Cenário não está propício para Bolsonaro aprovar reformas, avaliam pesquisadores da FGV

Especialistas participaram de seminário online com mediação da Folha sobre situação do país no pós-pandemia

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São Paulo

A situação atual do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) não o ajuda a conseguir aprovações de reformas para destravar a economia brasileira, segundo análise de especialistas em seminário online realizado pela Folha e FGV (Fundação Getulio Vargas).

O seminário contou com a participação dos professores Carlos Pereira e Octavio Amorim, ambos da Escola Brasileira Administração Pública e de Empresas da FGV, e Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. A moderação foi feita pelo repórter especial da Folha Fernando Canzian.

Na avaliação dos especialistas, o presidente precisa se esforçar para conseguir apoio para suas reformas e também para afastar imagens ruins que surgiram tanto pelos embates com as instituições democráticas quanto pela investigação de Fabrício Queiroz.

"O governo tem alguns partidos que podem obstaculizar iniciativas que tentem abreviar o mandato do presidente. Mas fica muito difícil pensar em uma agenda propositiva com uma coalizão desenhada como escudo protetor", disse Carlos Pereira.

"Estou particularmente pessimista com uma agenda vigorosa de reforma com um presidente tão fragilizado."

Seminário online com pesquisadores da FGV e mediação de repórter da Folha
Seminário online com pesquisadores da FGV e mediação de repórter da Folha - Reprodução

Para o professor Octavio Amorim, é preciso esperar o pós-pandemia para ver qual será o cenário do país, mas o presidente não deve tomar uma postura muito diferente da que vem adotando até aqui.

"Assim que terminar o auxílio-emergencial e os efeitos mais devastadores da pandemia ficarem muito claros, a popularidade do Bolsonaro pode baixar ainda mais. E ai o que ele vai fazer? Vai optar por uma coalizão?"

"Isso não está no DNA de Bolsonaro. Alguém vê Jair Bolsonaro, com seus 28 anos de mandato parlamentar, com mensagens muito claras, formando governo de coalizão, distribuindo ministérios, fazendo também concessões aos partidos mais ao centro e eliminado a ala mais radical do bolsonarismo, liderada pelo Olavo de Carvalho? Eu não vejo isso", disse Amorim.

Na avaliação de Samuel Pessoa, até agora as reformas importantes, como da Previdência e do sanemanto, foram aprovadas apesar do presidente, e não pelo esforço de Bolsonaro em chancelá-las. Isso seria um indicativo de que o Congresso é capaz de seguir com algumas pautas sem a participação do Executivo.

"Tenho certo otimismo sobre o projeto de lei de diretrizes orçamentárias para 2021", disse Pessoa, que, apesar disso, não afirmou não ver o mesmo movimento em outras aprovações. "A Câmara está muito empenhada em uma reforma tributária, mas acho difícil essa reforma andar sem a liderança do presidente da República."

Para Pessoa, o papel de liderança do parlamento na aprovação de reformas surgiu como resposta à forte mudança dos integrantes da Câmara e do Senado nas últimas eleições. "Em 2018 ocorreu um fato novo. A forte renovação no parlamento mostrou que estabilidade macroeconômica não depende só do presidente da República e isso mudou a equação de como as decisões são tomadas", afirmou.

Carlos Pereira, no entanto, disse enxergar de outra forma. Sua avaliação é de que o parlamento assumiu esse papel por uma lacuna de liderança aberta por Bolsonaro. "A Constituição concede ao presidente uma série de poderes, e ele resolve não usá-los. Por uma não compreensão do funcionamento do presidencialismo partidário. Nesse vácuo, o Congresso começou atuar."

A aprovação da reforma da Previdência, segundo Pereira, foi resultado de uma campanha iniciada ainda no governo Temer, que vinculou as antigas regras de aposentadoria à ideia de algo ultrapassado que beneficiava somente uma parte da sociedade. Agora, para emplacar outras agendas, como a da reforma tributária, seria necessário, segundo o pesquisador, que o presidente reunisse forças para conseguir conciliar a sociedade e conquistar a opinião pública.

"Acho baixo o grau de cooperação dentro do Legislativo nesse governo. Pode ser que no cenário de terra arrasada, da pandemia, algo se construa. Mas sem uma liderança capaz de galvanizar, em um ambiente tão fragmentado [eu fico pessimista]", afirmou Pereira.

Octavio Amorim disse concordar que o presidente abdica de decisões que podem se virar contra ele, atribuindo responsabilidades delas sempre a outros atores políticos. Para ele, ainda é incerto qual é o impacto desse comportamento sobre os eleitores.

"É o que ele está tentando fazer via ministério da Saúde, isso é muito claro. Não temos um ministro. Temos um general ocupando interinamente o ministério, ou seja, o governo federal sinaliza que não tem liderança no combate a pandemia e que a culpa de tudo é de governadores e prefeitos", disse Amorim.

"Isso vai dar certo? Isso quem vai dizer são as eleições municipais."

Em relação aos gastos públicos, Pessoa afirmou que houve uma mudança na mentalidade sobre aumento de endividamento nos últimos dez anos, principalmente no hemisfério Norte.

"Mesmo assim, os nossos níveis de endividamento vão ultrapassar todos os limites de uma economia emergente. Não vejo que haja muito espaço fiscal para que tenhamos aumento do gasto público", afirmou.

"Pode ser que tenha algo pequeno na área de investimento. Mas isso tudo se continuarmos na agenda de gastos obrigatórios."

Pessoa disse também que para encaixar um programa social que dê continuidade à ajuda do auxílio-emergencial, o governo provavelmente fará um redesenho dos benefícios já existentes, ampliando o acesso.

"O auxílio do jeito que está hoje não vai ser estendido. Vamos ter que pensar em outras coisas. O que eu acho que vai acabar saindo é uma mistura do Bolsa Família com abono salarial, com seguro defeso, com salário educação. Pega uns R$ 30 bilhões e faz um bom programa bem desenhado."

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