Sem inovação, Brasil se condena ao zigue-zague, dizem sociólogos

Para superar espasmos de crescimento, é preciso mudar dinâmica da nossa economia, avaliam pesquisadores

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Glauco Arbix Carlos Torres Freire

[RESUMO]  O texto apresenta o tema da mesa 4 ("Desenvolvimento, trabalho e políticas públicas") do seminário de 50 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

A nova onda tecnológica que sacode as economias, o mundo dos negócios e as sociedades está cada dia mais acelerada. Enquanto países desenvolvidos e emergentes, liderados pela China, impulsionam esse avanço e se beneficiam dele, o Brasil vive enormes dificuldades para estancar e diminuir a crescente distância que nos separa das práticas mais inovadoras e do processo de desenvolvimento no século 21.

Todos os setores da economia são atingidos pela digitalização, automação e integração de sistemas. A indústria 4.0 é uma realidade. Alavancada pela inteligência artificial, essa onda de mudanças abre oportunidades inéditas para os países elevarem o padrão de competitividade de suas economias e equacionarem problemas históricos que impedem o acesso de milhões de pessoas a uma vida decente.

É certo que tecnologia sozinha não faz milagre, ainda mais em um país como o nosso, em que 55% da população de 25 anos ou mais não tem ensino médio completo e 20% da população de 14 a 29 anos (10 milhões) não estuda nem está ocupada.

Para superar os espasmos de crescimento que marcam nossa história, é preciso alterar dinâmicas da economia e da sociedade, o que exige, antes de tudo, que educação, ciência, tecnologia e inovação sejam definidas como prioridades nacionais.

Não é isso, porém, que vemos no horizonte de atuação do governo federal, que anuncia cortes no orçamento de universidades e de agências de fomento, pilares essenciais de qualquer sistema de inovação avançado. Mais ainda, o governo não consegue organizar um debate consistente sobre o novo Fundeb, que incide diretamente sobre a educação básica.

A falta de uma agenda de crescimento com musculatura para pôr a economia nos trilhos condenará o país a zigue-zagues de curto prazo.

O Brasil está pressionado tanto pelo avanço dos países avançados quanto dos emergentes, que aumentam sua produtividade, comprimem nossa participação no comércio internacional e acentuam a dependência brasileira de produtos de baixo valor agregado. 

Capa para Ilustríssima
Capa da Ilustríssima - Daniel Bueno

Exatamente por isso, não deixa de causar espanto a ausência de estratégia capaz de alterar o quadro da economia, que aumentou sua produtividade em apenas 1,3% ao ano desde 1990, ante 3% no Chile, 5% na Índia e 8,8% na China. 

Na indústria de transformação, pesquisa de 2014 mostra que apenas 18,3% das empresas introduziram inovação de produto e 32,7%, de processo. Entre 2011 e 2018, o país perdeu 17 posições no Global Innovation Index e passou a ocupar a 64ª posição no índice comparativo entre países.

Quando o tema é automação, segundo a Federação Internacional de Robótica, o Brasil apresenta 10 robôs para cada 10 mil ocupados, longe da média mundial (cerca de 74), abaixo de Grécia (17), Argentina (18) e México (31), e a anos-luz de líderes como Coreia do Sul (631) e Alemanha (309).

É necessário fortalecer a rede de apoio à inovação, construída ao longo dos últimos 30 anos, mas que ainda carece de dinamismo e sofre com a instabilidade das políticas públicas e com ausência de foco do governo. As empresas também têm sua dose de responsabilidade pela situação, dado o insuficiente nível de inovação, com exceção de um seleto grupo que se esforça para manter padrão semelhante ao dos países da OCDE.

É evidente que o Brasil vive uma crise fiscal e que os recursos são escassos. Porém, cortes orçamentários devem ser feitos com critério e sem castrar as prioridades para o país deslanchar. Melhorar o ambiente de investimento, a infraestrutura e reduzir a burocracia e a insegurança jurídica certamente ajudaria as empresas.

Sem esse suporte de conjunto, cujo foco está no setor público, a abertura para estimular a necessária renovação do tecido econômico tenderá a gerar efeitos de curto alcance, quando não destrutivos.

