Descrição de chapéu
Financial Times

Fundadores do Google saem, mas na prática continuam no comando

Page e Brin seguem acionistas controladores, o que torna improvável mudança na empresa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Richard Waters
San Francisco | Financial Times

A coisa mais notável sobre a saída abrupta dos fundadores do Google do comando do gigante das buscas que eles passaram 21 anos construindo foi o quanto ela foi discreta.

O anúncio, na noite de terça-feira, de que Larry Page e Sergey Brin estavam renunciando aos seus postos, imediatamente, marcou o final de uma era. Como a saída de Jack Ma do comando da gigante chinesa do comércio eletrônico Alibaba, em setembro, o anúncio deu início a uma nova fase para um dos impérios de internet mais dominantes.

A última vez em que o fundador de uma das grandes companhias de tecnologia dos Estados Unidos abandonou voluntariamente seu posto aconteceu em 2006, quando Bill Gates anunciou que se afastaria das operações cotidianas da Microsoft.

Mas as ações da Alphabet, a companhia controladora do Google, na verdade subiram ligeiramente depois do anúncio, e a reação da maioria dos investidores e analistas à notícia foi de indiferença.

“Creio que Larry Page e Sergey Brin já tinham de afastado do negócio há algum tempo – o anúncio provavelmente só formaliza algo que já estava acontecendo”, disse Kevin Walkush, administrador de carteira de investimentos na Jensen Investment Management, que detém ações da Alphabet.

O logo do google pode ser visto, de baixo para cima, na sede da empresa em Nova York, em um prédio marrom, de tijolos
Escritório do Google em Nova York; Larry Page e Sergey Brin foram os fundadores da empresa há 21 anos - Brendan McDermid/Reuters

Mesmo assim, a saída deles aconteceu sem aviso, e em um momento em que o Google está sob considerável pressão, interna e externa. “A notícia certamente me surpreendeu”, disse Sebastian Thrun., que criou o projeto de carro autoguiado do Google e mais recentemente vem comandando a Kitty Hawk, uma empresa de carros voadores na qual Page investiu, acrescentando que Page não havia lhe oferecido qualquer indicação de que planejava renunciar.

Os dois homens retrataram sua saída como parte de uma progressão lógica que já os havia visto abandonar o envolvimento direto na direção das operações cotidianas da empresa. Quando a Alphabet foi criada, quatro anos trás, eles entregaram, o comando do Google a Sundar Pichai, um dos principais executivos de produtos da companhia, com Page se tornando presidente-executivo e Brin se tornando presidente do conselho da nova empresa.

Isso era um reflexo de interesses pessoais que se haviam expandido para bem além do Google – ainda que os negócios de internet continuassem a gerar mais de 99% da receita do grupo, bem como todas as reservas de caixa empregadas para financiar suas outras atividades, do desenvolvimento de carros autoguiados à entrada no setor de saúde.

Page comandou as operações de internet da empresa no passado, mas não mostrou muito interesse pela administração cotidiana do negócio. Em lugar disso, o que o fascinava era a busca de grandes avanços tecnológicos em diversos setores – um papel que ele tinha mais liberdade de desempenhar no comando da holding do grupo.

“Na minha opinião, Larry é o Thomas Edison de nossa era”, disse Thrun. “Ele não inventou só uma coisa. Quer estar na ponta mais aguçada da tecnologia, não importa em que área”.

Brin, enquanto isso, se interessava pelas iniciativas mais fantasiosas de tecnologia da divisão X, uma iniciativa de desenvolvimento de tecnologias avançadas que ele ajudou a estabelecer para incubar as novas empreitadas mais ambiciosas da companhia.

Ele assumiu o papel de defensor direto de diversos projetos – ainda que a reação adversa, por violações de privacidade, ao Google Glass, o projeto de realidade aumentada com o qual ele mais se identificou, demonstra que a obsessão do Google com os avanços tecnológicos ocasionalmente cega a empresa quanto às considerações humanas.

Ao sair, os fundadores tentaram descrever seus papéis desde a criação da Alphabet como apenas temporários; já que as demais unidades de negócios operam com equipes de gestão separadas, e em alguns casos têm investidores externos e conselhos independentes, manter um comando executivo na holding deixou de ser necessário.

Mesmo assim, eles continuarão a fazer parte do conselho da empresa e ainda serão seus acionistas controladores, com 51% das ações especiais com direito a voto, o que torna improvável qualquer mudança significativa, sob o novo comando.

“Estamos falando de uma mudança de título, não de uma mudança concreta”, disse Charles Elson, professor de governança empresarial na Universidade do Delaware, sobre a reformulação de comando. ‘Na prática, eles continuam a comandar o negócio, essa é a chave”.

