Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Equipe de transição quer flexibilizar vinculação da educação e seguro-desemprego

Proposta é criar uma DRU Geral que não incidiria sobre a seguridade social mas arrecadaria mais

Catia Seabra Flavia Lima
São Paulo

O governo Michel Temer sugeriu à equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a desvinculação de praticamente todas as receitas que hoje têm destino obrigatório, até mesmo parte das verbas da educação e do seguro-desemprego.

O documento encaminhado à equipe de Bolsonaro não deixa claro se as verbas para a saúde seriam totalmente preservadas.

O Orçamento da União é dividido em duas partes: fiscal e seguridade social.

Atualmente, a chamada DRU (Desvinculação de Receitas da União) recai sobre as duas, permitindo ao governo federal gastar livremente 30% de contribuições cuja arrecadação hoje é vinculada por lei.

O documento, intitulado "Transição de Governo 2018-2019 - Informações Estratégicas", redigido pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, traz propostas de um novo arranjo.

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O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), se reuniu no início do mês com o atual presidente Michel Temer (MDB) para tratar do processo de transição do governo, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 7.nov.18/Folhapress

Uma DRU Geral —como foi batizado o novo instrumento— incidiria apenas sobre a arrecadação fiscal, que inclui contribuições sociais como PIS/Pasep, com 60% das receitas destinadas ao custeio do abono salarial e do seguro-desemprego, contribuições econômicas como a Cide e receita com exploração de petróleo.

Pela fórmula proposta, a DRU deixaria de ser aplicada sobre a arrecadação da seguridade social.

A mudança leva em consideração o fato de que a DRU tira recursos da seguridade social que acabam voltando para cobrir a mesma seguridade social.

Assim, a desvinculação de 30%, na prática, permite que o governo movimente apenas 13% dos recursos.

A DRU Geral também enfraqueceria críticas de que a seguridade social é deficitária porque perde recursos com a desvinculação de receitas.

Pelos cálculos apresentados no documento, uma DRU Geral de 15% já permitiria que a administração Bolsonaro gastasse livremente, pelo menos, R$ 18,2 bilhões que, por lei, teriam destinação obrigatória no ano que vem.

Atualmente, a DRU de 30% libera efetivamente R$ 15,5 bilhões.

Pelo novo modelo, apenas a receita da contribuição social do salário-educação, a arrecadação de impostos e as transferências para estados e municípios ficariam intactas.

O governo Temer fez quatro simulações para calcular o efeito dessa nova DRU.

No extremo, Bolsonaro poderá dispor de até R$ 30,3 bilhões caso opte pela desvinculação, via DRU Geral, de 25% das verbas carimbadas dentro do Orçamento fiscal.

Mantida a rigidez orçamentária, diz o documento, em 2021, o governo Bolsonaro teria liberdade sobre apenas 2% da receita.

Segundo o levantamento, o grau de rigidez não para de aumentar —passou de 85,6% das despesas primárias em 2001 para 93,7% em 2017.

A proposta de ampliação da desvinculação do Orçamento feita pelo governo Temer está em sintonia com o diagnóstico já feito pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.

O engessamento das despesas públicas é um problema que já chamou a atenção da equipe de transição e é alvo de preocupação de Guedes.

Em palestras a empresários e analistas financeiros, o economista já se manifestou contra a rigidez imposta ao Orçamento da União.

O documento encaminhado à equipe de Bolsonaro mostra preocupação especial com alguns gastos vinculados, como aqueles relacionados ao seguro-desemprego e ao abono salarial.

Segundo o texto, os déficits apresentados pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) desde 2009 devem-se especialmente ao incremento das despesas com pagamento de seguro-desemprego e abono salarial. Isso, diz o documento, tem gerado sucessivas necessidades de aportes do Tesouro Nacional.

Em 2018, os gastos com seguro-desemprego e abono representam 75% das despesas do fundo e, pelas projeções, chegarão a 78%, em 2021.

Na área de educação, o documento toca em pontos sensíveis, como o fim do piso nacional do salário do magistério.

O texto propõe a regionalização do piso, que, desde 2008, é nacional, e um novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), condicionando o repasse da União à prova de eficiência.

A proposta, no entanto, elenca dificuldades a serem enfrentadas pelo futuro governo na tentativa de flexibilização do Orçamento.

Os riscos mapeados pelo atual governo incluem resistência dos órgãos setoriais atingidos e o fato de serem temas impopulares capazes de impactar os índices de aprovação do sucessor.

Além disso, o documento alerta para o risco de questionamentos na Justiça, que retardem ou limitem os efeitos das medidas aprovadas, e ressalta que quase a totalidade das propostas dependeria também da aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição), que precisa ser aprovada por três quintos dos parlamentares em dois turnos na Câmara e no Senado.

"Há propostas complexas e que devem exigir maior negociação para não dividir a base de sustentação do novo governo no Congresso Nacional", diz o texto.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelas gestões do PT e de Michel Temer, o governo federal tem recorrido à DRU (Desvinculação de Receitas da União) para poder usar livremente parte do dinheiro.

Em suas palestras, Guedes defendeu um novo arranjo fiscal, com a descentralização de recursos e atribuições.

Ele disse que "a classe política só vai recuperar o protagonismo na condução das políticas públicas quando reassumir o controle do Orçamento da União com a desvinculação total, que liberaria recursos para estados e municípios".

Como a medida beneficia estados e municípios, espera-se apoio.

A proposta da nova DRU Geral consta do capítulo "Reformas Macrofiscais e Rigidez Orçamentária" do documento de 176 páginas encaminhada à equipe de transição.

O texto propõe também a redução imediata das despesas obrigatórias.

Em 2017, o total da despesa obrigatória alcançava R$ 1,165 trilhão, ou 17,6% do PIB, percentual equivalente a investimentos, além de representar 91,1% da despesa primária (que exclui o pagamento com juros).

Como o governo gasta mais do que arrecada, isso acaba gerando um rombo nas contas públicas, que, em 2017, ficou em R$ 124,2 bilhões.

As principais despesas obrigatórias que acarretam a rigidez do Orçamento da União estão relacionadas a gastos com pessoal, Previdência, saúde, educação, subsídios, subvenções, abono, seguro-desemprego e benefícios sociais previstos na legislação, como aqueles relacionados ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) e benefícios de natureza especial.

O documento destaca que benefícios previdenciários representam 34,2% das despesas obrigatórias, seguidos pelas despesas com pessoal (22,2%). Entre os alvos da nova DRU, o seguro-desemprego representa 3% dos gastos obrigatórios, enquanto o abono salarial corresponde a 1,3%.

O texto alerta para o fato de que, "se não forem adotadas medidas para reduzir esse peso da despesa obrigatória, ela comprometerá ainda mais o investimento público, o funcionamento da administração pública e a obtenção de resultados primários".

"Isso impactará diretamente o nível do endividamento público e sua sustentabilidade, afetando a confiança dos agentes, o equilíbrio macroeconômico e o PIB."

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