A emergência de um conjunto de startups é pequeno brilho no horizonte. Em dois anos, oito empresas atingiram valores de mercado que ultrapassam US$ 1 bilhão. Há também mudança nas grandes corporações, que investem mais em parcerias com empresas nascentes. 

Áreas como saúde, educação, alimentos, finanças e mobilidade são alvo da nova onda de tecnologias e, dado o potencial brasileiro, podem ser pontos de apoio para a renovação de parte da economia.

O nó da questão é que a falta de foco e de visão de futuro empurram o Brasil para se tornar um grande país comprador e usuário de tecnologia. As novas tecnologias se caracterizam pela interdisciplinaridade na produção de conhecimento, pela sinergia entre ciências exatas, biológicas e humanas, pois a complexidade exige a mescla de competências. 

O risco é empurrar de vez o Brasil para as margens do século 21. Ou, de modo simples, dificultar a geração de renda e emprego de qualidade e aumentar as desigualdades sociais. Estar fora dessa nova rede de produção mundial significa abdicar de progresso social e desenvolvimento.

Nos anos 1970, o Brasil perdeu a onda da microeletrônica e ficou na periferia dos avanços nas comunicações, na informática e na computação. Será que vamos perder a atual onda e desperdiçar, mais uma vez, a oportunidade de pavimentar o caminho para o desenvolvimento? 


Glauco Arbix é professor titular de sociologia da USP, coordenador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados.

Carlos Torres Freire é diretor científico do Cebrap e doutor em sociologia pela USP. Aqui, apresentam o tema da Mesa 4 do seminário de 50 anos do Cebrap.

Seminário sobre democracia celebra 50 anos do Cebrap 

Fundado em 3 de maio de 1969, o Cebrap promove o seminário internacional Democracia à Brasileira para comemorar suas cinco décadas de atividade. Pesquisadores renomados que passaram ou ainda integram o instituto  discutirão as turbulências políticas atuais. Os debates ocorrerão no auditório do Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141). Inscrições podem ser realizadas pelo site do Sesc. Ingressos custam de R$ 9 a R$ 30. 

14.mai (terça)

19h - Abertura
Danilo Miranda (diretor do Sesc-SP) e Angela Alonso (presidente do Cebrap)

19h20 - Vídeo Cebrap – 50 anos pensando o Brasil

19h45 - Mesa 1 - Democracia em crise?
Mediação: Maria Hermínia Tavares de Almeida (Cebrap/USP)
Conferencista: Adam Przeworski (NYU)

15.mai (quarta)

10h - Mesa 2 - Instituições políticas brasileiras
Mediação: Miriam Dolhnikoff (Cebrap/USP)
Debatedores: Fernando Limongi (Cebrap/USP/FGV), Argelina Figueiredo (Cebrap/IESP) e Maria Hermínia Tavares de Almeida (Cebrap/USP)

14h - Mesa 3 - Mobilizações sociais
Mediação: Arilson Favareto (Cebrap/UFABC)
Debatedores: Daniel Cefaï (EHESS), Angela Alonso (Cebrap/USP) e Adrian Lavalle (Cebrap/USP)

16h30 - Mesa 4 - Desenvolvimento, trabalho e políticas públicas
Mediação: Carlos Torres Freire (Cebrap)
Debatedores: Elisabeth Reynolds (MIT), Glauco Arbix (Cebrap/USP) e Alvaro Comin (Cebrap/USP)

16.mai (quinta)

10h Mesa 5 - Desigualdades
Mediação: Marcia Lima (Cebrap/USP)
Debatedores: Pablo Beramendi (Duke University), Marta Arretche (Cebrap/USP) e Marcelo Medeiros (Ipea)

14h - Mesa 6 - Religião, política e espaço público
Mediação: Mauricio Fiore (Cebrap)
Debatedores: Juan Vaggione (Conicet), Paula Montero (Cebrap/USP) e Ronaldo Almeida (Cebrap/Unicamp)

16h30 - Mesa 7 - Debates políticos do espaço público
Mediação: Marta Machado (Cebrap/FGV)
Debatedores: Magali Bessone (Paris I), Marcos Nobre (Cebrap/Unicamp) e Sergio Costa (Cebrap/Universidade Livre de Berlim/Mecila)

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