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Atrevida e sem piedade, Camila Sosa Villada se firma como imperdível

Escritora argentina trans vem à Feira do Livro publicar três novas obras com paixão por criar cenas e horror pelo coitadismo

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Alex Castro

Escritor, é autor de 'Atenção.' e 'Mentiras Reunidas'

Tese Sobre uma Domesticação

  • Preço R$ 69,90 (224 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Camila Sosa Villada
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Silvia Massimini Felix

A Viagem Inútil: Trans/Escrita

  • Preço R$ 59,90 (72 págs.)
  • Autoria Camila Sosa Villada
  • Editora Fósforo
  • Tradução Silvia Massimini Felix

A Namorada de Sandro

  • Preço R$ 44,90 (96 págs.); R$ 32,90 (ebook)
  • Autoria Camila Sosa Villada
  • Editora Tusquets
  • Tradução Joca Reiners Terron

As leitoras brasileiras conheceram Camila Sosa Villada em 2021, com seu romance de estreia "O Parque das Irmãs Magníficas", publicado na Argentina em 2019 com o título de "Las Malas". O romance fez tanto sucesso que, no ano seguinte, a autora veio à Flip e lançou sua obra seguinte quase simultaneamente aqui e no seu país natal: os contos de "Sou uma Tola por te Querer".

Esses dois livros, lançados pela Tusquets, selo da Planeta, estabeleceram a autora como uma voz importante na literatura contemporânea latino-americana. Agora, ela é convidada da Feira do Livro de São Paulo, onde lançará três novos livros, dois antigos e um recente, dando ao público brasileiro acesso a toda a sua obra literária.

camila sosa vilada
A escritora argentina Camila Sosa Villada, uma das principais atrações da Feira do Livro 2024 - Catalina Bartolomé/Divulgação

Os poemas de "A Namorada de Sandro", de 2015, saem pela mesma Tusquets; o ensaio literário autobiográfico "A Viagem Inútil: Trans/Escrita", de 2018, pela Fósforo; e o romance "Tese sobre uma Domesticação", do ano passado, pela Companhia das Letras.

Seu primeiro trabalho a chamar a atenção do público foi a peça teatral "Carnes Tolendas", escrita, dirigida e protagonizada por ela enquanto ainda era estudante universitária, em 2009 —houve duas apresentações no Brasil, em 2012, no Recife.

Nos anos seguintes, Sosa Villada continuou trabalhando no audiovisual como dramaturga, atriz de teatro, de TV e de cinema e como locutora de rádio. (Quando recebeu seu primeiro pagamento de direitos autorais por "O Parque das Irmãs Magníficas", ela se demitiu da rádio no ar, ao vivo.)

Suas obras polinizam umas às outras: uma peça sobre Billie Holliday acabou dando origem ao excelente conto que dá título a "Sou uma Tola por te Querer". A adaptação cinematográfica de "Tese sobre uma Domesticação", escrita e estrelada pela própria Sosa Villada, já está pronta e deve estrear ainda esse ano.

Das obras que saem no Brasil este mês, a mais antiga é "A Namorada de Sandro", seu livro de estreia, revisado em 2020 pela autora para eliminar "o excesso de autopiedade e sentimentalismo".

Dá para entender a editora, que tinha apostado numa iniciante, aproveitar seu sucesso de agora para lucrar com seu primeiro livro. Dá para entender o afeto de Sosa Villada por esses poemas em prosa tão intensos e pessoais. Mas ela não é poeta: seria preciso um amor pela palavra em si, pela forma literária, que a argentina simplesmente não tem.

Sua paixão são as situações. Como ela mesma admite em "A Viagem Inútil", "um poema é um animal muito difícil de ser caçado." Nem a própria editora brasileira leva fé nesses "poemas": na página da Planeta, o livro é descrito como "coletânea de pequenos textos". É um livro só para fãs hardcore que leram os outros e ainda querem mais.

Em 2018, Sosa Villada foi convidada para escrever um ensaio sobre a escrita para a coleção de uma pequena editora. "A Viagem Inútil" é seu texto mais autobiográfico: como relato de uma pessoa subalternizada tentando cavar um espaço para si através da escrita, é imbatível.

Um dos pontos altos é ver Sosa Villada falando das pessoas que mais a influenciaram, como a poeta polonesa Wisława Szymborska, a romancista francesa Marguerite Duras e o escritor americano Truman Capote. O amor por Szymborska não se converteu em grande poesia, mas a intensidade autocentrada de Duras e a malícia atrevida de Capote são parte integrante dos melhores momentos de sua prosa.

Seu primeiro romance, "O Parque das Irmãs Magníficas", inspirado por sua vivência em um grupo de mulheres trans que se prostituíam em um parque, era uma celebração dessas mulheres sofridas e resilientes.

Mais tarde, incomodada de ver o livro sendo lido apenas em chaves autobiográficas ou coitadistas, como se a única coisa que se pudesse sentir por essas pessoas fosse pena e negando sua capacidade de inventar personagens e situações, Sosa Villada decidiu escrever o segundo romance em uma chave radicalmente inversa.

"Tese sobre uma Domesticação" é um romance de "ficção científica", segundo ela, porque sua protagonista ainda não existe: uma mulher trans poderosa e bem-sucedida, atriz celebrada por seu ofício e que enriqueceu praticando sua arte —uma diva que conquistou para si o direito de agir como bem entender e não dar satisfação a ninguém.

Só que não. Até mesmo essa mulher sente a necessidade de se conformar, de se adaptar, de se diminuir: buscando se domesticar para caber em um mundo que a admira, mas que também a rejeita, ela se vê casando com um homem cis e adotando um filho. (Não por acaso, a adoção de um menino por uma mulher trans também é o fato central do enredo de "O Parque das Irmãs Magníficas".)

Nesses dois romances imperdíveis, Sosa Villada problematiza a condição trans pela ficção por meio de seus dois extremos: a subalternidade da prostituição, que ela de fato viveu, e uma posição de privilégio hoje apenas aspiracional e da qual ela, como autora celebrada, está se aproximando.

Vale mencionar a tradução heroica de Joca Reiners Terron para os difíceis poemas de "A Namorada de Sandro" e as sempre compententíssimas traduções de Silvia Massimini Felix para "A Viagem Inútil" e "Tese Sobre uma Domesticação". Nos últimos anos, ambos têm sido responsáveis por trazer ao Brasil algumas das principais vozes da literatura hispano-americana.

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