Descrição de chapéu The Washington Post

Jack Welch, o gestor do século no mundo corporativo dos EUA, morre aos 84 anos

Executivo era considerado impiedoso; em 21 anos de General Electric, ele elevou a receita anual de US$ 25 bilhões para US$ 130 bilhões

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Jia Lynn Yang
The Washington Post

Jack Welch, vigoroso ex-comandante da General Electric que transformou sua companhia e o mundo empresarial dos Estados Unidos com sua atenção impiedosa a detalhes, morreu no dia 1º de março, aos 84 anos.

A causa foi insuficiência renal, disse Abby Whalen, porta-voz de sua família. Ela não informou onde Welch morreu.

Os traços que definiram a passagem de Welch pelo comando da General Electric nas décadas de 1980 e 1990 se tornaram parte do manual para os presidentes-executivos de grandes empresas: demissões impiedosas, expansão ambiciosa em todo o mundo, opções de ações lucrativas para os executivos de alto desempenho, e um esforço incansável para premiar os acionistas com lucros estelares a cada trimestre.

Os métodos dele eram controversos. Apelidado “Neutron Jack” por suas demissões em larga escala de pessoal da General Electric, ele foi saudado como “o gestor do século” pela revista Fortune, em 1999.

No papel, os resultados que ele conseguia eram inegáveis. Nos seus 21 anos à frente da General Electric, Welch elevou a receita anual de US$ 25 bilhões para US$ 130 bilhões, e os lucros de US$ 1,5 bilhão para US$ 15 bilhões; o valor total da companhia no mercado de ações cresceu em 30 vezes, para mais de US$ 400 bilhões –o que em dado momento fez dela a companhia de capital aberto mais valiosa dos Estados Unidos.

Jack Welch, em conferência em Nova York, em outubro de 2000 - Reuters

O sucesso dele o transformou em exemplo para executivos em toda parte, que estudavam atentamente seus livros sobre gestão a fim de aprender seus métodos, que ele definia como “the Welch way”.
Welch escreveu, no best seller “Jack: Straight From the Gut” (2001), um sucesso com mais de 800 mil cópias vendidas nos Estados Unidos, que “muitos de meus pares me viam como o cara errado no lugar errado, e achavam que eu era diferente demais para comandar a GE. Eu era brutalmente honesto e dizia o que pensava. Era impaciente, e muita gente me via como abrasivo”.

Welch comandava a General Electric como se fosse um general que não aceita menos que dominar o mundo. Ele promovia cisões e alijava subsidiárias sem demonstrar emoção, e invadia novos setores por meio de aquisições audaciosas. Além disso, não tinha medo de endividar a empresa para financiar sua expansão.

As decisões de Welch propeliram –e refletiram– as mudanças dilacerantes que aconteciam na economia americana de modo mais amplo, no período em que esta abandonava a indústria tradicional e passava a enfatizar mais os serviços, especialmente os financeiros. Ele assumiu o comando de uma empresa que fabricava secadores de cabelo e cartuchos para aparelhos de barba, e a fez avançar sem hesitação para o setor bancário, os aparelhos médicos de alta tecnologia e a televisão, por meio da tomada de controle da rede NBC.

Seu longo histórico de sucesso em satisfazer Wall Street veio entremeado de escândalos. Em 1992, a divisão de turbinas aeronáuticas da companhia se admitiu culpada de fraudar o Departamento de Defesa em US$ 42 milhões, e de subornar um general israelense a fim de conquistar encomendas de turbinas. Em 1994, a companhia revelou que um operador de títulos fraudulento da corretora de valores Kidder Peabody, que a General Electric tinha acabado de adquirir, havia falsificado US$ 350 milhões em lucros.

Depois que se tornou claro que a General Electric havia despejado poluentes no rio Hudson por anos, a equipe jurídica de Welch argumentou incansavelmente que a empresa não tinha responsabilidade por limpar a poluição. Em 2002, depois da aposentadoria de Welch, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) chegou a um acordo com a GE sob o qual a empresa removeria os produtos químicos tóxicos, mas ambientalistas afirmam que a companhia limpou apenas uma parte do estrago.

