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Problema não é o teto de gastos, mas, sim, a evolução dos gastos obrigatórios

Limites e regras fiscais são parte da solução para controlar o avanço das despesas públicas

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Felipe Salto

Alterar a emenda constitucional (EC) nº 95/2016 flexibilizaria prematuramente uma importante regra fiscal. Adotado há pouco menos de três anos, o teto de gastos está presente em diversos países, como Suécia e Reino Unido, e, combinado com outros instrumentos, pode ajudar a restaurar o equilíbrio nas contas do governo, medido pela sustentabilidade da relação dívida/PIB.

Discutir é sempre salutar e, registre-se, há pelo menos uma proposta formalizada por economistas importantes que trazem algo a pensar.

Limites e regras fiscais não são a causa do desequilíbrio das contas públicas, mas parte da solução para colaborar com estratégia de política fiscal que busque controlar o avanço dos gastos obrigatórios.

É função da IFI acompanhar as metas fiscais. A própria instituição foi criada em um contexto de resposta à profunda crise fiscal e econômica, período marcado pelo uso de instrumentos conhecidos por “contabilidade criativa”.

Nas nossas contas —que serão revisadas em novembro—, o teto poderá, de fato, ser rompido em 2022, mas, nesse caso, os gatilhos previstos na EC 95 seriam acionados e conduziriam a um cenário de queda dos gastos com pessoal. 

Pelos cálculos da IFI, a despesa com pessoal passaria de 4,1% do PIB, em 2022, para 2,5% do PIB, em 2030. Esse é um ajuste difícil de fazer, sobretudo por estar concentrado do lado das despesas, como temos afirmado desde maio, quando publicamos essa avaliação.

Contudo, explicitar os dilemas orçamentários, diante da forte restrição posta pelo quadro crítico das contas públicas e da economia, pode ser positivo para o processo de consolidação institucional das finanças públicas. Qualquer discussão ou proposta de alteração do teto de gastos —algo que seria, obviamente, analisado pela IFI— deve levar em conta os riscos associados. O canal das expectativas poderia ser afetado, com aumento dos juros reais e, consequentemente, do custo de financiamento da dívida pública.

É verdade que sugestões como a dos economistas Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco são sérias e levam em conta cálculos e estimativas que preservam a essência do teto de gastos. Mas a IFI tem mostrado que não há risco relevante de descumprimento do limite constitucional até 2021. Assim, não parece produtivo antecipar essa alteração, antes de uma discussão de maior fôlego, uma vez que o quadro econômico e fiscal, por si só, já congrega uma série de fatores de risco e de incertezas.

A ideia de alterar a EC está baseada, entre outros fatores, na constatação de que as despesas discricionárias (investimentos, por exemplo, ficarão em R$ 19 bilhões no ano que vem) estão em nível historicamente baixo. Para 2020, conforme o Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual), o governo fixou patamar inferior a R$ 90 bilhões para essa fatia da despesa. O mínimo de discricionárias necessário para o funcionamento da máquina, conforme calculado pela IFI, está em torno de R$ 80 bilhões.

Essa aproximação entre as despesas discricionárias projetadas e o piso necessário para o Estado não paralisar (“shutdown”) é a outra face do problema sentido pelos gestores e beneficiários de políticas de educação e pesquisa, como noticiado pela imprensa nas últimas semanas.

Ocorre que não é o teto o causador dessa situação. O que pressiona a política fiscal é a evolução dos gastos obrigatórios, cuja alteração depende de mudanças legais e constitucionais, como no caso da Previdência. 

Referimo-nos, também, aos gastos de pessoal e sociais em geral. Em bom português, o teto não é o problema. Ele apenas ajuda a revelá-lo, incentivando a que o Executivo e o Legislativo enderecem soluções que, necessariamente, passam pela rediscussão da dinâmica das despesas.

A alternativa a fazer o ajuste fiscal pelo lado dos gastos é o aumento da carga tributária. Não promover medidas de ajuste dentro desses dois caminhos significaria ignorar o problema do crescimento da relação dívida/PIB, revisitando o risco inflacionário e mesmo de insolvência ou, no mínimo, de não convergência desse indicador à estabilidade. Com ou sem o teto, esse é o desafio.

Este artigo não revela, necessariamente, posição institucional.

Felipe Salto

Diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado e professor do IDP

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