Descrição de chapéu Eleições no México

Violência, energia e falta de água desafiam México como polo de exportação

País se tornou referência na realocação de cadeias produtivas, mas tem obstáculos que podem desidratar essa capacidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cidade do México

Quando questionados sobre o nearshoring, a estratégia cada vez mais comum de mover as linhas de produção para perto do consumidor final, empresários e diplomatas do México respondem quase em uníssono: "Ocorreu a despeito do governo, não devido a ele."

É, afinal, uma crítica corriqueira de que, ainda que venha se tornando uma plataforma de exportação e sendo alçada ao posto de principal exportadora dos EUA, a segunda maior economia da América Latina não tem um plano sustentável para essas características.

Funcionário trabalha em fabrica de peças automotivas que exporta para os Estados Unidos, na perigosa Ciudad Juarez, no México
Funcionário trabalha em fábrica de peças automotivas que exporta para os Estados Unidos, na perigosa Ciudad Juarez, no México - Jose Luis Gonzalez - 26.set.23/Reuters

São alguns os desafios mencionados: além de uma crise de segurança generalizada, que em algum nível atrapalha a instalação de plantas industriais em alguns pontos do país, há um problema crônico de estresse hídrico e um cenário não tão favorável para a energia limpa.

As maiores eleições da história do México batem à porta, e esse é um dos temas centrais. Em 2 de julho, empresariado e cidadania também querem saber quem será capaz de impulsionar o nearshoring e fazê-lo gerar mais empregos num país cujo bônus demográfico (a janela de oportunidade econômico-social aberta quando há uma boa massa de população em idade de trabalho) dura cerca de 15 anos mais.

Em grande medida, essa capacidade mexicana de atrair investimento externo e linhas de produção é fruto da enorme fronteira terrestre com os EUA e das rusgas entre Washington e Pequim, que deslocaram as cadeias de produção. Mas também (ou essencialmente) do chamado T-MEC, o tratado de livre comércio que o país tem com EUA e Canadá desde 2020 e que substituiu o Nafta de uma maneira mais ambiciosa.

Com 16 anos de duração, esse acordo favorece de maneira tremenda setores como o automotivo. Uma vez que 75% dos componentes de automóveis exportados na região têm de ser produzidos nesses países, o México virou um parque de diversão.

Mas há aquela gama de desafios crônicos que se impõem e abrem a dúvida de como o cenário ficará a longo prazo caso algumas medidas amortecedoras não sejam colocadas em prática desde já.

Elas começam no abastecimento hídrico. Com uma localização que o coloca em zonas áridas e semiáridas, de chuvas escassas, e com a flutuação de padrões climáticos motivada por fenômenos como o El Niño, o México vive em uma constante crise de água.

Os últimos dados do governo, referentes ao mês de abril, mostram um país com ao menos 64% do território em seca moderada, sendo 30% em seca extrema. As consequências aparecem na casa dos cidadãos, com corte de abastecimento, mas também na energia elétrica.

Anos de secas consecutivas no México fizeram com que a geração de energia pelas hidrelétricas caísse 40% em 2023 em comparação com os dois anos anteriores, segundo um relatório da Agência Internacional de Energia. Isso em um momento no qual, guiado pela industrialização, o país tem uma demanda energética crescente.

Mais: o impacto da seca foi tamanho que as hidrelétricas marcaram queda de 9% na energia produzida em relação a 2019, aquele que foi o ano com a menor geração hidrelétrica da história recente.

No tema da energia, os indicadores mexicanos tampouco são favoráveis para um cenário global de intensa crise climática e de cada vez mais atenção a esse fator. Mais de 44% da energia usada no país tem origem no petróleo. Outros 39%, no gás natural. Em se tratando da energia produzida em solo mexicano, mais de 63% vem do petróleo.

Nesse sentido, uma reforma que o presidente Andrés Manuel López Obrador tenta colocar em prática a qualquer custo, mesmo após ter o conteúdo anulado pelo Supremo, não é animadora. AMLO, como é conhecido, quer retomar o controle estatal do setor elétrico.

Para isso, propõe que as companhias estatais CFE (Comissão Federal de Eletricidade) e a Pmex, petroleira, tenham preponderância em todos os contratos em detrimento de empresas privadas.

Os argumentos contra vão de A a Z: há quem lembre que uma medida assim poderia ferir os preceitos de livre competição da Carta Magna e há quem lembre o impacto climático: de acordo com os últimos dados, somente 24,4% do aporte de energia da CFE eram de fontes limpas.

Aqui pesa o tradicional discurso de AMLO em favor do que descreve como soberania nacional e uma acidez contra aquilo que é externo —à figura do chamado malinchismo, termo dicionarizado no país como a tendência a preferir o estrangeiro em detrimento dos compatriotas, algo parecido com o complexo de vira-lata no Brasil.

É um discurso de grande apelo popular.

Análises recentes do Fed (Federal Reserve), o banco central dos Estados Unidos, mostram que os impactos do investimento externo direto, talvez o principal indicador do efeito do nearshoring, têm sido bem mais comedidos do que diz o governo mexicano.

A última gestão, a de AMLO, assumiu o país com US$ 31,6 bilhões em investimento externo. No último 2023, foram US$ 36,1 bi. Mas o salto em números brutos não aparece em outro indicador importante: a parcela do PIB (Produto Interno Bruto) formada por esse investimento externo. Há um refluxo: em 2021 essa porção era de 2,7%. No ano passado foi de 2%.

"A incerteza das eleições, a falta de Estado de Direito, a violência generalizada e os desafios de infraestrutura são alguns dos pontos que têm afastado o investimento externo direto", diz à Folha o mexicano Luis Torres, economista sênior da unidade do Fed em Dallas e com passagem pelo Banxico, o Banco Central mexicano.

"O México nunca teve ações concretas no tema de ter uma real política industrial, nunca aproveitou as empresas estrangeiras de tecnologia que atuam no país", acrescenta.

A maior parte do investimento externo no país vem dos EUA (38%), seguido de Espanha e Canadá (10% cada). O Brasil aparece na longínqua 16ª posição, com 1,2% dos investimentos diretos no México.

Secretário de Economia de 2012 a 2018, o hoje deputado federal Idelfonso Guajardo diz que AMLO não aproveitou as oportunidades econômicas que foram o motor do México nos últimos cinco anos.

"A primeira coisa na qual estamos falhando é no Estado de Direito, ou seja, na garantia de que, uma vez que existe algum acordo, você não tente mudar as regras do jogo, como ocorreu quando se tentou mudar as regras do setor elétrico", afirma.

Foi durante a gestão de Guajardo na Economia que o T-MEC foi negociado e assinado. Acima, ele se refere ao alvoroço que a tentativa de reforma elétrica de AMLO gerou com seus parceiros EUA e Canadá, que se opuseram à concentração do setor nas mãos do Estado e disseram que isso violava o tratado de livre comércio.

"Obviamente esse tipo de medida retardou os investimentos em energias renováveis por parte do setor privado", diz.

Ainda que em breve deixe o governo (a reeleição é proibida no país), AMLO deixou no Congresso um projeto de lei que pode colocar novamente em voga a sua reforma. Caberá aos futuros deputados e senadores e à futura presidente —ou a governista Claudia Sheinbaum, ou a opositora Xóchitl Gálvez— decidirem o que está por vir.

A jornalista viajou a convite da Fundação Konrad Adenauer (KAS)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.