Empresas tentam reduzir prejuízos ao adiar megaeventos

Objetivo é evitar custos de cancelamento e ganhar tempo para renegociar contratos até o fim do isolamento social

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São Paulo

Organizadores de megaeventos afetados pela pandemia do coronavírus apostam que conseguirão reduzir perdas provocadas pela crise adiando a sua realização, ganhando tempo para renegociar contratos com patrocinadores e fornecedores à espera do fim das medidas de distanciamento social.

Além de evitar custos que teriam com o cancelamento dos eventos, essas empresas também buscam condições para se adaptar às mudanças que certamente serão exigidas pelas autoridades para permitir a retomada das suas atividades, quando a fase mais aguda da transmissão da doença for superada.

Show no Lollapalooza de 2018
Show no Lollapalooza de 2018 - Bruno Santos/ Folhapress

Não se sabe ainda quando nem como competições esportivas, espetáculos ao vivo e congressos empresariais poderão ser retomados, mas é certo que os organizadores desses eventos terão custos adicionais para atender a novas exigências para reduzir riscos à saúde das pessoas na saída do distanciamento.

Há também incertezas sobre o ambiente que as pessoas encontrarão quando puderem sair de casa, por causa da devastação provocada pela paralisia da atividade econômica durante a quarentena e do seu impacto sobre a renda e a disposição dos consumidores para voltar a buscar entretenimento nas ruas.

“Estamos no escuro, e o que consigo ver de outubro em diante é um completo nevoeiro”, diz o empresário Duda Magalhães, presidente da Dream Factory e vice-presidente do grupo Artplan, responsável por eventos como o Rock in Rio, que seria realizado neste ano em Portugal, em junho, e ficou para 2021.

Cancelar eventos sai mais caro porque seus organizadores levam meses para organizá-los e acumulam despesas antes de sua realização para garantir local para a festa, patrocínios e a presença de artistas e atletas —e nem sempre o seguro contratado pelas empresas cobre perdas em caso de cancelamento.

Em abril, os organizadores do torneio anual de tênis de Wimbledon, com início previsto para junho, anunciaram o cancelamento da competição deste ano. O Reino Unido acabara de entrar em quarentena, e a empresa responsável concluiu que seria impossível realizar os jogos, mesmo se fossem adiados.

Os organizadores de Wimbledon deverão receber das seguradoras US$ 142 milhões (R$ 824 milhões), segundo a consultoria britânica GlobalData. É o suficiente para indenizar perdas sofridas por seus patrocinadores, mas o cancelamento do torneio londrino causará ainda uma perda de US$ 212 milhões
(R$ 1,2 bilhão) em direitos de transmissão pela televisão e ingressos a torcedores.

O início do torneio de Roland Garros, na França, foi adiado de maio para setembro, sem que se saiba em que condições ele poderá ser realizado e se será possível que o público acompanhe as partidas no estádio.

Os responsáveis pela competição temem perdas de US$ 280 milhões (R$ 1,6 bilhão) se ela não for realizada.

No caso da Olimpíada de Tóquio, adiada para 2021, analistas ouvidos pela agência de notícias Reuters estimam que as seguradoras cobririam cerca de US$ 2,6 bilhões (R$ 15 bilhões) em perdas em caso de cancelamento —uma pequena fração dos US$ 12 bilhões (R$ 69 bilhões) que os japoneses já investiram.

Apólices de seguro para grandes eventos em geral cobrem prejuízos causados por guerras, desastres naturais e doenças infecciosas, mas muitas excluem eventos como a pandemia do coronavírus. Mesmo assim, há garantia de cobertura em muitos casos, afirmam especialistas.

“O mercado reconhece que há cobertura para muitos fatos associados à pandemia, mesmo que ela não seja a causa direta”, diz o advogado Ernesto Tzirulnik. Medidas tomadas pelos governos para conter o vírus, como a proibição de aglomerações e eventos públicos, em geral dão direito à cobertura.

