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Sem cotas, mulheres já respondem por 30% dos postos em conselhos de empresas australianas

Organização de fundos de pensão instou membros a votar contra indicações de conselheiros que não avançassem em representatividade

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Jamie Smyth
Sydney | Financial Times

Há meses a política australiana vem sendo dominada por acusações quanto a uma cultura de sexismo, o que levou pelo menos uma mulher a renunciar ao seu assento no Parlamento. Mas na quarta-feira (30) surgiu uma notícia melhor no mundo dos negócios: quase um terço dos postos nos conselhos de empresas australianas são ocupados por mulheres, ainda que os críticos afirmem que a influência feminina talvez seja limitada.

Estatísticas publicadas pelo AICD, um instituto que reúne conselheiros de empresas, demonstram que 29,7% dos postos dos conselhos nas 200 maiores empresas com ações negociadas na Bolsa de valores australiana, Australian Securities Exchange (ASX), são ocupados por mulheres, ante 19,4% em 2015.

O país, que costuma ser alvo de zombaria por sua cultura de "manos", ultrapassou o Reino Unido, Canadá e Estados Unidos em termos de representação feminina nos conselhos e tem ambições de ir além.

Protesto de mulheres em Sydney, na Austrália
Protesto de mulheres em Sydney, na Austrália - Greg Wood - 13.jun.2011/AFP
 

"A Austrália ouviu a mensagem sobre o valor da diversidade de gênero nos conselhos", disse Angus Armour, diretor executivo do AICD. "Conselhos com mais diversidade são um antídoto contra a conformidade e geram melhores resultados para os acionistas, os consumidores e a comunidade".

Entre as empresas que formam o índice de ações ASX 200, apenas quatro não contam com mulheres em seus conselhos, e entre os conselheiros apontados em 2018, 45% são mulheres. A Fortescue, uma grande companhia de mineração, agora tem 55% de mulheres em seu conselho, entre as quais Elizabeth Gaines, a presidente-executiva do grupo.

O sucesso da Austrália é um contraste com muitos outros países, que enfrentam dificuldades para elevar a participação feminina nos conselhos de empresas. E foi conseguido sem a adoção de cotas para gêneros —uma prática que ajudou os líderes mundiais nesse indicador, Noruega e França, a recrutar e reter mulheres em seus conselhos.

Em 2015, o AICD estipulou uma meta não obrigatória de 30% de mulheres nos conselhos das empresas com ações cotadas na ASX, e as empresas foram encorajadas a aumentar a diversidade em seu próprio interesse, no lugar de ameaças de punições.

"Simplesmente impor uma cota não promove o tipo de mudança cultural que desejamos atingir", disse Armour, que se opõe a cotas.

Uma pesquisa publicada pela revista acadêmica The Leadership Quarterly demonstra que estabelecer metas e criar requisitos de notificação, nas companhias americanas, levou a uma maior diversidade nos conselhos das empresas do ranking Fortune 500. Mas alguns defensores da diversidade dizem que metas não bastam, e que o ativismo dos investidores do setor de pensões australiano, que administra 2,8 trilhões de dólares australianos em fundos, foi um fator.

Em 2015, o Australian Council of Superannuation Investors (ACSI), organização setorial que representa os fundos de pensão australianos, começou a instar seus membros a votar contra indicações de conselheiros em empresas que não tivessem mulheres em seus conselhos.

"Decidimos que uma abordagem mais dura era necessária, e introduzimos uma meta de 30% de mulheres nos conselhos, e uma política de votar contra as indicações de integrantes de conselhos de empresas que não avançassem nesse sentido", disse Louise Davidson, presidente do ACSI.

Um ano mais tarde, a AustralianSuper, que administra 110 bilhões de dólares australianos em ativos, escreveu a 17 companhias cujos conselhos eram formados exclusivamente por homens para alertá-las de que suas indicações ao conselho seriam rejeitadas a não ser que mulheres fossem apontadas.

"O mercado de investidores percebe que, quando você tem conselhos diversificados, o desempenho melhora", disse Vanessa Guthrie, que é parte do conselho da Santos, uma empresa australiano de petróleo e gás natural.

Mas ela disse que as metas para gêneros, mais atenção às metas, e pressão dos colegas sobre os conselhos também foram fatores na promoção de uma diversidade maior.

Os críticos dizem que a alta da participação feminina nos conselhos não se traduz automaticamente em influência e que pode ser difícil manter a participação feminina em 30% sem cotas. Eles apontam para o pequeno número de mulheres ocupando postos de presidência-executiva ou de conselho nas empresas cotadas na ASX, e afirmam que muitas mulheres participam de diversos conselhos —um fenômeno que pode limitar o ingresso de novas candidatas.

"No passado, víamos os conselhos de empresas como área exclusiva para homens; agora, são uma área exclusiva para conservadores", disse Helen Bird, professora na escola de direito da Universidade Swimburne, em Melbourne. "Ainda não temos um grande influxo de novos nomes femininos para os conselhos... se estamos falando sério sobre manter mulheres nesses postos, precisamos de cotas", ela disse.

A questão das cotas explodiu na agenda política australiana depois que Julia Banks, que defendia o Partido Liberal, que governa o país, renunciou ao seu posto no Parlamento em novembro. Ela criticou o "flagelo dos vieses culturais e de gênero, o bullying e a intimidação" na política, e alertou que o tratamento que as mulheres recebem na política estava "anos atrás" da situação no mundo dos negócios.

O Partido Liberal, que se opõe a cotas, rejeitou as queixas de Banks, mas diversas outras parlamentares liberais afirmaram, subsequentemente, que não pretendem disputar novas eleições. Apenas 12 dos 74 parlamentes do partido governista são mulheres.

"Vemos uma rejeição cega às cotas e apoio ao mito do mérito, mas o que temos aqui é muito mais que um jogo de números", disse Banks.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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