Descrição de chapéu The New York Times

Deutsche Bank demitirá 18 mil pessoas dentro de reestruturação global

Banco alemão abandona projeto de concorrer com grandes americanos, como Goldman Sachs e JP Chase

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Jack Ewing
Frankfurt (Alemanha) | The New York Times

O Deutsche Bank deu início no domingo ao que pode se tornar sua última oportunidade de reverter uma década de declínio, anunciando um corte de um quinto de sua força de trabalho e redução considerável de suas operações em Londres e Nova York.

O plano de reorganização e corte de custos lembra a sangria realizada depois da crise financeira de 2008. Mas surge em um momento de relativa prosperidade, como resultado cumulativo de anos de escândalo e más decisões de gestão.

O banco que um dia simbolizou a pujança econômica da Alemanha está, para todos os efeitos, abandonando qualquer esperança de concorrer de igual para igual com o Goldman Sachs ou o JP Morgan Chase, e enfrenta dificuldades para simplesmente se manter relevante.

Sede do Deutsche Bank em Frankfurt
Sede do Deutsche Bank em Frankfurt - /Ralph Orlowski - 9.jun.2015/Reuters

Desde que fincou sua bandeira em Wall Street ao adquirir o Bankers Trust, em 1999, o Deutsche Bank vem tentando provar que as finanças internacionais não são território exclusivo dos megabancos americanos. Mas o fez aceitando riscos, entre os quais o de emitir bilhões de dólares em derivativos de alto risco e o de emprestar dinheiro às empresas de Donald Trump quando outros bancos não o fizeram.

A crise financeira iniciada em 2008 expôs um histórico de delitos, em alguns casos criminosos, entre os quais manipulação de taxas de juros, lavagem de dinheiro e violação das sanções dos Estados Unidos contra países como o Irã.

Os escândalos, que persistiram muito além da duração da crise, erodiram a reputação do Deutsche Bank e causaram multas da ordem dos bilhões de dólares. Ansiosas por evitar novas crises financeiras, as autoridades regulatórias forçaram o Deutsche Bank e outros bancos a assumir menos riscos.

Agora o banco sediado em Frankfurt vai mudar de foco, para negócios menos glamorosos e menos arriscados, como o de ajudar os exportadores alemães a administrar transações no exterior. Cerca de 18 mil pessoas perderão seus empregos, à medida que o Deutsche Bank fecha ou reduz suas operações de venda de títulos ou ações. O número de assentos do conselho do banco será reduzido em um terço por conta da reformulação, e mais de US$ 300 bilhões (R$ 1,14 trilhão) em ativos de risco serão colocados em quarentena em uma unidade separada.

A questão, nos próximos meses, será determinar se os esforços de recuperação comandados por Christian Sewing, 49, o presidente-executivo do Deutsche Bank, vieram tarde demais. Outros bancos europeus, como o UBS, da Suíça, e o Barclays, do Reino Unido, moderaram suas ambições depois da crise financeira de 2008, mas o Deutsche Bank continuou a operar como banco de investimento mesmo que as operações dessa divisão resultassem em bilhões de euros em prejuízos.

"Estamos voltando às nossas raízes e àquilo que no passado nos tornou um dos maiores bancos do planeta", afirmou Sewing em comunicado no domingo.

O plano também representa uma grande aposta, porque porta custos imediatos significativos e não oferece garantias de que o banco vai se recuperar. Os custos de demissão de pessoal e outras despesas totalizarão 7,4 bilhões de euros (US$ 8,22 bilhões ou R$ 31,2 bilhões) até 2022, informou o banco. Ao mesmo tempo, a receita certamente deve cair, com a redução na escala do banco, o que cria o risco de um círculo vicioso de queda do faturamento e dos lucros.

"A grande questão em debate agora é se o Deutsche Bank será capaz de se encolher e recuperar a competitividade e lucros sustentáveis sem uma fusão de alguma espécie", tuitou Mohammed El-Erian, consultor econômico sênior da seguradora alemã Allianz.

