Algumas vezes nós, mulheres, atravessamos nosso próprio caminho, diz Jill Ader

Ela é a primeira mulher a presidir uma das principais consultorias de recrutamento do mundo

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São Paulo

O que é fundamental num bom candidato a presidente-executivo ou presidente de conselho de uma grande companhia? Currículo, resultados passados e experiência perderam relevância, diz Jill Ader, 59, presidente de uma das cinco maiores consultorias de recrutamento do mundo, a Egon Zehnder.

Baseada na Suíça e presente em 40 países, a consultoria encontra líderes, desenha sucessões, orienta conselhos e desenvolve executivos em algumas das maiores companhias e organizações do mundo.

A curiosidade passou a ser o principal termômetro do potencial de um líder numa época em que negócios, finanças e trabalho sofrem uma revolução inédita, diz a executiva.

Jill Ader, 59. Presidente da consultoria de recrutamento Egon Zehnder e de seu conselho, especializou-se em administração na London Business School e trabalhou em varejo, consultoria estratégica e venture capital. Na Egon Zehnder desde 1996, ocupou vários cargos de chefia, entre eles o do escritório de Londres. - Bruno Santos/Folhapress

Em São Paulo, onde esteve em novembro para falar sobre “o líder curioso” em seminário, Jill também citou empatia e flexibilidade como muito relevantes: para mudar, é preciso haver segurança psicológica, para que não haja medo de arriscar nem de errar.

Ainda que esses indicadores de potencial de liderança sejam vistos como “femininos”, as mulheres ainda são minoria no topo da carreira. Levantamento da Egon Zehnder mostra que a participação delas em conselhos cresce lentamente e a fatia de executivas nos cargos de maior poder é diminuta.

Parte da desigualdade se deve às próprias mulheres. Primeira representante do sexo feminino a presidir a consultoria desde sua fundação, em 1964, Jill hesitou antes de concorrer à vaga. “Basicamente, estava me tirando da disputa. Mas pessoas ao meu redor me ajudaram a ver: ‘Por que não você?’.”

Para contornar dificuldades como essa, desenvolver futuras lideranças é tão importante quanto encontrar pessoas já prontas no mercado, afirma ela.

Que habilidades um líder deve ter neste mundo em mutação sem precedentes? O principal termômetro de potencial é a curiosidade. Se tudo está mudando, precisamos de líderes curiosos e capazes de engajar tanto mentes como corações. Porque, para transformar, é indispensável criar um ambiente de segurança psicológica. Se as pessoas tiverem medo de perder o emprego se não seguirem as regras, não há transformação.

Significa mostrar às pessoas que podem arriscar? Sim, estar disposto a experimentar e ter curiosidade sobre o que funciona ou não. Não podemos mais confiar em melhores práticas.

Mas, na hora de contratar, não é mais difícil avaliar curiosidade em vez de currículo e experiência? O currículo mostra o que foi conquistado, os resultados da empresa etc. Mas, quando checamos as referências de alguém e perguntamos “quão curioso ele é?”, descobrimos muito mais. É fascinante o quão profundas são as informações que conseguimos com questões sobre curiosidade, envolvimento, discernimento e determinação, as qualidades que indicam potencial.

Como a sra. define discernimento? Há pessoas que olham as coisas e fazem conexões que te levam a pensar “por que eu não vi isso?”. É a capacidade de enxergar padrões e conexões e, muito importante, de tentar “desconfirmar” evidências. Muitos de nós, líderes, estamos dispostos a fazer experiências, mas, no fundo, queremos resultados que confirmem o que pensamos. Líderes que realmente têm discernimento buscam tanto confirmar quanto “desconfirmar” evidências.

A sra. diria que essas novas qualidades fundamentais para líderes são femininas? A capacidade de pensamento analítico, lógico, linear é normalmente vista como traço masculino, junto com foco e espírito competitivo. Os traços associados ao feminino são intuição, compaixão, empatia, flexibilidade. Na verdade, todos temos traços masculinos e femininos. A questão é se escolhemos usá-los ou não. Mas, hoje, tudo tem a ver com transformação, e ela precisa dessas qualidades vistas como femininas. Então, se os homens não as abraçarem, eles serão deixados para trás.

Cotas são uma boa solução? Para mim, são um mal necessário, mas não a resposta. Hoje há uma pressão dos investidores, que têm cobrado que CEOs [presidentes-executivos]e conselhos promovam mais líderes mulheres, o que também ajuda. E, se a diversidade é uma meta do CEO ligada a seu bônus, você, definitivamente, consegue ver progresso.

