Descrição de chapéu Artes Cênicas

Peça de Paul Preciado põe público do Mirada em alerta com encenação minimalista

Artistas trans reproduzem discurso revolucionário do filósofo espanhol no palco, em evento sobre artes cênicas em Santos

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Santos

Em silêncio, o público que lotou o ginásio do Sesc Santos ouviu, no sábado (7) a leitura teatral do discurso em que o escritor e filósofo trans Paul B. Preciado contestou, em 2019, a epistemologia da diferença sexual que sustenta a psicanálise e o regime patriarcal.

Uma das principais atrações da sétima edição do festival Mirada, o espetáculo "Yo Soy El Monstruo Que Os Habla" é uma encenação em cinco vozes, com artistas reproduzindo a participação de Preciado na Jornada Internacional da Escola da Causa Freudiana, em Paris.

A imagem mostra um evento em um palco onde cinco pessoas estão se apresentando. À esquerda, um homem com cabelo raspado está em pé ao lado de um púlpito. No centro, três mulheres estão em pé, uma delas segurando um papel e usando um vestido preto, enquanto outra usa uma roupa colorida e uma terceira está vestida com um manto. À direita, um homem também está em pé, segurando um papel. Ao fundo, há um grande cartaz com o texto 'Journées 49 de l'École de la Cause Freudienne' e 'Femmes en Psychanalyse'. O ambiente é iluminado e há uma plateia visível na parte inferior da imagem.
O espetáculo 'Yo Soy El Monstruo Que Os Habla', com texto de Paul B. Preciado, foi apresentado no Sesc Santos - Fernanda Baldo/Divulgação

Na ocasião, o espanhol falou para 3.500 psicanalistas e questionou a disforia de gênero, como consta na Classificação Internacional de Doenças, atribuída a pessoas trans. Também relatou a sua vida não binária, denunciou a violência e convidou os profissionais a se abrirem às mutações de gênero. Preciado não conseguiu concluir o discurso, publicado posteriormente em livro.

No espetáculo, cinco pessoas trans e não binárias utilizam microfones instalados em um cenário enxuto para reproduzir a palestra palavra por palavra. A cena também é composta por um púlpito, algumas flores e projeções usadas para denunciar as brutalidades contra os chamados corpos dissidentes.

"A obra revelou-se um traje quase sob medida para nossas histórias de vida, um relato sobre sua biografia e reflexões muito próximas às nossas experiências", diz o ator Victor Viruta.

"Sinto que estou diante do espelho questionando o sistema por sua injustiça contra as mulheres trans", afirma a atriz Faby Hernández. "É uma catarse pessoal".

O Mirada começou na quinta (5), com o grupo peruano Yuyachkani, que apresentou "El Teatro Es un Sueño" no pátio do Sesc Santos, após uma chuva fina ter impossibilitado o plano original, de montar o espetáculo na praça Doutor Caio Ribeiro de Moraes e Silva, em frente à instituição.

Considerado um dos principais eventos de artes cênicas do país, o Mirada reúne, até o dia 15 de setembro, 33 produções teatrais contemporâneas da América Latina, Portugal e Espanha. Elas ocupam 17 lugares, em 80 sessões, e abordam temas como as questões indígenas, decoloniais e climáticas, além da violência de gênero, migrações e a diversidade dos corpos.

Apresentada no Outeiro de Santa Catarina, marco do povoamento de Santos, na região central, a peça "Granada", do Chile, foi também destaque no primeiro final de semana do festival. O espetáculo apresenta uma releitura do mito grego de Perséfone, raptada e violada pelo tio Hades.

Sentado em cadeiras ao ar livre, o público é testemunha de uma história antiga e, ao mesmo tempo, atual. Uma história de abusos contra a mulher repetida ao longo do tempo. A narração é feita por meio de fones de ouvido, enquanto os espectadores acompanham as interpretações corporais e muito expressivas dos atores.

Um grupo de seis pessoas se apresenta em um palco iluminado, com luzes direcionais. Eles estão vestidos de maneira casual e interagem entre si, com alguns segurando instrumentos musicais, como violão e percussão. O ambiente é de um show ao vivo, com equipamentos musicais visíveis ao fundo, como bateria e microfones.
'Subterrâneo, um Musical Obscuro' foi apresentado no Teatro Brás Cubas, em Santos - Fernanda Baldo/Divulgação

A história mitológica é invadida por elementos modernos, como o celular. E também por informações jornalísticas sobre a violência contra as mulheres, acompanhadas por indagações sobre a origem da opressão patriarcal.

Momentos históricos do Peru e do Chile foram lembrados em espetáculos apresentados na sexta e no sábado. "Esperanza" remete aos anos 1980, quando o Peru acabara de sair de uma ditadura e vivia, ao mesmo tempo, a crise econômica, o aumento da violência e a expectativa sobre os novos tempos.

Em um palco tradicional, com cenário que reproduz a casa de uma família empobrecida —e à flor da pele— em Lima, um almoço é organizado para receber um candidato à prefeitura. O político representa a ilusão em torno de um futuro melhor e as relações familiares demonstram o tensionamento e a deterioração do país.

Também em palco italiano, mas com tons de performance e musical, "Subterrâneo, um Musical Obscuro", costura fatos relacionados aos 33 homens presos no desabamento da mina San José no Chile, em 2010. O espetáculo é o resultado da colaboração entre os portugueses do grupo Má-Criação e os brasileiros do Foguete Maravilha e do Dimenti.

Diretora e dramaturga peruana, Mariana e Althaus apresentou a peça-documento "La Vida en Otros Planetas", sobre a educação pública no Peru a partir da própria experiência e de depoimentos de alunos, professores e dos atores.

"O teatro é para não nos sentirmos tão sozinhos e para tentarmos compreender o outro", disse a diretora em um bate-papo com a atriz Lydia Del Picchia, do Grupo Galpão. Ela falou também sobre os desafios de liderar um grupo teatral em um país machista como o Peru. "É preciso ter coragem".

Parte da programação do festival ocupa também unidades do Sesc em São Paulo, no evento Extensão Mirada. Nos dias 13 e 14, por exemplo, o Sesc Bom Retiro recebe o Teatro Experimental do Porto, de Portugal, e o Teatro La Maria, do Chile. Eles apresentam "G.O.L.P.", em que imaginam o país português em um regime comunista perfeito e o chileno em crise.

O universo do cineasta Rainer Werner Fassbinder inspira "Sombras, Por Supuesto", da diretora argentina Romina Paula e da Compañia El Silencio, sobre uma investigação das sombras íntimas dos personagens. O espetáculo será apresentado nos dias 18 e 19 de dezembro, no Sesc Belenzinho.

O Extensão Mirada terá espetáculos nacionais que estreiam no festival, como "Monga", no Sesc Avenida Paulista, em que a atriz Jéssica Oliveira evoca a história da mexicana Julia Pastrana, chamada de mulher-macaco e transformada em atração de circo.

Mirada - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas do Sesc São Paulo

A jornalista viajou a convite da organização do evento

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