Sem apresentar estudos, Moreira Franco anuncia leilão de energia no NE

Projeto pode elevar conta de luz em R$ 2 bilhões e desestruturar planejamento do sistema elétrico brasileiro

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São Paulo

Sem apresentar estudos técnicos, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco (MDB-RJ) anunciou, nesta quinta-feira (6), a realização de leilões regionais para contratar usinas a gás natural, que poderá elevar a conta de luz dos consumidores em R$ 2 bilhões. 

As usinas substituiriam térmicas a óleo diesel, cujos contratos vencem entre 2022 e 2024. O primeiro leilão seria realizado no Nordeste.

O projeto é controverso. No fim de julho, a Folha mostrou que havia uma queda de braço dentro dos próprios órgãos do setor elétrico, em que empresas do setor de óleo e gás e políticos do Nordeste pressionavam pela realização do certame.

O problema, porém, vai além de uma possível alta nas tarifas. 

Analistas do setor questionam a ideia de fazer leilões regionais e dizem que a mudança pode desestruturar todo o planejamento do setor elétrico do país. 

“Muda-se completamente a dinâmica do sistema. Tem que ter estudos que justifiquem isso”, afirma José Rosenblat,  diretor da consultoria PSR, especializada no setor elétrico.

Ao longo das últimas semanas, a Folha tem solicitado ao Ministério de Minas e Energia e à EPE os estudos técnicos sobre o tema, mas até agora nenhuma análise foi enviada. 

Ministro de Minas e Energia, Moreira Franco
Ministro de Minas e Energia, Moreira Franco - Reinaldo Canato/Folhapress


Especialistas do setor também dizem que não viram, até agora, nenhuma justificativa técnica para o leilão regional.

“A ideia de autossuficiência energética vira de cabeça para baixo o sistema, que sempre foi planejado para ser interligado [por linhas de transmissão]. Estramos retroagindo. Para ser assim, teria que ter uma discussão mais ampla”, afirma Edvaldo Santana, presidente da Abrace e ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). 

A ideia de autossuficiência energética tem sido defendida pelo atual presidente da EPE, Reive Barros. 

A ideia, porém, é questionada. Para Santana, o modelo de sistema interligado por linhas de transmissão —em que a energia não precisa necessariamente ser gerada na região de consumo— traz mais segurança energética, pois permite balancear crises locais de desabastecimento trazendo energia de outras regiões.

"A interconexão dos sistemas elétricos, por meio da malha de transmissão, propicia a transferência de energia entre subsistemas, permite a obtenção de ganhos sinérgicos e explora a diversidade entre os regimes hidrológicos das bacias. A integração dos recursos de geração e transmissão permite o atendimento ao mercado com segurança e economicidade", diz a página oficial da ONS (Operador Nacional do Setor Elétrico).

“[Com a autossuficiência] Pode-se criar nichos de mercado que não necessariamente tornam a energia mais competitiva”, diz Rosenblat.

A consultoria ainda não fez cálculos de comparação de preço entre as opções, mas diz que as térmicas que estão sendo propostas —chamadas inflexíveis, ou seja, que operam durante a maior parte do tempo e não apenas quando necessário— podem ser mais caras que as térmicas a gás que hoje são utilizadas. 

Também não há certeza se serão mais baratas do que as próprias térmicas a óleo que o governo quer substituir. 

A confirmação do leilão foi dada após uma reunião entre Ministério de Minas e Energia, EPE, Aneel e ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis).

Ainda não está claro, porém, como será a forma de contratação e qual será seu impacto na tarifa de luz. 
O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, já descartou o plano inicial de fazer um leilão de reserva: tipo de certame em que o governo compra a energia que será gerada para viabilizar o empreendimento e repassa os custos para a conta de luz de todos os consumidores —famílias e empresas.

Esses custos são estimados em R$ 2 bilhões, segundo a Abrace (associação de grandes consumidores de energia).

No entanto, especialistas do setor afirmam que não haveria outro modelo possível no curto prazo. 

A segunda opção, fora o leilão de reserva, seria um leilão de energia nova, que depende da demanda de distribuidoras.

Segundo os órgãos envolvidos, ainda não há confirmação de que essa demanda existe. Ainda estão sendo feitas reuniões com as distribuidoras para avaliar o tema. 

Analistas avaliam que, devido à lenta retomada da economia e a previsão de entrega de empreendimentos nos próximos anos, as distribuidoras já estão sobrecontratadas.

Segundo o ministério, o leilão ajudaria a diminuir os preços de energia elétrica para o consumidor e ajudaria a fomentar o aproveitamento do gás natural produzido no Brasil, “especialmente na região do pré-sal e no Nordeste”.

A ideia é contratar usinas movidas a gás importado (o chamado GNL, gás natural liquefeito) que, no futuro, seria substituído pelo gás doméstico quando os projetos de produção estiverem concluídos.

As agências reguladoras vão recolher contribuições públicas para avaliar como essa substituição, que ocorreria no meio do contrato, poderia ser feita.

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