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Carlos Cardoso observa a própria melancolia em poema inédito

Um dos destaques de sua geração, autor carioca de 44 anos prepara novo livro

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Carlos Cardoso

[SOBRE O TEXTO] O poema nesta página integra o livro "Melancolia", que deve ser lançado em 2019.

 

Melancolia

1.
Rasgo meu destino
e o trago sem revolta
retiro do bolso minha arma
uma folha de papel
e uma caneta,
não há pólvora!

O ar que me espera
é o ar que me salva,

uma explosão é pouco.

Então uso as metáforas
e as imagens ao meu favor
quando escrevo sem medo
quando escrevo com dor,

grito grito e fico mudo
quando a tarde escurece,
o dia foi-se, tudo padece,
sem prazer, só silêncio,
um instante de alegria não há! 

Melancolia,

faz-se necessário
dar um passo, arrisco!
Não me desfaço.

Para esse livro
não escreverei
o que é fácil de entender
o que é fácil de ler
o que é fácil de não ser
o que realmente sou.

Plástico bolha que brinco
ao embrulhar
o boneco do livro.

Iniciarei sem medo,
com a cabeça erguida
falarei em primeira pessoa,
direi, eu! Eu digo!

Cruzarei os mares
com o barco a vela
que me for mais propício
brincarei com o precipício
e sem sentir o ar
respirarei suavemente,

há anos tento descobrir
há anos busco tentar,
tento, há anos descobrir,
o que sou, o que quero
e por que fiz o que fiz
sem pensar e sem sentir,

e me arrependo,
e me distraio, e me confundo

nos anos de minha vida árdua,
cuspida de vinagre
onde o sabor me alucina,
deixei que o vento
cortasse a minha casa
de um extremo ao outro,
esculpi a parede mais linda
de tijolos maciços
com maçarico,
argila, cuspe,
e minhas próprias mãos,

não me importo
se não citarei nesse poema
grandes filósofos,

o casulo está aqui, em mim,
eu me escondo,
eu digo que é frio
quando é noite
e que é quente
na madrugada.

Nada?

Não, sou eu!
Esse livro sou eu!

Melancolia,
a palavra,
resume esse livro
que levo à vida
e o solto no mundo
de todos que o alcançarem.

Falo, porque não
escreverei de forma vã,

quero olhar
para minha melancolia,
e me entristecer, e sentir
que viver é simplesmente viver.
Fogo, aço moído,

ácido cuspido,
sofrimento?

Quero estar no topo,
plástico bolha que brinco
ao embrulhar
o boneco do livro. 

2.
Esse estrago continua,
linda essa lua despida,
sua ida é sem volta,
revolta? Tristeza?

Melancolia.

Racha na minha cabeça
o sol que o dia quente no Rio de Janeiro
mantém mesmo a meu contragosto,

não gosto mas não fujo,
o frio dos países nórdicos
me atrai, a escuridão
durante o dia me convida
e sem volta ou ida, eu vou!

Parágrafo 
embaralhado
com reis valetes e damas,
o coringa é o que 
mais vale.

Vai entender?
Pois eu não entendo!

Astrofísica, astronauta, os astros,
e continuo a caminhar,
a caminhar,
e caminho sem deixar um rastro.

homem com os olhos vendados e a mão furada por um lápis
Ilustração - Camila Gray

Carlos Cardoso é poeta, autor de "Na Pureza do Sacrilégio" (Ateliê Editorial).

Ilustração de Camila Gray.

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