Um divórcio litigioso de sua segunda mulher, Jane Beasley, também prejudicou a reputação de Welch. O processo de divórcio revelou que ele vinha desfrutando de benefícios generosos de aposentadoria custeados pela General Electric, entre os quais o uso de um apartamento em Manhattan cujo aluguel mensal era de US$ 80 mil.

O desempenho da empresa logo depois da saída de Welch também demonstrou que a lenda tinha seus pontos fracos. A companhia quase afundou durante a crise financeira de 2008, porque sua divisão financeira –que Welch havia transformado em uma operação gigantesca que àquela altura respondia por metade dos lucros da GE– havia assumido riscos demais e necessitava de um resgate muito dispendioso.

Algumas pessoas começaram a questionar se Welch não havia sido beneficiado por um momento favorável. Seu período no comando da GE coincidiu quase exatamente com uma alta histórica dos mercados nos Estados Unidos, nas décadas de 1980 e 1990. E ele deixou o posto pouco antes que o mercado afundasse, em 2001.

“O que tornou sua estratégia possível – e de fato a definiu – foi a alta do mercado de ações, e a nova ideologia que elogiava o livre mercado mesmo quando este fracassava”, escreveu o jornalista e consultor político Jeff Madrick sobre Welch, em seu livro “Age of Greed: The Triumph of Finance and the Decline of America” [era da cobiça: o triunfo das finanças e o declínio dos EUA].

John Francis Welch nasceu em 19 de novembro de 1935 em Peabody, Massachusetts. A família dele se mudou pouco depois para um bairro operário na vizinha cidade de Salem.

O pai de Welch trabalhava como condutor de trem na linha local entre Boston e o Maine. A mãe de Welch, nascida Grace Andrews, era dona de casa e criava o filho do casal, conhecido pelo apelido “Jack”. Welch via a mãe como sua melhor amiga e confidente.

Nos verões, o pai o encorajava a trabalhar como “caddie” em um clube de golfe local, para ganhar dinheiro. O trabalho influenciou Welch, por tê-lo colocado em contato com pessoas de sucesso, e por fazer dele um entusiasta do golfe pelo resto da vida.

Welch se formou em 1957 na Universidade de Massachusetts, em Amherst, com um diploma em engenharia química, e em 1960 conseguiu um doutorado em engenharia química pela Universidade do Illinois. Welch se casou com uma colega de universidade, Carolyn Osburn, em 1959.

Depois do doutorado, Welch foi contratado pela General Electric para uma nova unidade de desenvolvimento de produtos químicos em Pittsfield, Massachusetts. Sua carreira começou a decolar quando ele persuadiu a GE a abrir uma fábrica de um novo produto chamado Noryl. As vendas cresceram rapidamente e, aos 32 anos, Welch se viu promovido a diretor geral da divisão de plásticos da companhia, que movimentava US$ 26 milhões ao ano.

“A promoção me colocou lá no alto, com todos os benefícios – um convite anual para a reunião dos executivos da empresa na Flórida, todo mês de janeiro, e minhas primeiras opções de ações”, escreveu Welch em suas memórias.

Em 1973, seu objetivo profissional de longo prazo se tornou claro: ele pretendia dirigir a General Electric, um dia. Naquele ano, ele deu um primeiro passo importante quando a companhia o encarregou de comandar diversos negócios, dos produtos químicos a sistemas médicos, bem como componentes para eletrodomésticos, uma área que respondia por US$ 2 bilhões anuais em vendas e tinha 46 mil empregados.

Reginald Jones, então presidente-executivo da GE, começou a reparar no sucesso de Welch e o convidou a assumir mais um posto, o comando da divisão de produtos e serviços da empresa – desta vez, na sede corporativa em Fairfield, Connecticut, onde ele basicamente estaria competindo contra diversos outros candidatos pelo posto de próximo presidente-executivo da General Electric.

