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Guilherme Cezar Coelho

Economistas contra reforma tributária querem manter o caos

Proposta atual vem após anos de trabalho e não deve ser interrompida

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Guilherme Cezar Coelho

Economista pela Universidade Stanford e fundador da Samambaia.org.

[RESUMO] Economista expõe opinião contrária a texto publicado na Folha que fazia críticas à proposta de reforma tributária em curso. Para tal, o autor apresenta as disfunções do modelo atual, refuta afirmação do artigo citado e aponta que pensar os próximos passos da proposta é mais produtivo que a rejeição da PEC.

Para a professora italiana Johanna Mair, editora acadêmica da revista "Stanford Social Innovation Review, "progresso" significa "estar apto para o futuro". É o contrário do que pretendem Everardo Maciel, Felipe Salto, Fernando Rezende, Jorge Rachid, José Roberto Afonso, Marcos Cintra e Selene Peres Peres Nunes, em recente artigo nesta Folha. Ao comentarem a atual proposta de reforma tributária em discussão no Congresso, estes autores olham para trás.

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Painel da Associação Comercial de São Paulo representa impostos, taxas e contribuições, incluindo multa, juro e correção monetária. (Foto: Gabriel Cabral/Folhapress) - Folhapress

À primeira vista, pode parecer que os signatários defendem o atual sistema tributário por se imaginarem responsáveis por ele. No entanto, não poderiam. A autoria do nosso caos tributário é difusa. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), foram editadas no Brasil 443.236 normas tributárias desde a promulgação da Constituição, em 1988, das quais apenas 30 mil – menos de 7% – continuavam vigentes em 2021. Ninguém pode ser responsável por tantos puxadinhos.

O resultado já vivemos: nosso sistema tributário brasileiro é um instrumento de ineficiência alocativa de recursos econômicos, atrapalhando o nosso crescimento e transferindo regressivamente recursos, tirando dinheiro dos mais pobres em benefício dos mais ricos. Um mecanismo irracional que perpetua e acentua ineficiências e diferenças sociais, tributando demasiadamente o trabalho, o consumo e investimentos produtivos.

Os autores do artigo tampouco deveriam ser confundidos com grupos de especialistas que trabalham arduamente sobre o cipoal tributário. Muitos nessa turma são contra qualquer simplificação ou melhoramento, claro. Nos lembra a célebre frase de Upton Sinclair: "é difícil fazer uma pessoa compreender algo, quando seu salário depende, acima de tudo, que não o compreenda".

O artigo em questão, no entanto, se trai – e nos trai – ao afirmar que "a proposta em discussão é repudiada pela imensa maioria dos contribuintes". Não há pesquisa sobre a popularidade desta reforma Tributária. No entanto, as contribuições técnicas levantadas pelos autores são valiosas e devem ser debatidas – mas certamente não ao custo de estancar o andamento da atual proposta, como pretendem.

Ao contrário de tentar cancelar o debate, os autores deveriam ampliá-lo e se comprometer com uma transformação integral do nosso sistema, simplificando-o, para fazer o Brasil crescer mais e melhor. Quando argumentam que ainda há pouca definição na PEC em tramitação, nada deveriam temer. A verdadeira reforma Tributária se dará, de fato, nos projetos de lei complementar que virão em seguida. Mãos à obra, moldando o futuro.

O importante agora é votar e aprovar o que está em pauta até aqui: garantindo a neutralidade da carga tributária total, realizar uma simplificação dos nossos impostos de consumo seguindo o exitoso modelo do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), adotado nos países que prosperaram. E fazer, constitucionalmente, que estes impostos beneficiem o consumidor final, no destino de um bem ou serviço, revertendo assim enormes desigualdades econômicas regionais, como recentemente detalhado em trabalho de Sergio Gobetti, Rodrigo Orair e Priscila Monteiro.

A partir de agora a nossa atenção deve estar, por exemplo, em como desonerar o primeiro salário mínimo contratado formalmente —pois esta é uma maneira de reduzir os custos sobre o setor de serviços, legitimamente preocupado com aumento de carga em seu setor. Por isso é importante pensar uma reforma tributária integral e integrada: para equalizarmos todo o sistema em direção a maiores crescimento, produtividade e renda.

O relatório da reforma tributária pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) aponta na direção correta, e ainda traz um bônus inestimável: a orientação de discutirmos no Congresso, em até seis meses, uma proposta de reforma dos impostos de renda, patrimônio e isenções fiscais.

Nos últimos 35 anos, o mesmo período em que fomos incapazes de aprovar uma reforma do emaranhado de impostos sobre consumo, o principal assunto tributário no Brasil foi isenção. Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, indica que 67% das propostas legislativas no Congresso, de 1988 até 2020, foram propostas de isenções fiscais. Agora temos que fazer um movimento político inverso, com a ajuda e o interesse de todos os entes federativos. É hora de racionalizar os gastos tributários, e aqui cabe um verdadeiro ajuste fiscal. Não é ruim que o governo federal e os estados tenham que cortar daqui para fazer valer o novo arcabouço fiscal e o Fundo de Compensações, em discussão com os governadores.

Ano que vem vamos torrar R$ 486 bilhões em gastos tributários, o triplo do que seria desejável segundo um estudo de 2019 da Receita Federal, revelado por esta Folha. Ano passado, como também lemos na Folha, o Governo Federal concedeu R$ 582 bilhões em isenções, grande parte com objetivos eleitoreiros, sem métrica ou mérito. Sobre isso seria interessante saber dos autores do artigo em discussão quais eram seus pensamentos, e ações, à época.

Mas é hora de olhar pra frente, com olhos limpos, e lembrar Guimarães Rosa: "Sorte é isto. Merecer e ter." Chega de embaçar o nosso futuro com pessimismo cartorial, com ou sem fins lucrativos. Esta reforma Tributária é uma obra em progresso, que de fato dependerá essencialmente de sua regulamentação. Mas seu momento atual é um trabalho de anos e não deve ser interrompido, pois nós nos devemos isso há décadas. Esta não é a obra de um governo, e sim uma dívida com a sociedade brasileira.

João Ubaldo Ribeiro nos relata que Maria Augusta Viana Bandeira, esposa de Ruy Barbosa, fazia por vezes a cobrança por pareceres do marido. Aos clientes que saíam de reuniões realizadas em sua casa, escusava-se e apresentava a conta. Dizia, jocosa, "o conselheiro também come". Justo.

É hora de reorganizarmos integralmente nossos impostos e isenções —para comermos mais e melhor. Não apenas os conselheiros. Todos nós.

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