Brasil não pode ser liberal num mundo protecionista, diz presidente da Usiminas

Executivo defende que o país adote medidas de defesa comercial em resposta a ações de Donald Trump

Sergio Leite de Andrade, presidente da Usiminas, para quem o crescimento brasileiro é insuficiente - Gabriel Cabral/Folhapress
Joana Cunha
São Paulo

Os próximos meses até a eleição serão de compasso de espera e freio nos investimentos, até que se defina o programa de governo que o país terá a partir de 2019, segundo Sergio Leite de Andrade, presidente da Usiminas.

Segundo o executivo, a recuperação da economia ainda não está firme o suficiente para retomar partes da capacidade produtiva da empresa que foram paralisadas no momento mais crítico da crise.

Em 2015 a Usiminas decidiu fazer um ajuste na configuração industrial e na capacidade produtiva, desativando temporariamente as áreas primárias da usina de Cubatão, com paralisação de altos-fornos, aciaria e outras atividades.

"O retorno das áreas primárias de Cubatão passa por uma recuperação mais robusta da economia brasileira. Os analistas projetam que o Brasil vai atravessar uma fase de crescimento nos próximos anos, mas no patamar de 3% ao ano, que, para nós, é muito baixo."

Para ajudar o Brasil a enfrentar a escalada da guerra comercial e do protecionismo nas relações internacionais, Andrade --hoje também vice-presidente do conselho Instituto Aço Brasil, que reúne as siderúrgicas, e prestes a assumir a presidência da entidade em agosto-- sugere que o governo brasileiro deveria pensar em "algum tipo de proteção de mercado".

"Nós não concordamos com essa onda de protecionismo no mundo. Mas não podemos deixar o Brasil aberto no momento em que os Estados Unidos se fechou, a Europa corre o risco de fechar. É uma forma de se defender", diz Andrade.

 

Desativação temporária

No auge da recessão brasileira, em janeiro de 2016, decidimos paralisar temporariamente as áreas primárias de Cubatão. Naquele momento, esse 'temporário' era de 3 a 5 anos porque esperávamos que a economia retomasse. Ela está retomando: saímos da recessão e há perspectiva de crescimento neste ano. No primeiro trimestre, a economia estava mais ativa. Mas a aceleração está diminuindo no segundo trimestre.

O retorno das áreas primárias de Cubatão passa por uma recuperação mais robusta da economia brasileira. Os analistas projetam que o Brasil terá uma fase de crescimento nos próximos anos, mas no patamar de 3%, que para nós é muito baixo. Com isso vai demorar um pouco para tomarmos a decisão de retorno das áreas primárias de Cubatão. Desejamos que elas retornem e estamos estudando isso. Mas, em 2018, não temos condição de tomar essa decisão porque estamos percebendo que o ritmo de crescimento da economia não nos atinge.

Compasso de espera

Tem uma outra preocupação da maioria dos empresários. Há muitos investimentos programados para o Brasil, mas a grande maioria dos empresários está esperando para ver o desenrolar dos acontecimentos e quem será o próximo presidente para conhecer o programa de governo que vai ser implementado a partir do ano que vem. É um fato.

E eu falo por experiência nossa: estamos tocando um programa de investimento no patamar de R$ 500 milhões, mas são investimentos em manutenção da capacidade produtiva, para manter as operações. Investimento para expandir, nada. Até porque estamos com capacidade ociosa grande. Mas até investimentos para melhoria de mix, para agregar valor ao produto, nós na Usiminas vamos esperar, assim como muita gente com quem eu converso. As decisões hoje são de espera. E em termos de investimento nem é tanto tempo. Vai esperar seis ou nove meses.

Donald Trump

Não apoiamos protecionismo, de forma nenhuma. Defendemos a isonomia nas relações comerciais, que é o que defende a OMC (Organização Mundial do Comércio). É o princípio do próprio equilíbrio mundial. A decisão do presidente Donald Trump vai contra todo aquele arcabouço de normas e conceitos que regem a OMC, tanto é que ele arguiu questões de segurança nacional, exatamente para poder não conflitar diretamente, mas já há um conflito. A ação de Trump é de protecionismo que desequilibra o comércio internacional de aço.

