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Investir nos mercados emergentes ainda faz sentido?

Queda das commodities e ameaças à globalização são consideradas empecilhos para convergência com emergentes

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Jonathan Wheatley
Londres | Financial Times

Duas demissões controversas de tecnocratas de primeira linha, uma em Ancara e a outra na Cidade do México, em um intervalo de três dias, serviram como lembretes de que investir em mercados emergentes é uma aposta de alto risco.

A demissão do presidente do banco central da Turquia, Murat Cetinkaya, por um decreto presidencial dúbio anunciado de madrugada na semana passada, foi seguida pela chocante renúncia de Carlos Urzúa, ministro das finanças do México, que saiu batendo a porta ao se queixar de interferência incompetente na gestão da economia por membros desqualificados da máquina do partido governista.

O presidente Andrés Manuel López Obrador (México), que perdeu seu ministro da Fazenda por divergências - Alfredo Estrella - 10.jul.19/AFP


Os mercados começaram a se agitar de imediato. A lira turca e o peso mexicano caíram em mais de 2% diante do dólar americano, e os analistas alertaram sobre distúrbios a caminho, o que pode ameaçar o crescimento econômico e a capacidade dos dois países para pagar suas dívidas.

Para os investidores veteranos, isso pode parecer turbulência rotineira em mercados onde a perspectiva de crescimento econômico acelerado sempre caminhou de mãos dadas com o risco político. Mas o cálculo básico vem mudando no caso dos mercados emergentes, à medida que seu potencial de crescimento se reduz —e, com ele, parte do arrazoado central para o investimento nessa categoria de ativos.

A partir do começo da década de 1990, a globalização, na forma de comércio internacional ampliado, superciclo das commodities e ascensão das cadeias mundiais de suprimentos, propeliu os países emergentes inexoravelmente —ou assim parecia— a um percurso de convergência com os países desenvolvidos, para muitos investidores, os mercados emergentes se tornaram parte central de suas carteiras, porque ofereciam fortes retornos e crescimento mais rápido, já que os países em desenvolvimento estavam tirando o atraso.

Centenas de milhões de pessoas foram tiradas da pobreza e se tornaram parte das classes consumidoras, o que oferecia novas oportunidades a companhias locais e estrangeiras. O investimento em fábricas, estradas, portos e outros projetos de infraestrutura prometia manter o ímpeto.

Mas a convergência já não é garantida. Hoje, os preços elevados para as commodities são uma memória distante. O comércio internacional está cambaleando e as cadeias mundiais de suprimento estão sendo desordenadas. Longe de recuperar o atraso para com os países desenvolvidos, muitos mercados supostamente emergentes estão crescendo mais devagar do que eles.

A globalização está em risco de entrar em reversão, e muitos investidores estão questionando o que—se é que alguma coisa —vai conduzir o crescimento dessa classe de ativos no futuro, e isso desperta questões sobre o papel dos mercados emergentes em uma carteira de investimentos diversificada.

"O raciocínio todo [que embasava o investimento em mercados emergentes] se baseava em exportação e consumo", disse Bhanu Baweja, estrategista chefe do banco UBS e especialista em mercados emergentes.

"As pessoas chegaram ao nosso setor em um período de hiperglobalização. Mas agora a globalização está perdendo a força, e não só por causa de Donald Trump, mas por razões mais profundas e orgânicas".

Nas duas décadas que se seguiram à criação do índice MSCI de ações de mercados emergentes, a referência do mercado, as ações dos mercados emergentes tenderam a apresentar desempenho largamente superior ao do índice S&P 500, que acompanha as maiores ações dos Estados Unidos. Mas 
pela maior parte dos últimos 10 anos, as ações dos mercados emergentes estão estagnadas, e as ações dos Estados Unidos mais que dobraram de valor.

A ameaça à globalização é uma das três grandes mudanças que estão atingindo os mercados emergentes simultaneamente. A segunda é a desaceleração no ritmo de crescimento da China. A terceira é mudança nas condições financeiras mundiais depois de uma década de dinheiro fácil.

Os rumores sobre um recuo da globalização se concretizaram na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, a mais recente manifestação daquilo que o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), definiu no mês passado como "uma reação política e social adversa à ordem econômica internacional aberta".

Embora muitas economias emergentes ainda possam aproveitar vantagens de longo prazo tais como uma posição demográfica positiva, em curto e médio prazo os desafios ameaçam ser esmagadores, para algumas delas.

A Argentina é um exemplo. O governo do país está batalhando para se recuperar de uma recessão devastadora, e "a grande questão é determinar [se o país] um dia voltará a crescer", disse Ignacio Labaqui, da Medley Global Advisors. A economia do Brasil, no passado a queridinha dos investidores em mercados emergentes, vem sofrendo de recessão ou crescimento medíocre há uma década.

