'O que eu preciso é de espaço de escuta', diz autora indígena Márcia Kambeba

A escritora e o cientista Paulo Moutinho participaram de debate sobre a Amazônia, que integra a série Perguntas sobre o Brasil

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Belo Horizonte

"O lugar de fala é o lugar da minha identidade, do meu pertencimento e da minha memória", disse a escritora e ativista indígena Márcia Wayna Kambeba no 15º debate do ciclo Perguntas sobre o Brasil. "O que eu preciso é de espaço de escuta, isso sim."

marcia kambeba
A ativista indígena, geógrafa e escritora Márcia Wayna Kambeba - Divulgação

A afirmação da autora, que pertence ao povo Omágua, do Alto Solimões (AM), reforçou uma proposta em comum, apresentada na mesa realizada de forma online na tarde da quarta (19), dia dos Povos Indígenas.

Ela e o doutor em ecologia Paulo Moutinho, cofundador e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam Amazônia), defenderam uma floresta que seja ouvida por meio da voz dos seus povos originários.

A mediação do debate, cujo mote foi "Qual É a Amazônia que Queremos?", ficou a cargo da jornalista da Folha Giuliana de Toledo, editora de Ambiente e do projeto especial Planeta em Transe.

"Quando escutarem o que esses povos têm a dizer, teremos uma cidadania amazônica e um futuro para as próximas gerações", afirma Moutinho. "E eu não digo só para as questões ambientais e econômicas."

Embora o desmonte nas políticas de preservação ambiental não seja um fenômeno recente, os últimos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL) representaram um período especialmente crítico para a região. Segundo uma análise do Instituto Socioambiental (ISA), o ex-presidente deixou a gestão com um aumento de 94% do desmatamento na área, quando comparado com os anos anteriores. A marca simboliza o maior retrocesso ambiental do século no país.

"Não é fácil para o atual governo fazer uma mudança radical. A gente imagina que ainda vai levar tempo para que se remonte tudo e se crie outras ações inovadoras", diz o cientista.

Para Moutinho, é bem-vinda a promessa de que serão homologadas 14 terras indígenas ainda neste ano em áreas do Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Paraíba, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ao todo, os territórios somam cerca de 1,5 milhão de hectares.

Além de respeitar o direito ao território dos povos que ali vivem, essa ação do governo deve trazer, segundo ele, "uma imobilização de 470 milhões de toneladas de gás carbônico, o que significa quatro anos de emissão do país por processos industriais".

"Ou seja, homologar é um efeito muito importante para a sobrevivência do país, da região e do planeta", afirma o cientista.

Para Kambeba, "é no território que acontece toda a nossa forma de viver, o repasse dos saberes, como as práticas culturais, a forma de se interligar com a natureza, a importância do rio".

A escritora iniciou sua fala no Perguntas sobre o Brasil recitando "O Tempo do Clima", poema de sua autoria que está no livro "O Lugar do Saber Ancestral" (Uk'a Editorial, 2021).

"Eu não posso perder a esperança, o esperançar é importante. Por quanto tempo nós ficamos buscando esse diálogo com o governo?", Kambeba questiona, ao rememorar a participação do movimento indígena na vida política do país –da eleição de Mário Juruna, primeiro deputado federal indígena do Brasil, em 1982, à recente criação do Ministério dos Povos Indígenas, hoje chefiado por Sônia Guajajara.

O líder xavante Mário Juruna em 1981, um ano antes de ser eleito deputado federal - Folhapress

"Aldear a política é fundamental porque a gente sabe onde está a dor, o que pode e o que deve ser feito. O importante agora é consolidar tudo", afirma a autora indígena.

A conversa, que também abordou temas como bioeconomia, grilagem, memória e sustentabilidade, está disponível na íntegra nos canais do Sesc São Paulo, da Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e do Diário de Coimbra no Youtube. Assista aqui.

O ciclo Perguntas sobre o Brasil é organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela APBRA e pela Folha. A série se inspira no projeto 200 anos, 200 livros, lançado em maio do ano passado em meio às comemorações do bicentenário da Independência do Brasil.

O evento é realizado sempre às quartas-feiras, às 16h, a cada duas semanas. A próxima edição, marcada para o dia 3 de maio, vai discutir a atualidade do tropicalismo, um dos principais movimentos culturais do século 20.

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