Descrição de chapéu

Governo é o ilustre ausente no anúncio do acordo Boeing-Embraer

Ordem no Planalto é esperar ajuste fino e avaliações técnicas para então se pronunciar

Igor Gielow
MURMANSK

Após longos 11 parágrafos do comunicado em que são delineados pontos da compra da linha de aviação regional da Embraer por parte da americana Boeing, surge a expressão “governo brasileiro”, como um dos acionistas interessados que terá de aprovar o negócio.

A ligeireza contrasta com a reação do presidente Michel Temer ao saber, por meio da imprensa, que ambas as empresas estavam conversando de forma avançada sobre associar-se. Naquele fim de dezembro de 2017, Temer foi assertivo e disse que não venderia a Embraer nunca.

Na realidade, o governo já tinha vendido a empresa em 1994, mas o que o presidente quis dizer é que ele vetaria a perda de controle acionário nacional fazendo uso de sua ação de classe especial, a “golden share”. Também era uma meia verdade, já que o capital da Embraer é muito pulverizado e fundos estrangeiros são dominantes na composição de sua carteira. Mas o recado político havia sido dado.



Os americanos não gostaram, mas entenderam. Com os brasileiros, sentaram-se várias vezes à mesa de negociação ao longo de seis meses com um grupo de trabalho montado pelo Planalto, com representantes da Defesa, Fazenda, BNDES e Aeronáutica. Foi aí que as diversas arestas foram sendo aparadas, até chegar ao formato que foi parcialmente revelado nesta quinta (5).

O primeiro e mais importante óbice havia sido colocado pelos militares, que não aceitavam que a Boeing comprasse toda a Embraer, como queria no começo. Isso porque perderiam o controle sobre decisões estratégicas de projetos importantes —um novo avião encomendado à Embraer, por exemplo, poderia ser submetido à aprovação do Congresso americano. A Boeing disse que daria garantias, mas acabou cedendo.

Enquanto isso, o tom político da discussão deu lugar a argumentações técnicas. Em ano eleitoral, cuja contaminação já inviabilizou a proposta de privatização da Eletrobras, o governo temia ser responsabilizado pelo fracasso nas negociações de um acordo que avalia bom para a empresa brasileira.

Presidenciáveis como Ciro Gomes (PDT) já disseram que vetariam o negócio, o que faz o prazo de até 18 meses para a conclusão das negociações após a aprovação do negócio algo um tanto vulnerável no arcabouço institucional brasileiro.

A ordem no Planalto agora é não fazer marola. Esperar os três ou quatro meses de ajuste fino e avaliações técnicas do negócio para então se pronunciar quando a questão chegar ao Conselho de Administração da Embraer. A União tem uma das dez cadeiras no colegiado, com poder de veto da “golden share”. Terá 30 dias para se pronunciar a partir do recebimento formal da proposta.

Se for aprovado, dificilmente um novo governo conseguiria reverter a decisão. Mas a turbulência política que um presidente contrário à nova empresa causaria já parece estar em parte projetado na queda das ações da Embraer após o anúncio do acordo.

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