Os riscos não são iguais para todos. De fato, os destinos das economias emergentes se tornaram tão variados que muitos investidores questionam a lógica de continuar a usar o termo "mercados emergentes".

O grupo é muito díspar, e mal se pode reconhecê-lo como a categoria de ativo que costumava ser nos anos 1990 e começo dos 2000, quando uma crise deflagrada em um quadrante qualquer dos países emergentes logo se espalhava como incêndio para os demais. Nas últimas três décadas, muitos países realizaram reformas monetárias e fiscais, o que permite isolar seu mercados contra conflagrações em outros quadrantes.

O resultado ficou claro durante a onda de vendas de ativos registrada nos mercados emergentes no ano passado. Com o avanço inesperado do dólar americano, muitos investidores foram estimulados a tirar dinheiro dos ativos de mercado emergente, e os países com defesas fracas, especialmente Argentina e Turquia, saíram seriamente queimados enquanto outros escaparam relativamente incólumes.

Mesmo assim, as economias emergentes continuam unidas por sua vulnerabilidade diante das mudanças que estão a caminho, e em sua necessidade de encontrar um percurso para o crescimento que vá além do comércio e da participação nas cadeias internacionais de suprimento industrial que as sustentaram até agora.

"A ideia de que um país em desenvolvimento possa retirar produção industrial dos Estados Unidos e ainda manter acesso ao mercado americano já não é certeza no novo mundo", disse Brian Coulton, economista chefe da agência de classificação de crédito Fitch.

As mudanças no padrão da globalização não fizeram mal a todas as economias emergentes.

O Vietnã, por exemplo, saiu em vantagem na transferência de locais de produção por multinacionais que querem trocar a mão de obra chinesa por trabalhadores mais baratos e, nos últimos 12 meses, como forma de evitar as tarifas impostas pelo governo Trump aos bens feitos na China.

A sorte de Hanói pode não durar, porém: Trump definiu o Vietnã como "o país que mais abusos pratica contra todos", antes da conferência de cúpula do G20 em Osaka, no mês passado.

Mas as companhias não estão simplesmente realocando recursos entre países em desenvolvimento. O investimento estrangeiro direto em mercados emergentes caiu no ano passado à sua marca mais baixa desde a década de 1990, de acordo com o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).

"É nesse ponto que começo a me preocupar com os mercados emergentes de maneira fundamental", disse Robin Brooks, o economista chefe do IIS. 

"Nos últimos 20 anos, muita produção industrial foi transferida aos mercados emergentes para aproveitar os diferenciais de salários. Mas essa onda se esgotou".

De fato, o crescimento das economias de mercado emergente vem ficando abaixo das expectativas há alguns anos. Desconsiderados os gigantes populacionais Índia e China, os mercados emergentes vêm crescendo mais devagar do que as economias desenvolvidas, em termos de renda per capita, desde 2015.

Em termos de avanço de produtividade, os países em desenvolvimento vêm decepcionando. Desde a metade da década de 1990, a contribuição da produtividade para o crescimento da produção, em outros mercados emergentes além da China, não foi maior que a dos mercados desenvolvidos, exceto por uns poucos anos antes da crise financeira da década passada, quando o superciclo das commodities estava em seu pico. 

Também foi durante esses anos que a China mais se beneficiou dos avanços de produtividade, com a aceleração da transferência de tecnologia depois que o país foi admitido à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001.

O período em questão parece cada vez mais anômalo. "Não vemos muita melhora na produtividade dos grandes mercados emergentes nos últimos anos", disse Coulton, da Fitch.

Ele acrescenta que, na verdade, o crescimento recente do países em desenvolvimento é atribuído menos a produtividade do que a fatores demográficos e de investimento. Mas embora as populações continuem a crescer, o investimento agora também se estagnou.

"Elevar [a razão entre] o investimento e o Produto Interno Bruto (PIB) é realmente um grande desafio para os mercados emergentes", ele diz. "Essa vem sendo a história na China há 30 anos —o país investiu muito mais e cresceu muito mais rápido. Não é um cálculo complicado".

Não há como superestimar a importância do crescimento da China para a categoria mais ampla dos ativos emergentes."A China é o pai do crescimento mundial", diz Baweja.

"Os três últimos ciclos de crescimento—2009/10, 2012/3 e 2016/7—foram todos nascidos na China. Amadureceram em outros lugares, mas nasceram na China, e vêm do mesmo talão de cheque—o do governo e do consumidor chinês".

Mas o ritmo de crescimento da China também vem se desacelerando desde a crise financeira mundial. E não só isso: o crescimento do país passou a depender menos de importações de outros países em desenvolvimento.

Quando o investimento em infraestrutura era o propulsor, a fome da China por minério de ferro, cobre e outros insumos era um presente do céus aos exportadores de commodities— do Brasil e Chile à Nigéria e República Democrática do Congo. Mas o investimento chinês caiu, do equivalente a 48% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 a menos de 45% de 2015 para cá. Enquanto isso, o investimento se dirige aos serviços e outras atividades que requerem uso menos intensivo de commodities.

