Apesar da fragmentação do nosso sistema partidário, da necessária aprovação parlamentar para inúmeras matérias e da estrutura federativa do Estado, o nosso sistema político-institucional concentra poderes suficientes nas mãos do presidente da República para implementar seu programa de governo.
Sem adentrar em nuances do tema ao longo da história, esta foi a tônica entre os anos de 1990 a 2014, inclusive na aprovação de diversas reformas constitucionais e na implementação de políticas públicas estruturantes.
Dentre os poderes que o presidente da República para comandar a agenda legislativa, destacam-se: a possibilidade de edição medidas provisórias; o poder de iniciativa legislativa para diversos temas, incluindo a organização da administração pública e o Orçamento público; a capacidade de requisitar a urgência na tramitação dos projetos de lei propostos pelo Executivo; e o poder de veto parcial ou integral sobre os projetos de lei aprovados pelo Parlamento.
Nos últimos anos, no entanto, temos visto a reversão dessa preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Diversos são os sinais nesse sentido.
A taxa de aprovação das MPs (medidas provisórias) tem sido a menor dentre todos os presidentes do período democrático.
O número de vetos presidenciais derrubados pelo Congresso também disparou, incluindo matérias de destaque como a nova Lei de Abuso de Autoridade ou a alteração dos critérios para concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Vale lembrar o protagonismo que o Legislativo assumiu em pontos centrais da agenda do governo, notadamente a reforma da Previdência.
Esse renascimento do Legislativo parece estar em evidência mais uma vez durante a crise causada pela pandemia da Covid-19. Ora, crises são momentos em que tipicamente o Executivo assume as rédeas do processo, seja por sua liderança política e capacidade de articulação, seja pela expertise técnica e jurídica dos ministérios e agências.
Contudo, se é verdade que o Ministério da Saúde tem tentado coordenar a resposta sanitária à pandemia, a dimensão da crise enseja outras reações nos campos econômico, social e jurídico. E aqui o Congresso Nacional parece estar com o leme: a aprovação do auxílio emergencial para pessoas de baixa renda, cuja iniciativa do projeto e desenho do programa foram definidos pelos parlamentares.
Se olharmos apenas para agenda de hoje do parlamento, temos dois bons exemplos. No Senado, tivemos a votação do PLS n. 1.179/2020, que cria um regime jurídico transitório para diversas relações jurídicas privadas no período da pandemia, de autoria do atual presidente-Interino do Senado Federal.
O texto foi articulado em parceria com o presidente do STF, membros do STJ e contou com a contribuição de diversos juristas. Inspirando em uma legislação aprovada recentemente na Alemanha, o projeto busca reduzir o grau de insegurança jurídica e litigiosidade típicos em períodos de crise.
Do outro lado do corredor, na Câmara, está a votação da chamada PEC do Orçamento de Guerra, de autoria do presidente da Casa. A proposta cria um regime extraordinário fiscal, orçamentário e de contratação para enfrentar os desafios trazidos pela pandemia, trazendo resposta direta aos alegados entraves jurídicos responsáveis pela demora em operacionalizar algumas medidas.
Em suma, o Legislativo tem assumido papel determinante na definição da pauta e na aprovação de matérias estruturantes para o país, sendo o enfrentamento dos efeitos da pandemia outro exemplo eloquente.
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