Havia pessoas na companhia que consideravam Welch como jovem e arrogante demais para ser presidente-executivo. Mas em 1º de abril de 1981, Jones o apontou para o cargo.

O novo presidente-executivo logo lançou uma fórmula para o sucesso da empresa: ela só permaneceria em mercados nos quais fosse a líder ou vice-líder. E ele queria remover diversas camadas de burocratas da companhia.

No começo da década de 1980, com o país sofrendo uma recessão e com o medo de que companhias japonesas sobrepujassem suas rivais americanas, Welch continuou a enxugar a estrutura da General Electric, argumentando que era mais “humano” demitir as pessoas logo, porque elas teriam mais facilidade para encontrar emprego do que seria o caso se a empresa esperasse a situação piorar.

“Qualquer organização que pense que pode garantir empregos ao seu pessoal vai terminar em um beco sem saída”, escreveu Welch em suas memórias. “Só clientes satisfeitos são capazes de garantir o emprego de pessoas. Essa realidade pôs fim aos contratos implícitos que empresas um dia tiveram com seu pessoal”.

Pelo final de 1985, o quadro da empresa havia caído para 299 mil pessoas, ante 411 mil no final de 1980.
Welch era duro com as pessoas que ficaram, desenvolvendo um sistema agressivo de avaliação sob o qual cada empresa da General Electric tinha de dividir seu pessoal em três grupos: os 20% de melhor desempenho, os 70% vitais para o funcionamento, e os 10% de pior desempenho. Quem fosse incluído no terceiro grupo em geral terminava demitido.

Em 1987, Welch se divorciou de Carolyn, atribuindo o fracasso de seu casamento em parte ao fato de que era viciado em trabalho. Ele não demorou a conhecer sua segunda mulher, a advogada Jane Beasley. Welch a convenceu a deixar seu trabalho e viajar com ele em tempo integral. Beasley também cuidou do marido depois dos dois ataques cardíacos que ele sofreu.

Mas em 2002, ele pediu divórcio (na verdade, usou um oficial de justiça para entregar a petição de divórcio a Beasley). Welch havia se apaixonado por Suzy Westlauer, a quem conheceu quando ela era editora da Harvard Business Review e o entrevistou para um artigo. Os dois se casaram posteriormente.

O divórcio com Beasley foi litigioso e público, com os dois lados lutando pela fortuna de US$ 800 milhões acumulada por Welch. Dias antes da data marcada para o início do julgamento, o casal divulgou um comunicado anunciando ter chegado a um acordo, cujos termos jamais foram revelados.

Em 2001, Welch entregou o comando da empresa a Jeffrey Immelt, que, como ele, havia comandado a divisão de plásticos da GE por anos. Depois de deixar a companhia, Welch e a mulher coescreveram o best seller “Winning”, que vendeu mais de 500 mil cópias nos Estados Unidos.

Um mês antes da eleição presidencial de 2012, Welch deu a entender no Twitter que Barack Obama havia manipulado os números mensais sobre o nível de emprego dos Estados Unidos a fim de melhorar suas chances de conquistar a reeleição. Austen Goolsbee, antigo assessor econômico da Casa Branca, reagiu via Twitter: “Você enlouqueceu”.

Um repórter da revista Fortune escreveu um artigo no qual criticava os comentários de Welch, e isso levou o executivo aposentado a romper seu contrato com a Fortune e a Reuters, que publicavam as colunas que ele coescrevia com a mulher.

Métodos rudes e agressivos foram tema constante na vida pessoal e profissional de Welch.

“Não existe história perfeita, nos negócios”, ele certa vez escreveu sobre sua passagem pela GE. “Acredito que os negócios sejam mais ou menos como um restaurante de primeira linha. Se você olha do outro lado da porta da cozinha, a comida nunca parece tão apetitosa quanto quando ela é servida em porcelana fina e decorada com capricho. Os negócios são desordenados e caóticos”.

 
The Washington Post, tradução de Paulo Migliacci

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