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Diogo Costa

Regulação excessiva da inteligência artificial pode travar inovação no Brasil

País deveria pensar em casos concretos e ações focalizadas para lidar com novas tecnologias

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[RESUMO] A inteligência artificial pode impulsionar o crescimento econômico a longo prazo, sendo de vital importância para países emergentes como o Brasil. Para isso, contudo, país deveria rejeitar propostas regulatórias que acabam por acarretar mais burocracia e aumento de custo da inovação e em seu lugar privilegiar estratégias específicas e focalizadas para as novas tecnologias.

O ano de 2023 já é o ano da inteligência artificial. Com uma nova onda de inovação, os modelos de IA gerativa, como o novo GPT-4, apresentam avanços significativos e aplicações cotidianas cada vez mais tangíveis.

As empresas líderes no futuro, sejam elas novas versões da IBM, Intel, Microsoft, Google ou Meta, estão sendo moldadas neste exato momento, e com elas emergem novos modelos de negócio e novas profissões. A OpenAI, por exemplo, desenvolvedora do modelo GPT, já recruta engenheiros de prompts, um novo tipo de especialistas em linguagem natural que até recentemente era impensável.

Simulação de processamento quântico na inteligência artificial - Adobe Stock

A IA já vinha aumentando a eficiência em uma variedade de setores, desde detecção precoce de câncer, com taxas de sucesso de até 94%, análise de radiografias, até a redução de desperdício e otimização do consumo de energia.

Contudo, estamos apenas começando a compreender seu impacto abrangente na economia. Além do aumento da velocidade, o uso de IA aprimora a qualidade do atividade intelectual e nivela o campo de atuação, reduzindo desigualdades no trabalho.

Ao utilizarem uma ferramenta de IA gerativa, os profissionais menos habilidosos veem um aumento mais acentuado na sua eficácia, aproximando-se dos colegas mais qualificados e, assim, diminuindo as disparidades de produtividade. Todos se beneficiam, mas trabalhadores menos qualificados se beneficiam mais.

Um relatório recente da Goldman Sachs estima que 300 milhões de empregos em tempo integral podem ser automatizados no mundo. No Brasil, a estimativa é de que 25% da força de trabalho em tempo integral seja automatizada.

Outros estudos indicam que aplicações de IA podem acelerar o trabalho de desenvolvedores e profissões relacionadas à produção de texto (muitas carreiras de colarinho branco) em taxas que variam de 37% a 55%.

Anteriormente, especialistas previam que a automação afetaria principalmente profissões de maior repetição e menor necessidade de capital humano. Entretanto, esses novos estudos começam a revelar que funções de alta escolaridade e rendimento estão mais expostas à disrupção da IA.

Funções administrativas, jurídicas e de ensino aparecem entre as mais impactadas. Isso não significa que essas profissões desaparecerão; maior exposição pode levar a um aumento de produtividade e satisfação no trabalho.

Apesar das preocupações relacionadas a essa mudança, a história sugere que a automação pode ser acompanhada por novas oportunidades de emprego e impulsionar o crescimento econômico a longo prazo. A redução de custos, a criação de novas profissões e postos de trabalho, e o aumento da produtividade podem contribuir para um impulso significativo na economia. O estudo da Goldman Sachs prevê que o Brasil poderia experimentar um aumento de quase 1,5% na produtividade anual, superando a média de crescimento global.

Um salto de produtividade é exatamente o que a estagnada economia brasileira necessita. Para isso, o país deve eliminar barreiras que dificultam a produtividade oriunda da inovação, tais como a falta de infraestrutura digital, a burocracia regulatória e uma legislação de dados pessoais que gera mais burocracia e notificações pop-up do que clareza e autonomia para os indivíduos. O Brasil se beneficiaria de um ambiente propício para que empresas e pesquisadores desenvolvam soluções de IA com segurança jurídica e eficiência operacional.

