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Facebook enfrenta batalha difícil para reconquistar confiança

Escândalo de fabricantes de hardware não ajuda recuperação da empresa

Hannah Kuchler Barney Jopson
Financial Times

As ações do Facebook se recuperaram da queda sofrida desde que o grande vazamento de dados de usuários para a Cambridge Analytica foi revelado, em março —mas reconquistar a confiança dos acionistas e dos legisladores está se provando bem mais difícil.

A maior rede social do planeta confirmou na terça-feira que a Huawei, da China, era um dos 60 fabricantes de hardware com quem ela compartilhou dados de usuários, como parte de parcerias que permitiam que eles criassem experiências "semelhantes ao Facebook".

Três outras empresas chinesas —Lenovo, Oppo e TCL— tinham parcerias semelhantes com o grupo americano, em um momento no qual os Estados Unidos vêm tentando restringir o uso de equipamentos da Huawei nas redes de telecomunicações e bases militares do país, por conta dos elos entre a empresa e o Partido Comunista da China.

O Facebook insiste em que não existem provas de uso indevido dos dados, que em muitos dos casos, entre os quais o da Huawei, ficavam armazenados nos aparelhos dos usuários e não nos servidores dos parceiros. A Huawei diz jamais ter recolhido ou armazenado dados sobre usuários do Facebook.

Mas as revelações criaram novos problemas para o Facebook em Washington, onde nos últimos 18 meses a companhia decaiu de estrela da tecnologia a pária, em meio a revelações sobre a interferência russa na eleição americana de 2016 e sobre as práticas frouxas de proteção à privacidade dos usuários adotadas por ela.

O compartilhamento de dados com quatro empresas chinesas pela primeira vez arrastou a companhia a um debate mais amplo de segurança nacional sobre os elos entre empresas americanas e a China, e gerou críticas de legisladores americanos, que acusaram Mark Zuckerberg, o presidente-executivo da companhia, de falta de franqueza.

O compartilhamento de dados foi revelado por uma reportagem do jornal The New York Times, e Mark Zuckerberg não o mencionou voluntariamente em suas 10 horas de depoimento ao Legislativo americano, em abril. Dois dos legisladores que comandaram o interrogatório de Zuckerberg o criticaram na quarta-feira por não ter informado ao Congresso sobre o compartilhamento de dados com empresas chinesas.

Em um comunicado conjunto, o que é muito raro, Greg Walden, o presidente republicano do comitê de comércio e energia da Câmara dos Deputados, e Frank Pallone, o líder da bancada democrata no comitê, declararam que "em nossa audiência com o presidente-executivo Mark Zuckerberg, membros do comitê, de ambos os partidos, fizeram perguntas diretas sobre o compartilhamento de dados pessoais de usuários do Facebook com terceiros. Claramente, as parcerias da empresa com empresas chinesas de tecnologia e outros deveriam ter sido reveladas ao Congresso e ao povo dos Estados Unidos.

"O espírito de nossas questões sobre o acesso de terceiros a dados sobre os usuários não deveria ter requerido conhecimento técnico sobre os detalhes dos acordos legais do Facebook com os fabricantes de hardware para levar respostas claras ao público", afirma o comunicado.

Jim Lewis, analista do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, uma organização de pesquisa, disse que esse tipo de compartilhamento de dados era prática comum nos negócios mas que seu uso em parcerias  com empresas chinesas despertava um conjunto único de questões.

"O governo chinês pode ter acesso a esses dados sempre que quiser. Nenhuma empresa chinesa é capaz de resistir às suas demandas. E eles poderão usar esses dados para fins de inteligência, se assim desejarem. Com certeza é isso que vêm fazendo já há alguns anos —recolhendo montanhas de dados", ele disse.

Bill Nelson, líder dos democratas que integram o comitê de comércio do Senado, que recebeu o presidente do Facebook para uma audiência em abril, disse que "é dificil saber o que é verdade, agora, especialmente depois que Zuckerberg nem mesmo mencionou que o Facebook tinha diversas parcerias de compartilhamento de dados, em seus recentes depoimentos ao Congresso. E agora descobrimos que ele deu aos chineses acesso aos dados dos usuários. O que descobriremos a seguir?"