Também existem riscos potenciais para a estabilidade econômica da China. A dívida do setor não financeiro do país disparou, por exemplo. Antes da crise financeira mundial, ela equivalia a 13,5% do PIB, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No final de 2011, ela chegou a 170% 
do PIB, como resultado da resposta do governo à crise. Pelo final de 2016, depois de mais uma rodada de incentivo do governo, a dívida do setor não financeiro atingiu os 235% do PIB.

David Spegel, fundador da Fundamental Intelligence, uma consultoria que acompanha o desempenho de títulos de dívida, diz que a China respondeu por 42% dos títulos emitidos por empresas de países em desenvolvimento, este ano. "A China é um dos grandes riscos", ele disse. "À medida que a economia amadurece, a capacidade das autoridades para ter impacto cai".

Ao mesmo tempo, o crédito está perdendo seu poder de causar crescimento. Desde a década de 2000, o volume de capital necessário para gerar uma unidade de produção na China cresceu em mais de dois terços. Mas a razão entre crédito e crescimento —a "dependência de crédito" chinesa —é mais forte que nunca. A guerra comercial com os Estados Unidos é mais um fator de estresse.

As perspectivas se tornaram mais incertas no exato momento em que a mudança das condições financeiras criou novos desafios para os mercados emergentes. Muitos investidores antecipavam se beneficiar de um dólar mais fraco em 2019, mas não foi o que aconteceu.

No ano passado, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, começou a apertar a política monetária depois de uma década de política expansiva, pós-crise. Este ano, porém, o banco central sinalizou sua disposição de voltar a cortar os juros, em meio a sinais de fraqueza na economia. E em um ambiente de crescimento mundial fraco, os investidores tendem a preferir a segurança comparativa dos ativos denominados em dólares.

"Um das coisas mais decepcionantes para os investidores em mercados emergentes é que o dólar não está passando por uma onda de vendas", disse Baweja.

O resultado é que os mercados emergentes enfrentam condições mais duras em um mundo de crescimento mais lento, no qual a força relativa do dólar torna mais cara a captação. Isso dificulta o investimento, para as empresas e governos, e expõe o fato de que muitos países não conseguiram 
colocar suas economias em boa forma nos anos de boom.

De acordo com o IIF, a dívida empresarial total dos mercados emergentes (excluído o setor financeiro) equivalia a 93% de seu PIB agregado, em março, ante 60% duas décadas atrás. Nos mercados desenvolvidos, a dívida das empresas equivalia a 91% do PIB, em março. Mas o dinheiro não parece 
ter sido bem gasto, a despeito da melhora generalizada na disciplina monetária e fiscal de alguns dos governos em países de mercado emergente.

"Muitas das economias de mercado emergente se tornaram mais parecidas com os mercados desenvolvidos, por terem dívida empresarial não financeira elevada e baixa inflação", disse Murat Ulgen, diretor mundial de pesquisa de mercados emergentes no banco HSBC. "Mas boa parte dos ganhos associados a reduzir a inflação e conseguir estabilidade monetária já foram colhidos, e por isso as dívidas agora representam um arrasto para o crescimento".

Ele aponta que, em muitos países, o crescimento do crédito entre empresas e domicílios foi maior que o crescimento nominal do PIB, nos 10 últimos anos, enquanto a produtividade caía. O dinheiro captado foi usado em serviços ou consumo, ou no pagamento de dívidas anteriores, em lugar de em investimento produtivo.

Ulgen diz que, em longo prazo, muitos mercados emergentes devem conseguir aproveitar fatores como as tendências demográficas, a urbanização e a tecnologia para retomar sua vantagem ante as economias desenvolvidas, em termos de investimento.

Mas para fazê-lo, precisarão retomar os esforços de reforma deixados de lado por muitos deles nos amos de prosperidade. Isso acontecerá? Brooks, do IIF, não está otimista. "Não existe solução mágica", ele disse. "A única coisa que se pode fazer é trabalhar na transparência das instituições e em outras reformas estruturais, que são tão dolorosas que ninguém deseja realizá-las".

Ele questiona a ideia de que os mercados emergentes convergirão com os desenvolvidos, ao longo do tempo. A admissão da China pela OMC, diz, foi um momento transformador para os mercados emergentes, mas também foi um evento único, cujos benefícios estão sendo solapados e alguns casos 
revertidos pela ascensão do populismo e do nacionalismo.

"Existe algum motivo para acreditar que a ideia da convergência vai se concretizar?", ele questiona. "Para mim, é bem dúbio. A visão pessimista, que é a minha, é a de que os últimos 20 ou 30 anos foram uma exceção".

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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