O banco não informou sobre os cortes específico de emprego em Nova York, Londres, na Alemanha e em outro locais, em meio às 18 mil demissões. Mas as medidas de cortes de custos se concentram nas unidades que negociam com ações e títulos, e elas ficam primordialmente em Nova York e Londres. Os cortes são os maiores anunciados por um banco desde que o JPMorgan Chase demitiu 19 mil trabalhadores em 2013, de acordo com a Challenger, Gray & Christmas, uma consultoria de Chicago que recolhe dados sobre cortes de empregos.

A reforma anunciada no domingo também determina a transferência de mais de US$ 300 bilhões em ativos de alto risco a uma unidade separada, que se encarregará de vendê-los ou tirá-los de circulação. Essa é uma tentativa de lidar com a percepção de que o Deutsche Bank continua sobrecarregado de ativos tóxicos, capazes de gerar imensos prejuízos.

O Deutsche Bank anunciou que projeta um prejuízo de € 2,8 bilhões no segundo trimestre, desconsiderados os custos do plano de reforma. Os acionistas não receberão dividendos em 2019 e 2020, disse o banco.

Até a chegada de Sewing, especialista em gestão de riscos que assumiu o comando do banco no ano passado, o Deutsche era comandado por banqueiros de investimento que relutavam em promover mudanças radicais. Eles continuaram a receber remunerações generosas enquanto o preço das ações do banco despencava. Esforços anteriores para controlar os gastos ou mudar a cultura de risco que prevalecia no banco se provaram insuficientes. O plano delineado no domingo, que o banco descreveu como "radical", é uma tentativa de romper com o passado de maneira decisiva.

O melhor exemplo do apetite do Deutsche Bank por riscos pode ser o relacionamento dele com Trump. O Deutsche Bank continuou a fazer empréstimos à Trump Organization muito depois que outras instituições concluíram que o risco era alto demais. Nos últimos 12 meses, o banco também se viu sobrecarregado por investigações quanto aos seus controles frouxos de lavagem de dinheiro, e está sob intenso escrutínio das autoridades regulatórias dos Estados Unidos e Europa.

O plano de reorganização representa uma tentativa de lidar com o descompasso entre o elevado custo operacional e a receita do banco. O Deutsche Bank anunciou que reduziria a sua razão custo/receita, um indicador de eficiência, a 70%, até 2022. Isso se compara a 93% no primeiro trimestre de 2019. Quanto mais baixo o número, mais eficiente o banco é.

Sewing informou aos acionistas que estava preparando "cortes duros".

Eles incluem uma reacomodação no comando do banco. Na sexta-feira, o Deutsche Bank anunciou a saída de Garth Ritchie, que comandava as operações de investimento.

No domingo, comunicou a saída de dois outros executivos importantes: Sylvie Matherat, a executiva encarregada de questões regulatórias, criticada frequentemente por o banco não ter conseguido deixar de lado seu histórico de escândalos; e Frank Strauss, o comandante da subsidiária que opera as agências do banco na Alemanha.

Até a crise financeira, o Deutsche Bank gerava boa parte de seus lucros com negócios de alto risco, como a emissão e negociação de derivativos. Um dos motivos para que o banco tenha resistido por tanto tempo a cortes em suas operações de investimento é que, se administradas devidamente, essas operações podem ser muito lucrativas.

Mas o banco não conseguiu evitar perder mercado para os concorrentes americanos. E as autoridades regulatórias bloquearam muitas das atividades de alto risco, ao exigir que bancos usassem mis capital próprio e menos dinheiro emprestado para bancá-las.

"O Deutsche Bank passou por um período difícil nos 10 últimos anos", afirmou Paul Achleitner, o presidente do conselho do banco, em comunicado, "mas com essa nova estratégia em operação agora temos todo motivo para contemplar o futuro com confiança e otimismo".
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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