Descrição de chapéu The New York Times

Holanda encara seu passado em novo museu do Holocausto

Nova instituição em Amsterdã apresenta história da perseguição a judeus do país durante a Segunda Guerra Mundial

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Claire Moses

Repórter do New York Times em Londres

[RESUMO] A abertura do Museu Nacional do Holocausto em Amsterdã, planejado por quase 20 anos, é um dos marcos da aceitação recente da sociedade holandesa em enfrentar as sombras da história do país, que teve 75% de sua população judaica deportada por nazistas para campos de concentração.

Três rostos olham fixamente para as fotos de passaporte em tom sépia, coladas ao acaso em um cartão para um destinatário desconhecido. Provavelmente são dois pais e seu filho, mas nunca saberemos com certeza. Abaixo de suas fotos estão as palavras escritas à mão: "Não se esqueça de nós!".

Não se sabe ao certo quando esse cartão foi enviado, mas seu apelo ajudou a moldar a coleção permanente do Museu Nacional do Holocausto em Amsterdã, que será aberto ao público na próxima semana. A nova instituição está sendo planejada há quase 20 anos, período durante o qual o projeto superou o ceticismo persistente, em parte motivado pela hesitação em enfrentar essa parte da história holandesa.

Annemiek Gringold (esq.), curadora-chefe do Museu Nacional do Holocausto, e Emile Schrijver, diretor-geral do museu - Ilvy Njiokiktjien - 12.fev.24/The New York Times

"Acho que é um resquício de um desconforto há muito sentido na Holanda em assumir a responsabilidade pelo que aconteceu", diz Emile Schrijver, diretor-geral do Museu Nacional do Holocausto.

Enquanto outros museus na Holanda cobrem aspectos da história do Holocausto —como a Casa de Anne Frank ou museus que enfocam a Segunda Guerra Mundial mais amplamente—, o Museu Nacional do Holocausto é a primeira instituição dedicada a contar a história completa da perseguição aos judeus na Holanda.

"A aceitação coletiva do fato de que o destino dos judeus na Segunda Guerra Mundial foi substancialmente diferente do destino da Holanda levou muito tempo", afirma Schrijver. A abertura do museu, segundo o diretor, "é uma espécie de encerramento de um processo de aceitação".

Na Holanda, os nazistas deportaram 75% da população judaica do país para campos de concentração, a maior porcentagem desse tipo na Europa Ocidental. O novo museu tem como objetivo responder como um grupo tão grande de pessoas —102 mil judeus, mas também 220 ciganos, também conhecidos como roma e sinti— pôde ser removido de sua vida cotidiana e como era essa vida antes e, se eles sobreviveram, depois da guerra.

Parte da resposta está na burocracia brutal instalada pelos nazistas durante a ocupação e executada por civis e funcionários holandeses. No segundo andar do museu, um fluxo avassalador de palavras que descrevem as leis contra os judeus holandeses está impresso nas paredes.

Exemplos saltam aos olhos dos visitantes, quer eles planejem lê-los ou não. Onze de novembro de 1941: os judeus não têm mais permissão para frequentar clubes de tênis, dança ou bridge. Onze de junho de 1942: os judeus não podem mais fazer compras em mercados de peixe. Doze de junho de 1942: os judeus devem entregar suas bicicletas. Quinze de setembro de 1942: os estudantes judeus são impedidos de entrar nas universidades.

Ao passar por lá, "você sente a opressão e o desmantelamento do Estado de direito e da liberdade de cada judeu", diz Annemiek Gringold, curadora-chefe do museu. "Esse crime, não importa o quão bem-capturado em um texto judicial, está sempre presente."

Nas galerias do museu, as vidas dos judeus holandeses são examinadas em exposições que incluem roupas, joias, malas e outros itens. A intenção, segundo Gringold, era retratar as pessoas como indivíduos completos, não apenas como vítimas.

"Essa é a única maneira de fazer justiça à memória de alguém", afirma Gringold. "Caso contrário, a pessoa é reduzida ao que os nazistas a transformaram. Não queremos isso."

O acerto de contas com a história tem se tornado lentamente parte da sociedade holandesa, inclusive por meio de desculpas do governo e da família real pelo Holocausto, bem como pelo papel do país no comércio de escravos.

Gringold disse que propôs pela primeira vez a abertura de um museu nacional do Holocausto em 2005, mas, na época, muitos questionaram a necessidade de tal museu. Desde 2015, o Bairro Cultural Judaico, a organização que administra o museu, tem realizado exposições temporárias no espaço que agora é o museu. As exposições pop-up, no entanto, não foram suficientes para contar toda a história, dizem os líderes do museu. O Bairro Cultural Judaico comprou o prédio em 2021 e iniciou as reformas para transformá-lo em um espaço para apresentar uma coleção permanente.

O prédio, uma antiga escola, fica em frente a um teatro que os nazistas transformaram em um grande centro de deportação e próximo a uma creche onde crianças judias eram mantidas antes de serem enviadas para campos de concentração.

O interior do museu, que foi reformado pelos arquitetos do Office Winhov, com sede em Amsterdã, é iluminado por luz natural, filtrada por persianas cinza suave. Isso se refere intencionalmente à forma como os nazistas cometiam suas atrocidades em plena luz do dia, para que todos pudessem ver.

O arquiteto e artista Daniel Libeskind, não envolvido nesse projeto, mas autor de projetos de vários memoriais ou museus importantes do Holocausto, inclusive em Berlim e Amsterdã, diz que, ao longo de sua carreira, também enfrentou ceticismo. Durante muito tempo após a guerra, foi difícil para as pessoas enfrentarem as sombras de seu passado, afirma Libeskind, e a criação de instituições de memória foi deixada para as gerações posteriores.

Sobreviventes holandeses do Holocausto dizem que a abertura do museu é um marco importante.

"Eu leciono em escolas sobre a Segunda Guerra Mundial e sempre ouço que pouco tempo é dedicado ao Holocausto", diz Salo Muller, que sobreviveu à guerra ao se esconder quando tinha 6 anos em 1942. Ele foi separado de seus pais após um ataque nazista e foi levado para a creche ao lado do museu, mas os combatentes da resistência o ajudaram a escapar. Ele nunca mais viu seus pais.

Após uma recente visita particular ao museu antes de sua abertura ao público, Muller disse que se sentiu muito emocionado. "Quando ando por lá, muitas coisas passam pela minha cabeça", afirmou. "Minha família estava aqui e foi deportada. Meus pais, meus avós, meus tios e primos. Isso realmente me toca."

No final da coleção, que também inclui depoimentos em vídeo de sobreviventes, bem como fotos e vídeos de campos de extermínio, os visitantes finalmente encontram as fotos de passaporte das três pessoas anônimas que pediram para não ser esquecidas, mas cujos nomes foram perdidos para a história.

O museu usou esse imperativo —"lembre-se de nós!"— como parte de sua própria mensagem, diz Gringold, o curador. Quando o visitante se depara com esses três indivíduos, é quase impossível não se lembrar.

"Você não pode mais dizer que não sabia", afirma Gringold. "Agora você sabe."

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