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Companhia Cisne Negro contrapõe leveza e angústia com 'Instar' e 'Passion'

Primeiro espetáculo leva bailarinos e público para passeio pelas nuvens, enquanto o segundo traz o peso da gravidade

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São Paulo

Uma dança a cores, outra em preto em branco. Os figurinos de "Instar" e "Passion", coreografias que a companhia Cisne Negro estreia neste sábado, 25, no Sesc Consolação, dizem muito do espírito de uma e outra —tão complementares e tão diferentes.

"Instar", de Elie Lazar, coreógrafo israelense um dos fundadores da companhia oficial da Joffrey Ballet School de Nova York, é uma dança aérea. "Eu vim mais do balé clássico. Como sabia que os bailarinos [da Cisne Negro] trabalham com sapatilhas de ponta, resolvi usar. Mas trabalhei mais com a intuição, não tinha planos prévios", diz Lazar, que nunca tinha vindo ao Brasil.

Espetáculo 'Instar', da Cisne Negro Cia de Dança
Espetáculo 'Instar', da Cisne Negro Cia de Dança - Divulgação

O desconhecido, somado ao pouco tempo de trabalho —a coreografia foi montada em duas semanas— permitiu ao coreógrafo mergulhar numa criação intuitiva e nadar de braçada num mundo quase mágico de relações. Não só com os jovens bailarinos e as cores e formas de um país novo, mas na própria concepção coreográfica, em que casais se formam e se transformam em movimentos lânguidos.

"Surgiu um balé sobre as breves relações entre casais e como, em um par, cada um interfere no outro. Criei um mundo quase visionário,quase perfeito e em unidade, onde há uma espécie de esperança", diz Lazar, que voltou ao Brasil para a estreia.

Tanta esperança pode parecer algo ingênuo neste 2024, mas Lazar é consciente de que nem tudo são amores e cores alegres. Percebeu de cara, por exemplo, as desigualdades deste país, quando saiu do hotel que estava hospedado.

Espetáculo 'Instar', da Cisne Negro Cia de Dança
Espetáculo 'Instar', da Cisne Negro Cia de Dança - Divulgação

Para ele, são dois mundos possíveis. A felicidade clássica de pas-de-deux etéreos e amorosos e a gravidade do mundo real. Os dois lados estão contemplados no programa.

Enquanto "Instar" bailarinos e público passeiam pelas nuvens, "Passion", coreografia da dinamarquesa Edith Buttingsrud Pedersen, é o peso da gravidade.

Inspirada pela "Paixão segundo G.H." de Clarice Lispector, os bailarinos em collants brancos, que vestem e despem ternos pretos, se arrastam pelo chão. Corpos tremem, se contorcem, são carregados pelo palco. A expansão de "Instar" aqui se comprime na introspecção e angústia clariciana.

"Não foi planejado", conta Dany Bittencourt, diretora artística da Cisne Negro. Ela conta que deixa os coreógrafos convidados bem livres para a escolha do tema, e a ideia de trabalhar com o romance de Clarice veio de Pedersen.

A dinamarquesa já tinha feito um workshop com os bailarinos da Cisne Negro, por indicação de uma ex-bailarina da companhia que atualmente trabalha com dança-teatro na Europa. "Os bailarinos amaram o workshop", conta Bittencourt, que depois disso conseguiu apoio do governo dinamarquês para trazer Pedersen de volta para criar a nova coreografia.

Como em "Instar", a criação de "Passion" foi feita em duas semanas. Os bailarinos lerem e discutiram a obra de Clarice enquanto ensaiavam. Os espectadores também poderam ouvir as palavras do romance antes de serem transformadas em movimento. Enquanto o público entra no teatro, bailarinos imóveis declamam trechos de "A Paixão segundo G.H.".

"Os dois espetáculos falam do humano, sob pontos de vista diferentes. Há a interação com outro e a dissolução do ego", diz Bittencourt. Do ponto de vista técnico, as duas obras exigem movimentos e corpos muito diferentes entre si. Mas, segundo a diretora da Cisne Negro, eles circulam muito bem entre as duas obras, o que também mostra a diversidade criativa da companhia.

Criada por Hulda Bittencourt, que morreu em 2021, aos 87 anos, a Cisne Negro se aproxima dos 47 anos de existência – algo notável para uma companhia privada de dança no Brasil. Dany, filha de Hulda, assumiu a direção artística e tomou para si a missão de manter o legado da Cisne.

Desde então, enfrentou as adversidades de praxe da dança brasileira. Além das dificuldades de financiamento e espaço, a companhia teve de mudar de sede, procurar novos teatros para sua tradicional apresentação do "Quebra-Nozes", a principal fonte de renda por venda de ingressos da Cisne Negro que, por 30 anos, foi apresentada na época do Natal no teatro Alfa, agora fechado.

Nesse meio tempo, a atual diretora sofreu um acidente. Mas a companhia continuou ativa e criativa. No final de "Passion", os bailarinos como que espantam o peso das coisas com uma espécie de sessão de descarrego coreográfica. Pode não ser a leveza sonhada por "Instar", mas é como um desafio à gravidade sem tirar os pés do chão. É a vida.

Instar e Passion

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