Empresas aéreas divergem sobre abertura ao capital estrangeiro no setor

Maior opositora, Azul diz ser preciso exigir reciprocidade para que brasileiros também controlem aéreas estrangeiras

Joana Cunha
São Paulo

A medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer nesta quinta-feira (13) para abrir espaço à elevação da presença de estrangeiros na aviação brasileira acentua divergência antiga entre companhias aéreas nacionais.

A Azul, avessa à mudança, disse que acompanha a notícia "com preocupação".

"Por não haver equilíbrio de concorrência e reciprocidade entre as companhias aéreas brasileiras e estrangeiras, a Azul se posiciona contrária à proposta e sustenta que a ausência de contrapartidas não trará benefícios para as empresas aéreas do Brasil", informou a empresa, em nota.

Em entrevista à Folha no final do ano passado, o presidente da Azul, John Rodgerson, disse que considera um erro liberar a entrada de estrangeiros no controle de empresas do setor no Brasil sem pedir reciprocidade. 

"Se querem 100% de capital estrangeiro aqui, então nos deixe abrir uma empresa aérea nos EUA com 100% de capital brasileiro. É recíproco. Os outros países não vão deixar. Eu não posso comprar a [portuguesa] TAP, por exemplo. Temos um pedaço dela, mas não podemos controlar. Mas a TAP poderia controlar a Azul? Não faria sentido", disse Rodgerson à Folha em dezembro de 2017. 

Na ocasião, o executivo afirmou que a mudança poderia ser prejudicial ao mercado brasileiro porque as empresas estrangeiras só trariam aeronaves para voar no Brasil quando o mercado estivesse rentável.

Já a Latam Airlines se posicionou favorável. Em nota, disse que a mudança "estimula o crescimento, gerando riqueza para o Brasil" porque se trata de um "setor que exige capital intensivo".

Em entrevista à Folha no final do ano passado, o chileno Ignacio Cueto, que é presidente do conselho do grupo Latam, afirmou que uma mudança na liberação de capital estrangeiro não é fundamental para a Latam. 

"Não digo que [a participação chilena aumentaria], nem que não aumentaria. Não é que perseguimos isso. Pode até ser que um concorrente queira [aumentar o capital estrangeiro e se beneficie disso]. O que defendemos é o destravamento de alguns elementos para que haja livre entrada de capitais", disse Cueto em dezembro de 2017.


Para especialistas, a medida corrigirá uma distorção que existe na indústria aérea brasileira, uma vez que todas as quatro grandes empresas já têm participação importante de estrangeiros e se desdobram para se manter dentro dos limites legais.

A abertura facilitará a chegada de concorrentes de fora do país por meio de investimentos nas aéreas já existentes ou iniciando novas operações, o que representará competição mais acirrada para quem hoje atua no mercado doméstico.

Por outro lado, a liberação para a entrada de novos recursos é bem-vinda, especialmente no momento em que o setor atravessa uma fase difícil, se recuperando da crise que o atingiu nos últimos anos.

A partir de 2014, a queda na procura por passagens levou as empresas a fazerem promoções e reduzirem a oferta de assentos e de rotas.

Nos piores anos da crise econômica no Brasil, houve movimentos de entrada estrangeira relevantes na Latam --que em 2016 anunciou acordo para a Qatar Airways comprar uma fatia da empresa por meio da emissão de novas ações-- e na Azul, que em 2015 anunciou a venda de quase 24% de seu capital não votante para o grupo chinês HNA.    

No caso específico da Avianca Brasil, em situação de recuperação judicial, um suporte de investidor estrangeiro, possibilitado pela medida provisória, poderia salvá-la.

Em entrevista a uma TV colombiana, Germán Efromovich, membro da família controladora, chegou a falar em um possível investimento da americana United.

"A medida reconhece a realidade que já existe hoje no mercado, que já depende do capital estrangeiro. As companhias nacionais ficarão mais expostas à competição, mas, por outro lado, terão acesso a mais capital, o que é bom para elas", diz o advogado Guilherme Amaral, sócio do ASBZ e especialista no setor.

Pela medida assinada agora, o controle estrangeiro pode chegar a 100% --antes era de 20%. O limite da regra brasileira estava no capital votante, de ações ordinárias, ou seja, com direito a voto.

A capitalização por meio de ações não votantes é livre. Com isso, o objetivo da restrição sempre foi o de preservar o controle de empresas nas mãos de brasileiros.

A oposição da Azul ao controle de estrangeiros no mercado brasileiro costuma ser citada com ironia por executivos de empresas concorrentes como uma posição contraditória, porque o fundador da Azul, David Neeleman, é filho de americanos.

O empresário é de fato brasileiro. Ele nasceu no Brasil, mas se mudou ainda criança para os Estados Unidos.

O caso da Latam, que tem a família chilena Cueto na presidência da direção-executiva e do conselho de administração, também costuma ser citado pelo peso dos sócios estrangeiros na gestão.

A falta de consenso entre as concorrentes levou a Abear, associação que reúne as empresas aéreas, a pedir que cada companhia se manifeste individualmente sobre o tema. Gol e Avianca não comentaram.

As ações da Gol avançaram 5,26% nesta quinta. Na Azul, o ganho foi de 0,74%.

Passageiros fazem check-in na recepção da Avianca em Congonhas, em São Paulo
Passageiros fazem check-in na recepção da Avianca em Congonhas, em São Paulo - Xinhua/Rahel Patrasso

O efeito imediato sobre o preço das passagens para o consumidor é nulo, segundo André Castellini, sócio da Bain & Company.

 "As pessoas têm a impressão de que tarifa aérea no Brasil é caro. Mas não é por ineficiência das empresas. Considerados os custos, as tarifas não são altas", diz Castellini.   

Na prática, a mudança poderá impedir que o preço das passagens viesse a subir no caso de quebra de uma empresa como a Avianca Brasil, em situação de recuperação judicial.

"A empresa que precisa de capital pode ser vendida a uma outra companhia estrangeira ou receber recursos de um investidor estrangeiro. A medida traz mais alternativas de levantar capital", diz Castellini.

Com menos empresas no mercado, a competição fica reduzida, o que possivelmente levaria a um aumento no preços das passagens. 


O QUE MUDA PARA O CONSUMIDOR

A abertura de capital afeta o passageiro?
A medida, por ora, não altera preços de passagens

A medida apenas possibilita que empresas em dificuldade possam receber mais capital estrangeiro para se recuperar de crises, segundo especialistas

A injeção de capital evita que o setor perca concorrentes, o que, segundo especialistas, prejudicaria a competição e poderia pressionar preços dos bilhetes para cima

 
Por que há resistência à participação estrangeira?

Um dos argumentos da Azul, companhia contrária à abertura, é que não há reciprocidade na medida --ou seja, a abertura não garante participação de capital brasileiro em empresas aéreas de outros países

Protecionismo e nacionalismo também são apontados por especialistas como argumentos contrários

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