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Sérgio Alpendre

Pereio, a cara do Brasil, ligou o cinema novo ao marginal pela galhofa

Ator, morto no domingo, retratou o descompromisso nacional, encerrado em suas interpretações quase sempre impecáveis

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Sérgio Alpendre

É crítico e professor de cinema

Paulo Cesar Pereio é uma instituição do cinema brasileiro. É a cara do Brasil, nossa imagem primordial, o retrato da galhofa e do descompromisso, brilhantemente encerrados em suas interpretações quase sempre impecáveis.

Se tivermos que pegar um único exemplo de sua imensa filmografia como ator, seja no protagonismo, seja como coadjuvante, essa imagem seria a de "Bang Bang", de 1971, a estreia de Andrea Tonacci em longas, símbolo do chamado cinema marginal brasileiro, ou "udigrudi", ou de invenção. Todas essas denominações contêm falhas. O importante é que Pereio, que morreu neste domingo, simbolizou todas elas.

Retrato do ator Paulo César Pereio - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Mas esse gaúcho de Alegrete, nascido em 1940, estreou no cinema com "Os Fuzis", de 1964, a obra-prima de Ruy Guerra. Ali nascia a lenda, um dos muitos símbolos do cinema novo.

Com "O Bravo Guerreiro", 1968, de Gustavo Dahl, tem seu primeiro protagonista. É um dos filmes fundamentais do cinema dito político, completando uma trilogia informal com dois outros filmes que mostram crises de personagens envolvidos com o poder: "O Desafio", 1965, de Paulo Cesar Saraceni, e "Terra em Transe", 1967, de Glauber Rocha. Neste último, Pereio também atua, como coadjuvante.

É também de 1968 outra amostra importante de seu talento: o de narrador. É dele a voz-off em "Viagem ao Fim do Mundo", de Fernando Coni Campos. Pereio será um narrador constante no cinema brasileiro, geralmente quando se quer algo irônico ou crítico, em documentários ou curtas.

Ligando duas modernidades fortes do cinema brasileiro, Pereio protagoniza um filme no meio do caminho, um policial belo e hoje esquecido: "Pedro Diabo Ama Rosa Meia-Noite", 1969, de Miguel Faria Jr.

Com participações importantes em filmes ligados ao segundo grupo de modernos, Pereio se torna também identificado com a alta carga de invenção desse cinema. "Gamal, O Delírio do Sexo", 1970, de João Batista de Andrade, e "Sagrada Família", 1970, de Sylvio Lanna, são belos exemplos da explosão do cinema da época. Lanna, por sinal, faleceu no mesmo dia de Pereio, numa dessas conjunções do destino.

Após "Bang Bang", já tendo participado de séries de TV, atua no primeiro filme do ótimo Antônio Calmon, "Capítão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil", de 1971.

Seguiram-se muitas participações secundárias, mas em diferentes níveis de importância. Em "Os Inconfidentes", 1972, de Joaquim Pedro de Andrade, tem uma participação marcante, assim como em "Toda Nudez Será Castigada", 1973, de Arnaldo Jabor, e "Vai Trabalhar Vagabundo", 1973, de Hugo Carvana.

Pereio acompanha, assim, um crescimento da produção brasileira motivado pelo estabelecimento da Embrafilme também como produtora, não só como distribuidora.

Mas é como distribuidora que a Embrafilme impulsiona "Iracema, Uma Transa Amazônica", 1975, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, com uma interpretação magnífica do ator no papel principal do caminhoneiro Sebastião. É um dos marcos do cinema brasileiro da época.

Em longas como "Lúcio Flávio: O Passageiro da Agonia", 1977, de Hector Babenco, ou "Chuvas de Verão", 1978, de Carlos Diegues, a participação do ator não é grande, mas a presença, por menor que seja, como sempre é marcante.

É de 1978 um dos melhores longas de Walter Lima Jr., "A Lira do Delírio", espécie de retomada do espírito do cinema novo no auge da Embrafilme. Esse ano, aliás, é meio que dominado pela presença de Pereio na tela grande.

Ainda em 1978, participou de dois outros filmes de muita importância: "Se Segura Malandro", retomada do personagem do vagabundo interpretado e dirigido por Hugo Carvana, e "A Dama do Lotação", de Neville D'Almeida.

Sem esquecer, obviamente, da continuação de "Os Fuzis", que renderia a Ruy Guerra um novo grande filme: "A Queda". Mas sua participação nele é pequena, ao contrário de outro filme de 1978, em que Pereio novamente brilha como protagonista: "O Bom Marido", de Antônio Calmon.

Para destacar só os melhores trabalhos, não podemos deixar de falar de "Eu Te Amo", de 1981, segundo longa da famosa "trilogia do apartamento", de Arnaldo Jabor. Pereio se entrega totalmente, numa trama hedonista, contracenando com Sônia Braga e Vera Fischer em cenas de alta tensão erótica.

O primeiro longa dessa trilogia de Jabor, "Tudo Bem", também de 1978, traz Pereio no papel engraçadíssimo de um americano chamado Bill Thompson. Salgo engano, é dele a frase: "Pelé chuta bola em New York Cosmos, gol em Copacabana", que traduz muito bem o espírito irreverente do filme.

Ainda no início dos anos 1980, teve papeis importantes em "Tensão no Rio", 1982, de Gustavo Dahl, "Ao Sul do Meu Corpo", 1982, de Paulo Cesar Saraceni, "Bar Esperança", 1983, de Hugo Carvana, "Rio Babilônia", 1983, de Neville D'Almeida.

Brilhou na TV durante a grande crise do cinema brasileiro, mas ainda teve papeis de algum destaque em "Natal Portela", 1988, de Paulo Cesar Saraceni, "Navalha na Carne", 1997, de Neville D'Almeida, "O Viajante", 1998, também de Paulo Cesar Saraceni, e "Harmada", 2003, de Maurice Capovilla.

Arnaldo Jabor, que o dirigiu em três longas, o chamou de John Malkovich brasileiro, a respeito de sua versatilidade. Mas a comparação mais justa, penso, seria com o ator Orson Welles, outro que brilhava mesmo quando sua aparição nos filmes durava menos que um minuto.

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