Em março, o grupo britânico Informa, um dos maiores do mundo na área de congressos empresariais, informou que remarcou 115 eventos do calendário neste ano e cancelou ou empurrou para o ano que vem apenas 13, atribuindo a decisão em parte a restrições previstas pelas suas apólices de seguro.

No Brasil, a Time For Fun anunciou na mesma época que faria o possível para evitar cancelamentos. A empresa adiou o festival Lollapalooza de abril para dezembro. Ela diz que três das atrações principais estão mantidas, mas ainda não definiu a relação completa de bandas que vão tocar no evento.

A maioria dos espetáculos promovidos pela Time for Fun no Brasil foi adiada para agosto e setembro. No fim da semana passada, a empresa ainda tinha ingressos à venda na internet para shows em julho, em datas que se tornaram duvidosas no cenário atual. Ainda havia discussão com os artistas para remarcar os eventos, segundo a empresa.

Muito dependerá das condições que vierem a ser estabelecidas pelas autoridades para a retomada dessas atividades. Empresas do setor esperam restrições a locais fechados e a eventos muito numerosos, além de medidas de segurança, como controle de temperatura e distribuição de máscaras na porta.

“O desejo das pessoas de voltar às ruas significa que haverá uma demanda reprimida quando isso puder acontecer, mas será necessário tomar medidas, em geral custosas, para reconquistar a confiança do público”, afirma Alan Adler, presidente da IMM, que organiza eventos como a São Paulo Fashion Week.

No mundo do entretenimento, o futebol é visto como um laboratório em que várias medidas serão testadas primeiro. Os principais clubes europeus voltaram a treinar em abril, mas a volta dos jogos ainda não tem data certa — a exceção, por ora, é o Campeonato Alemão, reiniciado neste fim de semana. As partidas, como na Bundesliga, provavelmente serão realizadas sem a presença de torcedores.

Haverá perda de receitas com os portões fechados, mas a bilheteria é o que menos contribui para o faturamento dos times. Os direitos de transmissão pagos pelas emissoras de televisão e os patrocinadores que anunciam nas camisas dos jogadores e nos estádios garantem mais da metade do faturamento.

No Brasil, ainda não há nenhuma definição. Em abril, o Grupo Globo, que tem os direitos de transmissão dos principais campeonatos, fechou acordo com os maiores clubes para fazer parte dos pagamentos que estavam previstos enquanto a situação não se resolve —serão 40% em abril e 30% em maio e junho.

O arranjo dá algum oxigênio para os times atravessarem a crise e, ao mesmo tempo, evita questionamentos na Justiça que poderiam esgarçar as relações entre a Globo, os clubes e os patrocinadores. Se os campeonatos fossem simplesmente cancelados, haveria prejuízos para todos e disputas judiciais.

“Todo o mundo está conversando e revendo seus contratos”, diz o advogado Marcos Motta, com clientes nos mundos dos esportes e do entretenimento. “O objetivo é evitar uma corrida por reembolso e indenização, revendo os formatos dos eventos e oferecendo novos conteúdos
para manter os contratos.”

Há também preocupação com a concentração de eventos tentando se viabilizar num curto espaço de tempo, no segundo semestre, quando se espera que será possível retomar as atividades econômicas em ritmo mais acelerado. Com desemprego em alta e renda em queda, não haverá público para todos.

“Muitos eventos adiados agora se revelarão inviáveis lá na frente e serão cancelados”, diz o economista Luiz Gustavo Barbosa, da FGV no Rio.

“Com menos renda disponível para o lazer, as famílias tendem a dar prioridade a eventos maiores e tradicionais, com maior faturamento.”

Medida provisória baixada em março deu aos organizadores de eventos culturais 12 meses para remarcar os que tiveram ingressos vendidos antes da pandemia e foram adiados após a decretação do estado de calamidade pública. O prazo começará a contar depois que o decreto for revogado.

As empresas poderão oferecer aos consumidores créditos para uso em outros eventos e negociar benefícios. O reembolso só é obrigatório em caso de cancelamento do evento.

O tempo ganho com a medida tem sido usado pelas empresas para renegociar contratos e rever seus calendários de eventos.

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