Além disso, devemos promover maior cooperação entre os entes públicos e privados, a indústria e os centros de pesquisas, para o desenvolvimento da inteligência artificial, de modo a incentivar parcerias estratégicas e estimular o compartilhamento de dados, conhecimentos e recursos entre os diferentes atores envolvidos na cadeia produtiva. O Brasil pode emular o modelo dos EUA, por exemplo, que estabelece parcerias entre universidades e empresas para a pesquisa e desenvolvimento de IA.

A perspectiva de um salto de produtividade traz consigo tanto esperança quanto receio do desconhecido. Propostas regulatórias tramitando no Senado Federal, inspiradas no modelo discutido na União Europeia, almejam estabelecer a participação e supervisão humana nas decisões tomadas pela IA, além da exigência de explicabilidade e a possibilidade de contestação dessas decisões. A privacidade e a equidade dos dados também surgem como temas relevantes, sendo sugerida a criação de uma nova autoridade para governar a IA.

A preocupação com riscos decorrentes do uso de IA é legítima. Uma tecnologia extremamente poderosa também pode se tornar extremamente perigosa. No entanto, o modelo de regulação digital europeu simplesmente não parece ser o melhor. Quando decidimos instituir nossa Lei Geral de Proteção de Dados, nossa inspiração também foi a regulação europeia.

Agora, um estudo liderado por Rebecca Janßen, da Universidade de Mannheim (Alemanha), revelou que a Regulamentação Geral de Proteção de Dados da UE prejudicou a inovação de aplicativos, levando cerca de um terço a sair do mercado, e reduzindo pela metade o número de novos modelos.

Não é à toa que a Europa tenha deixado de se destacar em criar um setor de tecnologia digital no nível de outros países e regiões. Atualmente, a maioria dos principais provedores de serviços de tecnologia digital na Europa são empresas americanas.

Essa tendência também vem se tornando evidente no mercado de IA. Um levantamento de 2022 apontou que apenas 5 das 100 startups de IA mais promissoras estavam localizadas na Europa, e o financiamento privado delas é significativamente menor que nos EUA e na China. Mesmo especialistas esperançosos com a capacidade de adoção tecnológica pelos europeus admitem, de acordo com levantamento do Journal of International Economics, que "o futuro não será inventado na Europa".

Em vez de buscar uma abordagem abrangente e única para a regulação da IA, uma estratégia específica e contextualizada seria mais adequada para uma economia emergente como a do Brasil. Em vez de partirmos de uma abordagem dedutiva para regular a IA, devemos ser mais empiristas, de modo que a própria segurança da IA faça parte de seu programa de desenvolvimento. O projeto original de regulação da IA da Câmara dos Deputados, relatado pela deputada Luísa Canziani (PSD - PR ), assim como a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, ecoa mais esse espírito.

Esta abordagem reconhece a diversidade e dinamismo da IA, que pode ter impactos e implicações distintas conforme o contexto de aplicação e os objetivos dos usuários. Não devemos subestimar as preocupações geradas pelo avanço exponencial de uma tecnologia cujos efeitos ainda são pouco compreendidos. No entanto, é justamente por isso que uma combinação de princípios gerais, empirismo e intervenções focadas pode ser mais eficaz do que prever dedutivamente intervenções generalizadas.

Por exemplo, a exigência de "explicabilidade" das decisões de IA parece sensata para garantir um mínimo de transparência em relação às atividades das máquinas. Contudo, estamos falando de decisões que envolvem bilhões de linhas de código, tornando-se frequentemente inexplicáveis mesmo para especialistas, e muito mais para cidadãos comuns.

A consequência mais provável de uma exigência de explicabilidade é acrescentar uma camada de burocracia e elevar o custo da inovação no Brasil, sem alcançar efetivamente os objetivos pretendidos.

As tecnologias de IA estão em constante evolução, o que vai invariavelmente gerar novas aplicações, novos problemas ou novas soluções. O direito deve acompanhar esse ritmo de mudança —inclusive aplicando normas e políticas consolidadas para os novos contextos— sem se prender a conceitos ou definições prestes a se tornarem ultrapassados no momento em que são criados.

Ao focarmos empiricamente nas aplicações específicas de uma tecnologia de propósito geral, conseguimos entender melhor seus riscos e benefícios, assim como sua relação com a preservação de direitos e liberdades.

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