Tréplica: Debater com economistas neoliberais é perda de tempo?

Professores respondem à coluna de Samuel Pessôa de 21 de outubro

Marcio Pochmann Paulo Feldmann
São Paulo

O que caracteriza os economistas neoliberais é a crença de que o mercado é soberano e tudo pode e deve ser resolvido através dele.

São contra intervenções do Estado e acham que este só atrapalha e deve ou ser eliminado ou se limitar ao mínimo possível.

Às vezes são engraçados, como Samuel Pessôa em sua coluna de 21 de outubro, com sua insistência em encontrar erros nos cálculos que fizemos a respeito das formas para atenuar a péssima distribuição de renda no Brasil.

Por mais que tenhamos deixado bem claro que nossa proposta era a de elencar diversas alternativas que contribuiriam com a solução, sem ser, necessariamente, nenhuma delas a própria solução.

Samuel consegue escrever um artigo inteiro sobre o assunto sem propor absolutamente nada diferente do que propusemos.

Nós achamos que Samuel deveria tratar com mais seriedade esse que é um dos mais terríveis problemas do Brasil e que nos coloca entre os dez países de pior distribuição de renda do planeta, em conjunto com países africanos muito pobres. Mas, para ele, o problema está em que não sabemos fazer conta e que alguns de nossos cálculos estão errados.

O que fizemos foi colecionar saídas que estão sendo adotadas por outros países.

Para não cansar o leitor, não vamos repeti-las, mas relacionar outras e novas possibilidades, como passar a taxar lucros de empresas e dividendos recebidos por pessoas físicas. Aliás, isso existia no Brasil até 1995, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu alterar a legislação e eliminar a cobrança.

Graças a isso, desde aquela época o trabalhador com salário de R$ 5.000 ou o grande empresário que recebe R$ 100 milhões a título de lucros de sua empresa vão pagar a mesma quantia em seus respectivos Impostos de Renda. Alguém acha isso justo? Samuel provavelmente deve achar.

Antes de tudo, devemos esclarecer aos leitores que essa discussão começou quando fizemos nossas propostas para diminuir o valor do enorme déficit primário --R$ 160 bilhões em 2018-- e dissemos que este poderia ser até eliminado com uma mudança na forma de taxarmos famílias muito ricas em nosso país.

A literatura especializada é ampla, sobressaindo autores desde os tradicionais (C. Mills) até os recentes (T. Piketty).

Mas, como Samuel não gosta do sentido de nossas propostas, podemos oferecer nova alternativa para atacar o déficit primário através da taxação de lucros dos bancos, a exemplo de outros países.

Antecipa-se que neoliberais também odeiam mexer com bancos, mesmo sabendo que poderiam contribuir positivamente para a ampliação da arrecadação pública. Em 2017, o lucro de todos os bancos brasileiros foi de R$ 88 bilhões. Para este ano, pode alcançar o recorde de R$ 110 bilhões.

A simples adoção de tributo temporário de 50% sobre o lucro bancário renderia R$ 55 bilhões de recursos adicionais aos cofres públicos. Em três anos, mantida a lucratividade bancária, o montante arrecadado seria de R$ 165 bilhões (as contas estão certas, Samuel?), o suficiente para superar o rombo anual nas contas públicas.

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O primeiro ministro húngaro, Victor Orbán, em reunião da União Europeia, na Bélgica - Aris Oikonomou/Pool/Reuters

Se alguém achar que essa solução possa ser inviável, basta pesquisar o que a Hungria fez em 2011 para sair da crise que assolou todo o continente europeu. Não só foi o primeiro país a sair da crise; multou bancos por formação de cartel e passou a seguir bem até hoje, sendo Victor Orbán o primeiro-ministro que tomou medida heterodoxa, reeleito desde então.

Enfim, dileto Samuel, pode revisar nossos cálculos; e é até bom que o faça. Mas, por favor, proponha algo novo, pois a crise brasileira vai de mal a pior e não é em razão de preciosismos aritméticos que este país vai voltar a se desenvolver. Muito menos diminuir o fosso que segue separando ricos de pobres.

[A simples adoção de tributo temporário de 50% sobre o lucro bancário renderia R$ 55 bilhões aos cofres públicos

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