Mas a transição deixou inevitavelmente a sensação de final de uma era. “Dois caras que largaram a faculdade criaram uma das maiores companhias do planeta”, disse Thrun.

A notícia gerou especulações quanto a uma redução maior dos projetos avançados da Alphabet. Sob Ruth Porat, que veio do banco Morgan Stanley para se tornar vice-presidente de finanças da Alphabet, a companhia abandonou alguns de seus grandes planos e cortou alguns outros.

Essas atitudes acalmaram as preocupações de Wall Street e reduziram a pressão por novas medidas imediatas. O cancelamento do esforço para desenvolver uma empresa de banda larga nos Estados Unidos, por exemplo, reduziu o ritmo de queima de caixa, disse Walkush; depois disso, os investidores vêm em geral ignorando o que a Alphabet define como suas “outras apostas”, e se concentrando em sua principal fonte de lucro, o Google.

Ainda assim, o afastamento dos fundadores pode ter consequências em longo prazo. Eles podem, por exemplo, seguir o caminho de Gates, que reduziu sua posição pessoal na Microsoft para se dedicar a projetos mais pessoais.

Na foto, o fundador da Microsoft, Bill Gates, aparece em um palanque falando em uma palestra, com uma das mãos erguida no ar.
Bill Gates em uma palestra durante uma conferência na França, em junho deste ano: o fundador da Microsoft se afastou das operações cotidianas da companhia em 2006 - Ludovic Marin/AFP

As ações de Page e Brin lhes dão um interesse econômico de 11,4% na empresa, atualmente avaliado em US$ 101 bilhões.

Os dois têm 46 anos e não mostraram qualquer arrefecimento das ambições grandiosas que levaram à famosa missão declarada do Google, a de organizar “toda a informação do mundo”. Page, por exemplo, “quer mudar o mundo, e ainda é jovem”, disse Thrun. Sem reponsabilidades cotidianas de gestão, ele terá mais liberdade para colocar seu dinheiro e seu interesse em outras empreitadas.

O reordenamento do comando da companhia coloca Pichai na berlinda. No comando do Google, ele já enfrentava pressões de trabalhadores que buscam determinar o rumo futuro da empresa, bem como ameaças externas de políticos e autoridades regulatórias preocupados com o poder econômico e de mídia da companhia de internet.

Ao assumir novas responsabilidades —entre as quais o comando de uma companhia de capital aberto—, Pichai tem ao menos a vantagem de ser uma figura conhecida. “Acho que ele tem muita experiência, e boa experiência”, disse Walkush, acrescentando que Pichai e Porat desfrutam de sólido apoio dos acionistas.

Mas a promoção também pode se provar libertadora. Uma fonte bem informada sobre o Google disse que a responsabilidade adicional poderia tornar a vida de Pichai mais fácil, porque ele já não teria de se reportar ao comando da holding.

Com o afastamento de Page, que sempre relutou em assumir um papel público, a Alphabet escapará a uma questão que já começava a incomodar: por que seu principal executivo vinha se mantendo invisível em um momento tão crítico para a companhia? Ao tentar atenuar a preocupação cada vez mais forte sobre o poder crescente da Alphabet, Pichai claramente terá um papel de destaque.


Google aos 21 anos

1998

Google criado na Califórnia por Larry Page e Sergey Brin, com dinheiro obtido de quatro “angel investors”, entre os quais Jeff Bezos.

2000

O Google se torna o maior serviço de buscas do planeta.

2001

Eric Schmidt é contratado como presidente do conselho e mais tarde se torna presidente-executivo. Page e Brin se tornam presidentes de produtos e tecnologia.

2004

Google lança o Gmail e em seguida abre seu capital, a US$ 85 por ação.

2005

Google compra Android por preço não revelado. Lançamento do Google Maps e Google Earth.

2006

Google compra YouTube por US$ 1,65 bilhão, com pagamento em ações.

2007

Google adquire plataforma de publicidade online DoubleClick, por US$ 3,1 bilhões.

2011

Schmidt deixa o posto de presidente-executivo, substituído por Page, mas continua como presidente do conselho.

2012

Google atinge faturamento anual de US$ 50 bilhões.

2014

Google adquire companhia de inteligência artificial Deep Mind.

2015

Google reestrutura seus interesses sob a holding Alphabet. Sundar Pichai é apontado para o comando do Google. Page se torna presidente-executivo da Alphabet.

2017

Eric Schmidt deixa a presidência do conselho.

2019

Page e Brin renunciam e Pichai se torna o líder da Alphabet.

Tradução de Paulo Migliacci

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado em versão anterior deste texto, o Google foi fundado há 21 anos, e não 211 anos. O texto foi corrigido.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.