A próxima onda de inovação terá o cérebro como protagonista, diz a presidente executiva da ABA

Esta é a 12ª entrevista de Flavio Ferrari em uma série de encontros para o livro 'Atitude Digital'

Flavio Ferrari
São Paulo

Desde que assumiu a posição de Presidente Executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) em 2014, com a missão de reestrutura-la, Sandra Martinelli não para. Acredito que não tenha sido diferente nos sete anos em que atuou como Superintendente Executiva de Marketing do Santander ou nos dois anos seguintes, como Diretora de Estratégias de Relacionamento e Ativação na Grey, antes de assumir a presidência da associação.

Fato é que, mesmo em férias, Sandra se dispôs a compartilhar suas ideias e opiniões, respondendo a uma série de perguntas relacionadas às oportunidades e desafios dos anunciantes no cenário digital.

Sandra Martinelli, presidente Executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes)
Sandra Martinelli, presidente Executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) - Divulgação

Como não poderia deixar de ser, suas respostas inteligentes, objetivas e instigantes, abordando a relevância do ambiente digital, a preocupação com a segurança das marcas, o contato direto com consumidores e a importância da colaboração entre os parceiros do ecossistema digital, merecem a leitura atenta.

 

Quais são as maiores preocupações dos anunciantes no contexto digital? 

“O ambiente digital é elemento crucial na estratégia de qualquer anunciante. Entre as oportunidades que ele proporciona está a ampliação significativa dos pontos de contatos com os consumidores e, consequentemente, crescem exponencialmente os momentos de interação e experiências das pessoas com as marcas. Esse é o ponto mais positivo do avanço digital e os gestores de marketing devem estar cada vez mais focados nessas experiências. Estive recentemente em dois dos mais importantes eventos globais da nossa indústria. No mês de maio, tivemos o Global Marketer Week (GMW 2018), que é o principal encontro anual da WFA – World Federation of Advertisers, realizado em Tóquio. Já em junho pude acompanhar o Cannes Lions 2018.

Nessas duas ocasiões, ficou muito claro que as estratégias devem estar concentradas nas pessoas e suas experiências, considerando sempre a relevância que a marca deve ter para fazer parte da vida dos consumidores e merecer sua atenção, a partir de propósito e posicionamento claros. Entendo que o momento é de tentativas e descobertas constantes, mas essas diretrizes que citei não podem ser deixadas à margem.

Paralelamente, há imensos desafios, pois vivemos o momento de maior desconfiança na publicidade digital em toda a sua história. Esse movimento impacta a audiência, com questões ligadas ao uso de dados, privacidade e notícias falsas (fake News), por exemplo.

Já os executivos de marketing lutam para minimizar os riscos inerentes às atividades de mídia digital, que não trazem segurança à imagem e reputação das marcas, usando critérios de segurança das marcas (brand safety) como estratégias de mitigação desses riscos. Em todos os casos, a busca pela transparência é decisiva nessa equação. A nova Regulação Geral de Proteção de Dados (GDPR, da sigla em inglês), implantada no final de maio na União Europeia, com impactos diretos no Brasil, como se pode observar através da ampla disseminação e recomendações realizadas localmente, comprova o peso que a transparência tem no cenário atual. O sucesso do futuro da comunicação e marketing no ambiente digital passa necessariamente pelos anunciantes saberem lidar bem com as mudanças organizacionais necessárias para se adaptar ao novo quadro.”

O que você considera como atitude adequada para o profissional de marketing e comunicação nesse contexto?

“O momento é extremamente desafiador para os profissionais de marketing, mas também muito estimulante devido a todas as possibilidades para trabalhar. Eles precisam ter o consumidor no centro das suas atenções, acredito que essa visão é unânime, e não há nenhum profissional dentro das organizações mais capacitado que os de marketing, para interpretar a voz dos consumidores. Além disso, com as rápidas e contínuas transformações, em grande parte proporcionadas pela evolução digital, é mais necessário do que nunca estar se atualizando e demonstrar poder de adaptação às novas ferramentas e hábitos dos consumidores. Durante o ENA - Encontro Nacional de Anunciantes, deste ano, que a ABA realizou em junho, ficou muito perceptível a necessidade de os gestores de marketing promoverem experimentações e conduzirem suas equipes internas e parceiros para fora das caixas e silos, abusando da criatividade. Esse caminho enfrenta resistências e, eventualmente, é preciso lidar com alguns erros. Porém, é a melhor alternativa para gerar diferenciais competitivos e, principalmente, inovar. Outro ponto crítico com o qual os profissionais da área precisam lidar, além de explorar as ferramentas digitais e os dados, é o ROI. No contexto atual é essencial comprovar o retorno de todos os recursos investidos em marketing, bem como construir marcas visando impactos positivos nos negócios. Por fim, está despontando a demanda por uma habilidade especial nos gestores de marketing em fortalecer a relação com os parceiros, sejam agências ou editores (publishers). A colaboração entre os parceiros é primordial para alcançar o sucesso, em um ecossistema digital que ainda precisa de maior abertura e transparência entre todos os participantes.”

Qual deve ser o papel das associações e entidades de classe nesse cenário? Como elas podem contribuir para o sucesso de seus associados e o desenvolvimento do mercado?