Cota ou sobretaxa

[A guerra comercial entre Estados Unidos e China em torno do aço] tem um impacto direto negativo para o Brasil, que vai ser minimizado nesse processo de negociação de cotas [para limitar a venda de aço aos EUA], que está em fase final. Encaro [as cotas impostas ao Brasil] como pragmatismo, busca de entendimento e construção.

O que se tem que evitar no mundo de hoje é o confronto. Nós vimos as consequências [da retirada dos EUA] do acordo nuclear com o Irã. O confronto não leva a nada. Temos que buscar o equilíbrio, e neste momento a margem de negociação é essa que o governo brasileiro tem, assim como a Austrália, a Coreia e a Argentina fizeram. É tentar construir alguma solução que não é a melhor, que está dentro de um arcabouço protecionista, mas aproxima as ações.

O mercado se fechou para nós, não tenha dúvida. Nós vamos exportar menos, mas é melhor do que não exportar nada ou pagar 25% [de sobretaxa no volume exportado]. Mas traz um desequilíbrio. O maior impacto é o desvio de comércio. Os países que vão ficar impedidos de penetrar no mercado americano vão buscar exportar para outros.

Protecionismo no Brasil

O Brasil hoje é um país que não se preocupa com defesa comercial. As ações de defesa comercial no Brasil são muito tênues. Trump está trazendo de volta ao mundo o nacionalismo e ele tem apoio internamente. Precisamos que o governo brasileiro tenha um olhar diferenciado seguindo o que está ocorrendo no mundo.

Não concordamos com essa onda de protecionismo no mundo, mas não podemos deixar o Brasil aberto no momento em que os EUA se fecharam, a Europa corre o risco de se fechar. Olhe o mercado brasileiro. Olhe sob a égide da própria OMC. O que tem que ser feito para proteger o mercado brasileiro no momento em que os outros países estão se mobilizando?

O que nós defendemos é algum tipo de proteção de mercado. É a forma de você se defender. No mundo de protecionismo, nós não podemos querer que o Brasil seja um mundo liberal, de mercado aberto. Por exemplo, de repente, vamos analisar salvaguardas para indústria do aço e do alumínio no Brasil? Igual a Europa está analisando.

Pode ser aplicação de sobretaxa, em que todo aço importado no Brasil teria uma sobretaxa de 25%, não sei. [É uma ideia] aleatória porque esse tema, infelizmente, não está na pauta de discussão com o governo brasileiro. O governo não está sensível a isso, mas acho que deveria.

Câmbio em alta

Quando o real se desvaloriza, impacta o equilíbrio de preços do mercado interno. Se, por um lado, gera alta de custo de matéria-prima, por outro, impacta também a receita em reais. Há alguns anos, quando o câmbio estava mais perto de R$ 2, nossa visão era a de que um câmbio ideal seria entre R$ 3 ou R$ 3,5.

A concorrência [entre empresas de siderurgia] está muito forte. Na nossa visão, nós teríamos espaço para subir preços em junho. Mas, para ocorrer o aumento de preços, não poderíamos ter uma situação de mercado com esse nível de concorrência que estamos observando hoje, em que a pressão é muitas vezes para baixar preço. Estamos vivendo um momento delicado em relação a isso. A posição da Usiminas hoje é a manutenção de preços, e estamos analisando isso. Com a valorização do dólar, a perspectiva de um aumento cresce.


Raio X

Sérgio Leite de Andrade, 64

Diretor-presidente da Usiminas, é vice do conselho diretor do Instituto Aço Brasil, do qual é membro desde 2008. Também é membro do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais, do qual também foi diretor por dois mandatos; é graduado em engenharia metalúrgica pela UFRJ e mestre pela UFMG; tem especializações como engenheiro e auditor da qualidade pela American Society for Quality e pela Associação Brasileira de Controle da Qualidade

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