O Facebook argumenta que as parcerias de compartilhamento de dados com os fabricantes de hardware são muito diferentes das que a empresa mantêm com desenvolvedores externos de apps, nas quais ela admite que a proteção que oferecia à privacidade dos usuários era insuficiente. Nas parcerias com os fabricantes de hardware, a empresa trabalha em estreito contato com os parceiros, e os dados eram usados para mostrar uma versão do Facebook, e não para publicidade ou para criar perfis dos usuários.

Marco Rubio, senador republicano pela Flórida, afirmou no Twitter que isso "poderia ser um grande problema", e que, se o Facebook concedesse à Huawei acesso especial aos dados sociais de usuários americanos, estaria na prática oferecendo esse acesso diretamente ao governo da China.

Enquanto os políticos expressavam frustração com o que veem como falta de franqueza de Zuckerberg, muitos acionistas comuns votaram contra os gestores da empresa em uma tensa assembleia anual de acionistas na quinta-feira passada, cujos resultados foram publicados nesta terça-feira.

James McRitchie, acionista que apresentou uma proposta para que a empresa adotasse regras de voto por maioria simples, declarou na assembleia que o Facebook corria o risco de se tornar "uma ditadura empresarial".

Os acionistas que detém ações de classe A recebem apenas um voto por ação, mas os detentores de ações classe B, que são dirigentes da empresa e membros de seu conselho, recebem 10 votos por ação.
Uma proporção significativa dos acionistas com ações ordinárias classe A optou por não votar em apoio a Zuckerberg e à vice-presidente de operações Sheryl Sandberg, se presumirmos que todos os gestores e conselheiros votaram em favor de todos os atuais membros do conselho. Não é a primeira vez que os dois principais executivos da empresa enfrentam rebeliões contra sua recondução.

Os acionistas também apresentaram propostas para pressionar a direção do Facebook a antecipar melhor os possíveis problemas antes que eles se manifestem, solicitando a criação de um conselho de administração de risco e um relatório de administração de conteúdo. O conselho recomendou a rejeição de ambas as propostas.

Jonas Kron, vice-presidente da Trillium Asset Management, que propôs a criação do conselho de administração de riscos, disse que este ano era "decisivo para o Facebook".

"As más notícias continuaram a surgir esta semana, quando vimos reportagens de que o Facebook violou a privacidade dos usuários ao compartilhar de seus dados com fabricantes de hardware, entre os quais o grupo chinês Huawei. Dinheiro e recursos consideráveis estão sendo dedicados a resolver a constante litania de problemas, e é hora de adotarmos medidas proativas de governança, a fim de colocar o Facebook em um caminho melhor", ele disse.

Depois das revelações sobre a Cambridge Analytica, o controlador das finanças municipais de Nova York, que fiscaliza os fundos de pensões dos funcionários da cidade, e o tesoureiro estadual do Ilinois apelaram pela renúncia de Zuckerberg ao seu posto de chairman executivo, de forma a forçá-lo a prestar contas ao conselho de maneira mais rigorosa.

Grandes administradores de ativos devem ter apoiado os ativistas, para promover tamanha rebelião na assembleia, disse Michael Connor, diretor executivo da Open Mic, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com acionistas quanto a problemas das empresas de tecnologia.

"Não há como negar os avanços em curto prazo das ações da empresa, mas existem riscos para ela em prazo mais longo", ele disse. "O resultado das votações na assembleia não teria sido esse sem o apoio de alguns grandes administradores de ativos, e por isso elas refletem algumas, preocupações reais".

Natasha Lamb, sócia administradora da Arjuna Capital, que apresentou uma proposta para melhorar a administração do conteúdo e uma proposta para que a empresa divulgue números sobre a disparidade de pagamentos entre homens e mulheres, disse que o Facebook precisava ouvir os investidores.

"Os acionistas estão enviando uma mensagem clara: fingir que as coisas estão normais não está mais funcionando. Além disso, a governança atual é uma ameaça à viabilidade da empresa em longo prazo", ela disse. "É hora de o Facebook optar pela transparência e pela prestação de contas aos investidores, em lugar do pulso de ferro de Zuckerberg".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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