Petróleo sobe 13% com corte recorde na produção, mas Petrobras segura preços

Estatal vê cenário de instabilidade no mercado e vai esperar para decidir se reajusta gasolina e diesel

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São Paulo e Rio de Janeiro

O maior corte na produção global de petróleo da história levou as cotações internacionais a subir 13% nesta segunda (16), a maior alta diária em 11 anos. A Petrobras, porém, decidiu não mexer nos preços dos combustíveis por enquanto, sob o argumento de que o cenário ainda é muito volátil.

As ações da empresa foram beneficiadas na Bolsa, mas analistas veem o cenário como um teste para a política de preços dos combustíveis, que prevê o acompanhamento das cotações internacionais dos derivados de petróleo.

O corte, de 5,7 milhões de barris, foi provocado por ataques no sábado (14) a instalações petrolíferas na Arábia Saudita, o segundo maior produtor mundial. Os ataques foram reivindicados por grupos rebeldes no Iêmen, mas os Estados Unidos acusam o Irã. 

A Arábia Saudita é o maior exportador de petróleo. O corte representa metade de sua produção e cerca de 6% da oferta global. Foi maior do que o verificado no segundo choque do petróleo, em 1979, quando o Irã retirou do mercado 5,6 milhões de barris por dia em meio à revolução islâmica naquele país.

Sauditas acompanham cotação de ações em Riad - Ahmed Yosri/Reuters

Embora autoridades do setor digam que haja condições de compensar a perda, houve uma corrida por contratos futuros de petróleo. Nesta segunda-feira, o petróleo do tipo Brent fechou em alta de 13%, a US$ 68, maior cotação desde 29 de maio.

A alta percentual é a maior desde 31 de dezembro de 2008, quando a cotação avançou 13,55%. No período, o preço do barril estava em trajetória de queda, marcada por grandes oscilações diárias, após o pico histórico de US$ 146, em julho do mesmo ano.

A estatal diz que segue monitorando a situação, mas optou por não fazer ajuste de forma imediata, já que “o mercado apresenta volatilidade e a reação súbita dos mercados ao evento ocorrido pode ser atenuada na medida em que maiores esclarecimentos sobre o impacto na produção mundial sejam conhecidos”.

Em entrevista à Rede Record, Jair Bolsonaro disse que conversou com o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, e foi informado de que não será elevado o valor ao menos neste primeiro momento.
“Ele me disse que, como é algo atípico e a principio tem um fim para acabar, ele não deve mexer no preço do combustível”, afirmou.

O presidente ressaltou que a tendência natural é que o preço nas refinarias e bombas acompanhe as oscilações internacionais, mas que se trata de uma crise inesperada.

O preço do diesel subiu pela última vez na sexta (13), e o da gasolina, no dia 5. 

Para os analistas Luiz Carvalho e Gabriel Barra, do banco UBS, a situação é “desafiadora”, já que, além do petróleo, a taxa de câmbio deve sentir os efeitos da crise no Oriente Médio.

Eles lembram que no passado, a Petrobras segurou seus preços em crises semelhantes, gerando prejuízos em suas operações de refino. “A gestão atual tem conseguido implementar uma estratégia bem-sucedida até agora e esse evento será um importante teste sobre a solidez dessa política.”

Incêndio na sede da Aramco, em Buqayq, na Arábia Saudita - 14.set.19/Reuters

“Questões de curto prazo devem surgir, já que, no caso de repasse integral do preço do petróleo para o consumidor, caminhoneiros que já mostram desconforto com o preço do diesel e a política de frete mínimo podem se reorganizar para uma nova greve”, concorda Daniel Cobucci, do Banco do Brasil Investimentos.

Em abril, durante um ciclo de alta das cotações internacionais, Bolsonaro determinou que a direção da Petrobras suspendesse reajuste no preço do diesel, alegando risco de nova greve de caminhoneiros. A decisão levou a estatal a perder R$ 32 bilhões em valor de mercado em apenas um dia.

“É provável que essa disparada do petróleo não resulte em aumento dos preços de combustível, até porque o governo já demonstrou dificuldade em fazer isso em outros momentos —na última vez que tentou, tivemos a greve dos caminhoneiros”, escreveram Thiago Salomão e Matheus Soares, da Rico Investimentos.

As ações da Petrobras tiveram forte alta, ajudando a Bolsa a fechar o dia em valorização de 0,17%, aos 103.680 pontos. Os papéis preferenciais, mais negociados, subiram 4%, para R$ 27,95. Os ordinários, com direito a voto, tiveram alta de 4,45%, para R$ 30,98.

O desempenho das ações da Petrobras nos próximos dias, porém, dependerá da duração da crise e da resposta da empresa. Analistas temem que o acirramento das tensões geopolíticas no Oriente Médio possam levar a cotação do petróleo a se fixar em patamares superiores do que os registrados ao longo do ano.

“Há um risco geopolítico com as tensões entre EUA, Arábia e Irã, que pode levar o episódio a virar uma crise maior”, diz George Wachsmann, sócio da gestora digital Vitreo. 

“Em quanto tempo a Arábia Saudita vai conseguir retomar a produção?”, questiona. 

Autoridades mundiais dizem que, por ora, não há risco de desabastecimento, diante de elevados estoques e da desaceleração econômica. Ainda no sábado (14), a Agência Internacional de Energia, afirmou que os cortes podem ser compensados por estoques comerciais.

No domingo (15), o presidente Donald Trump, autorizou o uso de estoques de emergência dos EUA.
Com o crescimento da produção de reservas não convencionais nos Estados Unidos, a dependência de petróleo do Oriente Médio é hoje menor do que no passado, destacou o analista sênior da Oanda, Alfonso Esparza.

A própria Arábia Saudita tem estoques que podem garantir entregas por uma semana, de acordo com o diretor da Wood Mackenzie, Vima Jayalaban.

“O impacto e os próximos passos vão depender da duração dos cortes”, afirma.

A manutenção dos preços em patamares mais elevados pode dificultar ainda mais o cenário econômico global, que já dá sinais de recessão. 

Uma eventual alta nos preços dos combustíveis, que impacta o índice de preços, pode minar as expectativas dos mercados e cortes de juros, tanto nos EUA, como no Brasil, cujos bancos centrais decidem o destino dos juros nesta quarta-feira (18).

“Caso a situação não se normalize rapidamente, esse evento aumentará as chances de um cenário de maior desaceleração de crescimento com riscos inflacionários tanto para o Brasil quanto para o mundo”, afirmou, em relatório, a XP Investimentos. 

O diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), Décio Oddone, comparou os ataques ao 11 de Setembro do mercado de petróleo, em referência ao ataque terrorista às torres gêmeas, ao aumentar a percepção de risco no setor.

Ele afirmou, porém, que não há risco de desabastecimento. Segundo Oddone, o cenário global pode melhorar o interesse pelos três leilões de áreas exploratórias que o país fará até novembro.

No Brasil, para analistas, o principal impacto neste momento se dá sobre as companhias aéreas, que têm no querosene de aviação parte significativa de seus custos. Azul e Gol estiveram entre as maiores desvalorizações desta segunda-feira: a primeira com queda de 8,45% e a segunda, de 7,77%.

Apesar do temor de investidores quanto aos desdobramentos dos ataques, o dólar fechou estável, a R$ 4,09.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado em versão anterior desta reportagem, o segundo choque do petróleo foi em 1979, e não em 1970. O texto foi corrigido.

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