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Teto de gastos em debate

As receitas para sair da crise

Racionalizar os gastos e mudar sua composição é sempre importante

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João P. Romero

Há algumas semanas se reacendeu o debate a respeito do problema fiscal brasileiro. As discussões têm girado em torno das causas do problema e como superá-lo.

Enquanto alguns economistas apontam o “crescimento acelerado dos gastos obrigatórios” como explicação para a crise fiscal, outros apontam que o problema na verdade foi a queda das receitas, dado que o gasto público real na verdade vem desacelerando desde 2010 (Os dados mencionados no texto estão em valores reais de 2018, deflacionados com o deflator implícito do PIB).

Segundo um outro colunista, a queda da receita total seria responsável por somente 36% da piora do resultado primário, enquanto o crescimento dos gastos explicaria 53% do déficit de R$ 217 bilhões observado entre 2014-18 [1]. Essa conta, contudo, só considera o componente de queda da receita de 2014 em diante, desconsiderando a reversão da sua tendência de crescimento entre 1997-2013. Ao incorporar esse componente, as contas mudam drasticamente.

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Economia) durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 20.maio.19/Folhapress

A perda de receita líquida tendencial entre 2014-2018 foi de R$ 269 bilhões. A receita líquida em 2018 seria de R$ 1,602 trilhão caso tivesse seguido a tendência observada entre 1997-2013, frente a uma receita líquida de R$ 1,333 trilhão verificada em 2013.

Ao considerar a perda dessa receita fica claro que se ela tivesse seguido sua tendência após 2013 não haveria déficit. Ou seja, a principal explicação para o déficit fiscal brasileiro é a drástica reversão da receita líquida observada entre 2014-2018 e ilustrada na figura abaixo.

A trajetória tendencial da despesa total entre 2014-2018, por sua vez, teria variação de R$ 185 bilhões. A despesa total projetada para 2018 seria de R$ 1,421 trilhão se seguisse a tendência de 1997-2013, frente a uma despesa de R$ 1,236 trilhão verificados em 2013. Essa estimativa indica que a variação efetiva de R$ 115 bilhões observada entre 2014-2018 foi consideravelmente inferior à tendência projetada da despesa.

Isso deixa claro o enorme esforço de contenção de gastos realizado entre 2014-2018. Apesar disso, a situação fiscal do país melhorou muito pouco nos últimos 5 anos. A explicação para isso é o fato de que as políticas implementadas nesse período tiveram efeito muito pequeno sobre as receitas.

As estimativas mencionadas acima indicam ainda que se após o déficit de 2014 o governo tivesse adotado políticas econômicas voltadas para motivar a retomada do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e da receita em seu nível tendencial, em 2018 a variação da receita em relação a 2014 teria sido de R$ 334 bilhões, saindo de R$ 1,268 trilhão efetivos em 2014 para R$ 1,602 trilhão projetado em 2018, com larga margem para financiar o crescimento tendencial da despesa de R$ 185 bilhões.

Mesmo que a variação da receita fosse 40% inferior a sua variação tendencial citada, ainda assim essa variação permaneceria acima da variação tendencial da despesa.

Racionalizar os gastos e mudar sua composição é sempre importante. É crucial privilegiar gastos com elevado multiplicador, como investimento público, em detrimento de gastos regressivos e com menor multiplicador, como o pagamento de elevados salários e benefícios ao judiciário e ao legislativo.

Além disso, gastos com saúde, educação e assistência são fundamentais para mitigar a elevada desigualdade brasileira, e por isso devem ser garantidos. A reforma da Previdência, apesar de ainda ter problemas, será menos dura com os mais pobres do que a proposta inicial, e contribuirá para reduzir o ritmo de crescimento dos gastos. Subsídios e deduções regressivas do imposto de renda com saúde e educação poderiam também ser reduzidas.

Entretanto, o que se verificou após a aprovação do teto de gastos foi o inverso. Aumentos foram concedidos ao judiciário e investimentos e gastos com saúde e educação foram reduzidos.

A solução para o quadro fiscal do país passa por adotar reformas que busquem gerar crescimento, elevar a arrecadação, e melhorar a composição dos gastos.

Do lado das despesas, a revisão do teto de gastos é fundamental, como alguns economistas já vêm defendendo [2]. É preciso mudar a regra do teto para permitir crescimento real do gasto, como é feito em todos os países que adotam regra semelhante.

Seria importante também retirar do teto investimentos públicos e gastos com ciência, e retomar a vinculação de receitas para saúde e educação. Diversos estudos indicam que esses gastos têm elevado multiplicador, além de serem fundamentais para reduzir desigualdade e gerar produtividade.

Do lado das receitas, é preciso avançar no debate sobre a mudança do padrão de tributação brasileiro.

O país tem elevados impostos sobre consumo e produção, que incidem mais sobre os mais pobres, e baixos impostos sobre renda e patrimônio, que incidem mais sobre os mais ricos. Além do objetivo de justiça social e melhora na distribuição de renda, uma mudança desse padrão de tributação aproximaria o Brasil da estrutura tributária dos países desenvolvidos.

Reduzir impostos sobre consumo e produção, e aumentar impostos sobre grandes heranças e renda (com mais faixas e tributação de dividendos), poderia ainda colaborar para motivar maior demanda com a mesma carga tributária.

Como a propensão a consumir dos mais pobres é maior do que a dos mais ricos, o efeito multiplicador positivo da redução de impostos sobre consumo, ao aumentar a renda disponível dos mais pobres, tenderia a ser maior do que o efeito multiplicador negativo do aumento de impostos sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos. É fundamental introduzir esses pontos no debate sobre a reforma tributária.

A revisão do teto, a melhoria na composição dos gastos, e uma reforma tributária progressiva colaborariam para a retomada do consumo, do investimento e do crescimento, motivando assim a retomada do crescimento da receita. Isso permitiria financiar a ciência e os gastos sociais que estão atualmente ameaçados e que são fundamentais para mitigar a escandalosa desigualdade de renda brasileira.

[1] Schwartsman: Ao enganador, as batatas
[2] Romero: É preciso rever o teto de gastos

João P. Romero

Professor do Departamento de Economia da UFMG e do Cedeplar, PhD pela Universidade de Cambridge e Coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento

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