando com graça no ar, um enorme feito.

Com o tempo a limitação física do jovem é superada, mas o mito materno permanece: Marco passa a vida se equilibrando entre o movimento dos outros e seu desejo de imobilidade. Ele não aprecia solavancos e mudanças.

Homem branco sentado cobre a boca com uma das mãos
O escritor florentino Sandro Veronesi, autor de 'O Colibri', que recebeu por duas vezes o Strega - Marco Delogu/Divulgação

"O Colibri" cobre cinco décadas da família Carrera, desde os anos 1970, quando vivem em Florença e passam os verões em uma praia toscana, até um futuro próximo.

Do casamento infeliz de um pai engenheiro com mãe arquiteta nascem Marco e os irmãos Giacomo e Irene. Na maturidade, já médico oftalmologista, o protagonista também vive uma união conflituosa, que gera a filha Adele. Com ela, os laços oscilam entre o carinho paterno e uma estranha simbiose.

Veronesi está alinhado a grandes narradores italianos contemporâneos como o napolitano Domenico Starnone, que igualmente encara a família como grande teatro das emoções, lugar de amor, mas também de disputa e muito ressentimento.

Nascido em 1959 e arquiteto de formação, o escritor florentino recebeu por duas vezes o Strega, um dos maiores prêmios literários italianos. O primeiro, pelo romance "Caos Calmo", de 2007, publicado no Brasil pela Rocco, e o segundo, em 2020, por este "O Colibri", saído um ano antes na Itália e traduzido aqui por Karina Jannini.

Ambos foram adaptados para o cinema, evidenciando a capacidade desses textos funcionarem com fluidez nas grandes telas. Em entrevistas, Veronesi se identifica com a qualidade de narrador, deixando explícito o gosto por contar boas histórias, o que faz com maestria.

Exemplo disso é o talento de orquestrar, ao longo de mais de 300 páginas, a trajetória de inúmeros personagens dentro da estrutura fragmentada do romance, montado a partir de idas e vindas no tempo. Passado, presente e futuro se embaralham, o que confere à narrativa um efeito de leveza, apesar dos episódios de grande dor.

Capa do livro O colibri mostra guarda-sol vermelho fechado em uma praia pouco movimentada
Capa do livro 'O colibri', de Sandro Veronesi - Divulgação

A alternância entre um narrador em terceira pessoa e trechos que reproduzem a intimidade de cartas, emails, listas e mensagens de celular rende belos momentos, surgidos na correspondência entre Marco e a francesa Luisa, paixão de adolescência retomada platonicamente depois de casados com outras pessoas —um amor literário, com direito a selos e canetas-tinteiro, destinado aos fundos de armário e postas restantes, como na canção de Chico Buarque. E temperado pela rivalidade fraterna, tema presente na literatura de todos os tempos.

Perigo à vista, como no excesso de sentimentalismo de algumas passagens. Mas é elegante a escrita de Veronesi, com armas afiadas para driblar o clichê a cada vez que a ironia dá as caras: "Quando os pais morrem, geralmente os irmãos brigam pela herança: seria bom se nós, ao contrário, nos reconciliássemos pela herança. Acima de tudo, seria típico da nossa família funcionar ao contrário".

Outra notável habilidade do autor aparece na criação de imagens de grande força, como o fio imaginário nas costas de Adele, as coleções literárias e maquetes do pai, o suicídio de um personagem no mar revolto, a queda do avião de onde escapa o protagonista minutos antes do voo, e sobretudo, sua decisão final.

Nesse admirável afresco, "O Colibri" investiga a condição masculina hoje, convidando a refletir sobre as contradições e mazelas de um país como a Itália (e o Brasil).

É sintomático que em uma cultura de forte tradição patriarcal, em que proliferam discursos racistas e xenofóbicos, o escritor crie uma trama em que os Carrera vejam brotar na quarta geração uma criança negra, a pequena Miraijin.

Depois de crescida ela será uma alegoria da nova linhagem, signo de uma Europa que talvez vislumbre os próximos tempos a partir de novos paradigmas. E, como afirma sua mãe solo Adele, "o homem do futuro é uma mulher".

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