“A ABA tem muito claro seu papel desde que assumimos o compromisso público de mobilizar o marketing para transformar os negócios e a sociedade, em setembro do ano passado. Acreditamos que o marketing pode ser o protagonista na construção de uma sociedade mais consciente e responsável no consumo, bem como no seu potencial para avançarmos em direção a um futuro de possibilidades e prosperidade para a sociedade. Isso se dá por meio da eficiência e criatividade e fomentamos esse caminho disseminando as melhores práticas em cada um dos nossos pontos de contato e liderando uma agenda positiva e colaborativa com foco na transformação. Desta forma, podemos impulsionar o crescimento dos negócios alicerçados em ética, transparência e autenticidade. Essa construção coletiva que estamos buscando ainda é importante para antecipar soluções para alguns dilemas dos anunciantes, muitos deles decorrentes dos avanços digitais. Nesse contexto, desenvolvemos frentes baseadas em temas estratégicos e uma delas é dedicada exclusivamente à tecnologia e seu impacto na comunicação e marketing. A Associação possui em seus fóruns os principais setores da economia reunidos, englobando algumas das principais áreas das organizações. Assim, temos condições de conduzir as discussões em torno de aspectos éticos, sociais, econômicos e técnicos da comunicação e do marketing. Estamos trabalhando intensamente para explorar ao máximo o potencial dessa característica singular da ABA.

Apenas para me ater ao universo digital, citarei o desenvolvimento de alguns documentos, por meio dos nossos Comitês Especialistas, que orientam os associados para lidar com importantes desafios. Desenvolvemos, por exemplo, documentos de posicionamento (papers) sobre youtubers mirins: “Boas Práticas – 10 Princípios da Publicidade Responsável nos Meios Digitais”. Debatemos ainda em nossos fóruns questões ligadas às redes sociais e influenciadores, pontos que estão em grande evidência.

Mais recentemente, nosso Comitê de Mídia trabalhou com a WFA e suas lideranças internacionais do marketing no desenvolvimento do Global Media Charter, lançado no GMW 2018 e focado na criação das condições necessárias para que o ecossistema do marketing digital possa ser melhor e mais equilibrado, oferecendo tudo o que pode às marcas e aos consumidores. O documento propõe oito princípios de parceria que exigem ação dos anunciantes e de toda a cadeia de valor da mídia digital em questões como a tolerância zero para fraudes (ad fraud); proteção rigorosa à segurança das marcas; estabelecimento de limites mínimos de visibilidade (viewability); transparência em toda a cadeia de suprimentos, incluindo o uso de dados; implementação de verificação e medição por terceiros; abertura no ecossistema para o livre uso de plataformas de compra de terceiros em qualquer ambiente, proporcionando melhor controle dos gastos; melhora nos padrões com transparência de dados; e a adoção de medidas efetivas para melhorar a experiência do consumidor.

Dessa forma, contribuímos efetivamente para que os anunciantes sejam bem-sucedidos em suas jornadas, bem como para que o mercado tenha melhor desenvolvimento, tornando-se mais forte e sustentável.”

Como é que você, pessoalmente, vê a transformação digital?

“A transformação digital já se tornou um movimento natural que impacta a todos nas atividades profissionais e pessoais. Trata-se de um verdadeiro fenômeno em andamento e vejo uma ligação direta dele com o marketing. Penso que essa transformação, embora desafiadora, é absolutamente estimulante para todos que atuam nessa indústria. Temos novos canais e formas de gerenciamento de mídia, além de agências em evolução para atender a essas demandas. Isso trouxe um novo e incrível horizonte para a gestão das marcas (branding), tornando a construção de marcas fortes e sólidas viável para empresas de todos os segmentos e portes. Dentro dessa nova ordem mundial, o mínimo que o consumidor espera de suas marcas preferidas é que elas sejam digitais também. Não há receitas prontas, mas enxergo ampla gama de alternativas para abordagens eficientes e mensuráveis. Tenho convicção de que os anunciantes já entenderam que responder bem aos novos cenários é uma questão de sobrevivência e estão buscando as habilidades necessárias para responder a essa transformação.

Em Cannes, fiquei fascinada ao constatar que caminhamos rapidamente para um mundo de objetos conectados e cidades inteligentes. Essa conectividade terá impacto na economia e influenciará a vida da população mundial, com presença crescente no uso de dados e dispositivos móveis. Contudo, o futuro da nossa indústria não significa somente tecnologia. Alguns debates dos quais participei sinalizam que a próxima onda de inovação no mundo terá o cérebro como protagonista a partir da criatividade. Ou seja, o futuro depende do casamento entre o ser humano e a tecnologia e temos que trabalhar para que essa união seja próspera e duradoura. Estarmos prontos para esse novo momento não é fácil, mas como ouvi dos japoneses no Global Marketer Week: se houver preparação, não há nada a temer.”

Flavio Ferrari é consultor e palestrante em comunicação, inovação e transformação digital. Foi diretor dos institutos Kantar Media (Ibope), Ipsos e GfK. Esta entrevista faz parte de uma série de encontros para o livro "Atitude Digital", com o apoio da ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes)

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.