Mas o que vemos, frequentemente, são as pessoas contando a diversidade em vez de fazer a diversidade contar. Tudo passa por: “Quantos nós temos, qual é o percentual, mudou?”. Mas deveria ser: “Nós permitimos que mulheres e pessoas de origem étnica diferente cresçam? Fazemos elas sentirem que fazem parte daqui? Nos preocupamos com como elas se sentem?”.

Algumas vezes nós, mulheres, atravessamos nosso próprio caminho. Na eleição para presidente do conselho da Egon Zehnder, eu pensava: “Não posso fazer isso, é muito difícil, essa não sou eu”. Basicamente, estava me tirando da disputa. Mas pessoas ao meu redor me ajudaram a ver: “Por que não você?”.

Um homem não poderia ter se sentido da mesma forma, já que era uma situação inédita [até então, o mesmo executivo desempenhava o papel de CEO e presidente e indicava seu sucessor]? As pesquisas mostram que os homens são mais propensos a se considerar prontos para um papel maior. Nós, mulheres, tendemos a nos minimizar.

Uma questão é que, nas promoções, o conceito do que é boa liderança tem um viés masculino: foco em meta, estilo heroico de líder. Outra é que muitas mulheres acham que devem se enquadrar nesse esquema. Eu pensava assim também. Quando você se adapta a esse modelo e recebe elogios e promoção, pensa “ah, então é assim”, e fica mais difícil voltar a ser quem você realmente é.

Como a sra. superou isso? Quando liderei nosso escritório de Londres, adotei todos os traços masculinos: era de certa forma dura, dava retornos duros às pessoas. Usamos a terminologia da [escritora] Erica Fox de pensador, sonhador, amante e guerreiro, e, em Londres, eu era um líder pensador e guerreiro.
Mas tirou muito de mim ser assim. Sou muito mais feliz com coisas ligadas a visão, propósito, pessoas, cultura. É daí que vem minha energia. O guerreiro é muito forte em mim, mas precisa estar a serviço de algo, de ajudar as pessoas a desenvolver seu potencial, da inovação para clientes. Quando me dei conta disso, concluí que queria ser eu mesma, quer os outros gostassem disso quer não.

Há evidências convincentes de que diversidade, curiosidade, empatia e flexibilidade melhoram o resultado das empresas? Há estudos muito convincentes —da McKinsey, do Lloyds, da Goldman Sachs— que mostram que a presença de mulheres em conselhos e cargos de liderança melhora a capacidade de resolver problemas, porque eles passam a ser vistos por ângulos diversos.

Então não é por falta de informação. Não. É por crença e por medo. Quem está no conselho teme que a empresa mergulhe durante seu mandato, o que prejudicaria sua reputação.
Mas é preciso saber o que a sociedade espera da sua organização. Os investidores estão prestando muita atenção a essa questão, e a geração do milênio pode não vir trabalhar na sua empresa. Muitos conselheiros percebem isso intelectualmente, mas não sabem o que fazer a respeito disso. E não basta colocar um valor no seu website, é preciso ser coerente. Ter um propósito e agir em consonância com ele.

Isso abre espaço para que as mulheres mostrem que sabem fazer de forma diferente? Exatamente. Precisamos encorajar mais mulheres a desenvolver suas identidades como líderes. Uma questão é que os homens têm mais modelos com quem se identificar. Veja a minha indústria. Como pode ser que eu seja a primeira mulher presidente de conselho no nosso setor? Não faz sentido.

A sra. diria que é fácil encontrar boas candidatas para vagas do topo? No Brasil, é possível encontrar candidatas, mas, pelo que ouvi de CEOs, parece realmente difícil recrutar líderes negros. Alguns executivos disseram ter conseguido sucesso indo a várias universidades em diferentes partes do país, investindo no ensino de línguas.

Entre os dez CEOs que encontrou [em jantar em São Paulo], quantos eram mulheres e negros? Duas mulheres, nenhum negro. O que temos tentado fazer é nos fazer responsáveis. Se estamos preparando uma longa lista de candidatos, fazemos tudo que podemos para garantir o máximo de diversidade. E os clientes devem nos cobrar isso. Mas não podemos criar os candidatos se eles não existirem. Por isso, há seis anos, começamos também a desenvolver líderes, e não apenas procurá-los. No Brasil, um quarto do que fazemos são programas para desenvolver indivíduos, times, conselhos e cultura. Mas, entre os brasileiros, por enquanto, ainda não treinamos nenhuma mulher.

Como está o Brasil no quesito diversidade nas empresas? Bastante atrás, tanto em gênero quanto em etnia, mas também em internacionalização. É uma pena, porque vocês têm ótimos líderes e uma enorme quantidade de potencial não desenvolvido.
 

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