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Ecossistema das artes merece as vaias que recebe

Entraves tributários e descompromisso da elite barram filantropia no país

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Vivian Gandelsman

Em artigo publicado originalmente no jornal The New York Times, Michael Massing chama a atenção para o que acontece no MoMA e na maioria das instituições do mundo da arte nos Estados Unidos, nas quais parece só haver espaço para aqueles que dedicam sua vida ao acúmulo de capital e a suas heranças.

Ainda que as condições e a escala dos museus norte-americanos estejam muito distantes da realidade brasileira, podemos encontrar algumas situações comuns entre as duas realidades. No Brasil, contudo, o meio da arte ainda enfrenta questões que, mal ou bem, já foram encaminhadas nos EUA. Aqui, nem sequer se implantou entre as elites —e no arcabouço jurídico— uma cultura da filantropia.

Para Eduardo Pannunzio, pesquisador da FGV Direito SP, a ampliação da filantropia no país passa pelo enfrentamento de dois principais desafios tributários. “Precisamos, de um lado, remover os obstáculos às doações de interesse público”, diz, frisando que “o maior deles hoje é o ITCMD”. 

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos incide, na maior parte dos estados, sobre doações a instituições culturais. Por outro lado, acrescenta, seria preciso aperfeiçoar nossas políticas de incentivos fiscais, “ainda pouco acessíveis aos cidadãos”.

Pesquisa recente da FGV apontou que apenas 0,45% dos contribuintes do Imposto de Renda que poderiam fazer doações incentivadas utilizam esse benefício.

Mas a questão é anterior: são apenas os mecanismos tributários que dificultam a filantropia ou um descompromisso histórico de nossas elites em relação àquilo que deveria ser considerado interesse público? Celso Furtado (1920-2004) já apontava essa “frouxidão” que, em sua opinião, teria sido herdada de uma classe dirigente aristocrática que jamais abriu mão da privatização dos lucros e da socialização das perdas.

O papel social do museu de arte, como no debate em relação ao MoMA, também nos faz repensar por aqui o lugar privilegiado dos conselheiros. A inclusão de críticos e acadêmicos nos conselhos é urgente para elevar a reflexão interna sobre a função dessas instituições e a alocação de suas verbas.

A opção ao que descreve Massing é o planejamento profissional, dentro do qual outros agentes possam contribuir para o rearranjo do sistema —que se mistura, mas não deve ser confundido com o sistema financeiro. 

Um exemplo nessa linha é o Núcleo de Arte e Direito criado pelo advogado Gustavo Martins no Museu de Arte Moderna do Rio  (MAM) para discutir diversos temas relativos a direitos dos artistas e das instituições.

O assunto tem sido debatido no meio acadêmico. Ciça França Lourenço, que está à frente do Grupo Museu/Patrimônio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (também editora da revista ARA, na mesma unidade) vê, em meio às polarizações políticas, uma crescente inserção do âmbito privado no espaço público. 

A cena universitária pública ofereceria alguma resistência a esse processo “por meio de grupos, estudos, edições, institutos, laboratórios e museus, que persistem na pesquisa crítica, na criação curatorial e em ações formacionais sem paternalismo”, diz ela. 

Neste alvorecer de 2020, está na hora de vaiar a falta de responsabilidade do ecossistema artístico, os salários mal pagos, a escassez de trabalho, a especulação, a falta de regulamentação, a lavagem de dinheiro, os curadores preguiçosos, os diretores corporativos, a segregação que nos cerca.

Que lugares podem ocupar sujeitos de pensamento crítico dentro desse sistema? 


Vivian Gandelsman é pesquisadora independente, consultora e cofundadora dos projetos Artload, timetorethink e DADO

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