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Desafio do BC é fazer R$ 1,2 tri sair dos bancos para empresas e famílias

Plano é o maior da história, mas instituições financeiras temem assumir risco de calote com recessão

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Brasília e São Paulo

Depois de anunciar um pacote de medidas que deu às instituições financeiras a possibilidade de injetar até R$ 1,2 trilhão na economia, em meio à pandemia do Covid-19, o BC (Banco Central) tem agora o desafio de fazer com que o dinheiro chegue às empresas e famílias.

Na última segunda-feira (23), a autoridade monetária anunciou o maior plano de liberação de recursos da história. Também foram anunciadas mudanças que liberaram parte do capital dessas instituições para aumentar os empréstimos nesse valor.

Mais liquidez —oferta de dinheiro no mercado financeiro— porém, não é suficiente para assegurar que os bancos emprestem o dinheiro.

Presidente Jair Bolsonaro e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto
Presidente Jair Bolsonaro e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - Lucio Tavora/Xinhua

Parte do dinheiro já está liberado para os bancos, como no caso da redução dos compulsórios, mas não há obrigação de usá-lo para crédito. Outras medidas vão depender da disposição das instituições financeiras de pegar dinheiro emprestado no BC e de, mais uma vez, fornecer crédito para empresas e famílias.

Para vários economistas, em um cenário de incerteza sobre a duração do isolamento e da interrupção do fluxo de caixa das companhias, é difícil convencer os bancos a emprestarem a taxas baixas. Por isso, cresceu a discussão sobre a necessidade de o governo federal entrar como garantidor das operações, assumindo integralmente ou ao menos em parte do risco de calote.

No sábado (29), o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que boa parte do dinheiro liberado estava “empoçada” nos bancos. Eles estariam com medo de fazer empréstimos a empresas que estão com problema de fluxo de caixa por conta das paralisações, segundo o ministro.

Isso motivou o BC a anunciar outra medida na sexta-feira (27). Em conjunto com o Ministério da Economia e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), criou uma linha emergencial de R$ 40 bilhões para financiar dois meses de folha de pagamento de empresas que faturam de R$ 360 mil a R$ 10 milhões por ano.

Nesse caso, o governo entrará com 85% dos recursos. Os bancos colocam 15%. O risco de calote é dividido na mesma proporção (85/15). O custo para a empresa é igual à taxa básica (3,75% ao ano), sem “spread” para os bancos, com carência de seis meses para pagar e em 36 parcelas.

Neste domingo (29), Bradesco, Itaú e Santander fizeram anúncio conjunto dizendo que têm quase 500 mil empresas com esse perfil de faturamento como clientes e que elas, desde que tenham folha de pagamento e dívidas em dia em um dos três bancos, poderão ter acesso à linha.

Como forma de tentar destravar mais recursos, o governo também irá propor ao Congresso uma alteração na Constituição para autorizar o BC a comprar diretamente crédito públicos e privados, algo que é feito pelos bancos centrais de países desenvolvidos.

Essa seria uma forma de fazer o dinheiro chegar às empresas sem que os bancos tenham de arcar com riscos.

A proposta para que o governo federal atue como garantidor de empréstimos bancários, assumindo o risco de inadimplência, para fazer com que as medidas anunciadas se traduzam em mais crédito já foram defendidas em artigos publicados na Folha por vários economistas. Entre eles, o ex-presidente do BC Arminio Fraga e o ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff Nelson Barbosa.

“[O governo] Poderia criar uma garantia dentro das linhas de liquidez do BC. O banco empresta o dinheiro para as empresas, mas, se ela não pagar, não cria um problema nas instituições financeiras”, afirma Luis Miguel Santacreu, analista do setor bancário da agência de classificação de risco Austin Ratings.

“O problema é que não sabe até quando vai essa paralisação. Se for um mês, é possível fazer com uma linha de capital de giro, prorrogar um vencimento, fazer aditivo de contrato, isso é comum, mas o problema é muito mais a questão do prazo, e os bancos podem dar dinheiro a fundo perdido”, diz Santacreu.

O economista Frederico Gomes, professor de Finanças do Ibmec Brasília, diz que as medidas do BC representam uma injeção de liquidez forte no sistema financeiro, mas que, em um ambiente de aversão a risco, é de se esperar que os bancos cobrem mais caro e reduzam suas operações.

“Uma solução é abrir uma linha garantida integralmente pelo Tesouro Nacional. O risco de crédito fica com o governo. Você pode até usar a capilaridade dos bancos públicos para chegar nas empresas de menor porte”, afirma Gomes.

Segundo ele, considerando a taxa média de inadimplência do sistema financeiro de cerca de 4%, o custo para o governo seria de R$ 4 bilhões para cada R$ 100 bilhões emprestados. Para o economista, não se trata de abandonar os princípios de austeridade e responsabilidade fiscal, mas de uma atuação necessária para resolver uma questão emergencial e que está em linha com os pacotes de estímulos adotados em outros países agora.

Ele ressalta ainda que, principalmente para empresas de menor porte, é necessário garantir um prazo de carência para que seja possível pagar essa dívida ao longo de muitos meses, uma vez que muitas não irão conseguir recuperar as receitas perdidas.

“Você acaba por garantir emprego, não só a sobrevivência da empresa. As formas tradicionais de as empresas menores captarem recursos, esses canais estão entupidos. Esse momento demanda medidas extraordinárias.”

“Todos os principais bancos centrais do mundo têm aval para intervir no mercado de títulos privados”, diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves.

“As instituições não emprestariam por conta do risco elevado de não receber, e já que veem uma recessão à frente.”

Sobre o financiamento da folha de pagamento, ele diz que o risco do banco foi reduzido a 15%, mas lembrou que a medida só beneficia pequenas e médias empresas e que muitas outras ficam de fora.

Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, a injeção de liquidez foi necessária para que o setor financeiro não fosse contaminado pela crise.

“Resolve um possível risco sistêmico imediato. Assim, setores que continuam bem mesmo com o lockdown [quarentena], como telefonia, também seriam prejudicados caso faltasse recursos nos bancos”, frisou. “Injeção de capital, pode gerar crédito, mas com contração da demanda é difícil”, avaliou.

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