Cultura é a primeira trincheira para afirmar direitos, diz ex-ministro

Segundo Juca Ferreira, consolidação da cidadania e do respeito à diferença passam pela arte

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Vivemos neste início do século 21, no Brasil e no mundo, um momento de muitas incertezas, marcado por conflitos políticos e étnicos, pela disputa global cada dia mais acirrada pelos recursos naturais, por grandes movimentos migratórios causados pela miséria, pela fome e falta de perspectiva. 

Por toda parte, ocorrem retrocessos sociais com nefastas consequências sobre as conquistas alcançadas nas últimas décadas no campo dos direitos humanos, sociais e individuais

Esse momento é marcado também pela ameaça de uma grande recessão e profundas transformações na economia e pelo aumento das desigualdades sociais e regionais.

Essas transformações se fazem sentir no campo das ideias e do pensamento, no campo dos valores e dos costumes, no nosso modelo de desenvolvimento e em nossa organização social. Por tudo isso, a crise que vivemos hoje é política, econômica e cultural.

Esta crise está acirrando a disputa entre visões de mundo conflitantes e incompatíveis e apontam para o esgotamento de modelos de desenvolvimento altamente concentradores de riquezas e danosos ao meio ambiente. 

É inegável que vivemos a ameaça de um retrocesso político e cultural de dimensões planetárias que vem pondo em xeque, em especial, as democracias ocidentais e suas conquistas sociais.

No Brasil, em alguns ambientes, públicos e privados, as palavras democracia e diversidade cultural estão incomodando como se fossem palavrões.

Deste debate não podemos nos furtar. Este início de século está nos obrigando a refletir não só sobre o destino das democracias, mas também como chegamos a este estado de coisas e como enfrentá-lo.

Vivemos a necessidade de um intenso debate que consolide os ideais democráticos e de justiça social. As democracias estão sendo solapadas desde dentro. Movimentos autoritários e totalitários estão se utilizando em vários países, com muito sucesso, dos mecanismos democráticos diante do despreparo das nossas instituições para protegerem o Estado de direito.

Os projetos corrosivos da vida social estão nadando de braçada com o uso perverso das tecnologias digitais para interferir e falsificar eleições e chegar ao poder, degradando a democracia, seus ritos e suas conquistas.

Na era da informação e da comunicação, a cultura tornou-se o grande diferencial de nosso tempo. É em seu território que se dá a tão falada “disputa de narrativas”. As atividades culturais, no sentido amplo, vêm ampliando sua importância na vida social e na capacidade de gerar fenômenos sociais. Pela cultura se fortalece ou se fragiliza a coesão social e política de um país.

A cultura é importante não apenas em termos econômicos, mas também como leito de demandas da população e para a qualificação das relações sociais. A afirmação de direitos e novos modos de vida e a consolidação da cidadania e o respeito à diferença têm na cultura sua primeira trincheira.

Tal fato é uma decorrência direta do grau de complexidade que as atividades culturais foram adquirindo, desde a revolução industrial e do avassalador processo de urbanização que se seguiu. Mais ainda, esse processo deu um salto com os novos ambientes de comunicação e mobilização possibilitados e criados pela internet e pela telefonia móvel e suas múltiplas conjugações midiáticas.

Não podemos perder de vista que todo desenvolvimento material corresponde a um dado desenvolvimento intelectual. Por isso, a qualidade da vida numa sociedade e o espírito democrático que a devem reger, dependem do desenvolvimento cultural e do acesso de todos a ele. 

Dito de outra maneira, todo desenvolvimento corresponde à tradução de um processo civilizatório. Por isso, a cultura não pode deixar de ser parte central do desenvolvimento de um povo. 

Arte e cultura são interpretações que fazemos do mundo. É em seu território que permanentemente se negociam e se concertam os sentidos e o pensamento social e individual. 

Por tudo isso, a cultura é um dos elementos constitutivos da própria democracia. Afinal, é a cultura quem dá liga à cidadania. É por ela que nos identificamos como partes de uma mesma nação, de um povo, de uma comunidade, de uma cidade, de uma nação. A defesa da cultura é, assim, a defesa da vida democrática. 


Juca Ferreira é secretário de Cultura de Belo Horizonte, sociólogo e ex-ministro da Cultura.

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